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Tebet, Haddad e Lula: na campanha, presidente prometeu ampliar isenção do Imposto de Renda, mas ministros dizem não ter como corrigir tabela em 2023.
Tebet, Haddad e Lula: na campanha, presidente prometeu ampliar isenção do Imposto de Renda, mas ministros dizem não ter como corrigir tabela em 2023.| Foto: Washington Costa/MF

A atualização da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), com isenção para quem recebe até R$ 5 mil mensais, foi uma das propostas anunciadas por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na campanha à Presidência em 2022. Embora mantenha a promessa, o governo agora indica não ter pressa para implantar a mudança. A última atualização das faixas de alíquotas completa oito anos em abril.

Logo após a vitória do petista na eleição, ainda em novembro de 2022, o senador eleito e atual ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias (PT), indicou que as mudanças poderiam não ocorrer em 2023. “É uma proposta para o mandato. Ela não está sendo tratada nem na PEC [da Transição] nem na reorganização do Orçamento [de 2023]”, ressaltou, à época.

A justificativa dada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, neste início de ano, é que a atualização da tabela só poderia entrar em vigor a partir de 2024 para obedecer ao princípio da anterioridade, que estabelece um prazo mínimo para entrada em vigor de mudanças na tributação.

O argumento, no entanto, é apenas parcialmente válido. “A regra diz o seguinte: o Estado não pode instituir ou majorar impostos sem que isso esteja previsto no exercício anterior e 90 dias antes da entrada em vigor. No caso do Imposto de Renda, vale o exercício anterior”, explica o tributarista Guilherme Peloso Araújo, sócio do Carvalho Borges Araújo Advogados.

“Mas a regra diz respeito a instituição ou majoração, o que não seria o caso. Se houvesse interesse político, há a possibilidade de ter essa redução já para o Imposto de Renda que a gente vai pagar entre março e abril”, diz.

No Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, Haddad anunciou que pretende encaminhar ao Congresso, no segundo semestre, uma proposta de reforma do Imposto de Renda para “onerar quem hoje não paga imposto”, o que poderia ser feito com a taxação de rendimentos atualmente isentos, como lucros e dividendos.

“No segundo semestre, nós queremos votar uma reforma tributária sobre a renda para desonerar as camadas mais pobres do imposto e onerar quem hoje não paga imposto. Muita gente no Brasil não paga imposto. Nós vamos reequilibrar o sistema tributário brasileiro para melhorar a distribuição de renda no Brasil”, disse o ministro.

Receita deve arrecadar R$ 328,6 bilhões com IRPF em 2023

O maior entrave para a revisão das alíquotas estaria na renúncia fiscal que a medida geraria. O governo tem alegado dificuldades para fechar as contas e, ainda antes da posse de Lula, precisou que fosse aprovada uma emenda constitucional para aumentar em R$ 145 bilhões o teto de gastos para dar conta de promessas como a manutenção da parcela mínima do Bolsa Família em R$ 600.

Segundo a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), na declaração de ajuste anual de 2023, a Receita Federal deve arrecadar R$ 328,6 bilhões. Caso a tabela tivesse sido corrigida desde 1996 com base no IPCA, o teto de isenção saltaria dos atuais R$ 1.903,98 para R$ 4.465,34. Mesmo em patamar inferior aos R$ 5 mil prometidos por Lula, haveria uma perda de R$ 184,29 bilhões, de acordo com os cálculos da entidade.

Na semana passada, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, disse não ver espaço para a mudança nas faixas de incidência do tributo ainda em 2023 em razão da perda de receita. “Se eu mexo na tabela de Imposto de Renda eu estou deixando de arrecadar. Eu tenho um orçamento para ser executado esse ano. Por isso que estou dizendo: eu posso fazer isso para o ano que vem, temos quatro anos para isso”, defendeu, em entrevista ao jornal “O Globo”.

“O governo tem, de fato, especialmente depois da emenda constitucional que instituiu o teto de gastos, um compromisso maior com as contas públicas. Isso não significa não poder fazer ajustes e trocas em favor de uma justiça tributária”, diz o advogado Guilherme Araújo.

“No pacote que o Haddad apresentou, tem majoração de outros tributos. O governo já falou de aumentar, mas ainda não de reduzir”, observa Araújo, referindo-se à série de medidas de ajuste fiscal anunciadas pelo ministro da Fazenda com o objetivo de reduzir o déficit fiscal neste ano.

Na quarta-feira (18), em encontro com representantes de centrais sindicais, Lula disse que “briga” com economistas do partido por uma mudança na lógica do IRPF. “Meus companheiros sabem que tenho briga com economistas do PT. Vocês sabem que o pessoal fala assim ‘Lula, se a gente fizer isenção até R$ 5 mil, são 60% de arrecadação do país, de pessoas que ganham até R$ 6 mil’. Ora, então vamos mudar a lógica. Diminuir para o pobre e aumentar para o rico”, afirmou.

Última atualização na tabela do IRPF foi em 2015

A última correção da tabela do IRPF ocorreu em março de 2015, no governo de Dilma Rousseff (PT), com vigência a partir de 1.º de abril daquele ano. Com a inflação acumulada de lá para cá, a manutenção das faixas de incidência do tributo resulta na elevação da carga tributária sobre a renda. Embora penalize de maneira mais acentuada aqueles que ganham menos, a falta de atualização acaba afetando todos os contribuintes.

Com a atualização, mesmo quem já paga o imposto teria uma parte maior de sua renda isenta, além de um peso menor do tributo sobre as demais faixas que compõem sua base de cálculo.

“O Imposto de Renda talvez seja, em sua concepção, o imposto mais justo, por cobrar mais de quem tem mais disponibilidade financeira. Faz parte da doutrina jurídica, e a Constituição encampa isso, que o IR segue o princípio da capacidade contributiva”, explica o tributarista Guilherme Araújo. “Nesse sentido, não ter atualização de faixa significa um descumprimento desse princípio constitucional.”

A defasagem da tabela do IR contrasta com a política de valorização do salário mínimo, que aumentou além da inflação nas últimas décadas. Em 1996, estava isento do imposto quem ganhava até nove salários mínimos. Em 2022, já pagava o IRPF quem recebia a partir de 1,73 salário mínimo. Neste ano, caso não haja correção na tabela, o tributo passa a ser recolhido do contribuinte com renda equivalente a 1,46 do piso nacional.

De acordo com cálculos da Unafisco, a defasagem acumulada da tabela em relação à inflação é de 134,53%. Para o ano-calendário 2023, exercício 2024, chegará a 148,1% caso não haja correção da tabela.

Caso as alíquotas do Imposto de Renda tivessem sido atualizadas desde 1996 com base no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a faixa de isenção passaria dos atuais R$ 1.903,98 para R$ 4.465,34 na declaração deste ano, liberando do tributo 18 milhões de pessoas. Já em 2024, estaria livre do imposto quem recebe até R$ 4.723,77 mensais.

Hoje, a maior alíquota do IRPF, de 27,5%, incide sobre a parcela da renda que supera os R$ 4.664,68. Ou seja, sem a defasagem na tabela, estariam isentos mesmo contribuintes que hoje chegam a pagar a alíquota mais alta do imposto sobre parte de seus rendimentos.

Tabela atual do IRPF (ano-base 2022)

<strong>Faixa de renda mensal</strong><strong>Alíquota</strong>
Até R$ 1.903,98isento
De R$ 1.903,99 até R$ 2.826,657,50%
De R$ 2.826,66 até R$ 3.751,0515%
De R$ 3.751,06 até R$ 4.664,6822,50%
Acima de R$ 4.664,6827,50%

Como seria a tabela do IRPF (ano-base 2022) com correção integral de 1996 a 2022, segundo cálculo da Unafisco

<strong>Faixa de renda mensal</strong><strong>Alíquota</strong>
Até R$ 4.465,34isento
De R$ 4.465,35 até R$ 6.629,287,50%
De R$ 6.629,29 até R$ 8.797,2415%
De R$ 8.797,25 até R$ 10.939,95 22,50%
Acima de R$ 10.939,95 27,50%

Bolsonaro tentou reforma do IR, que não avançou no Congresso

Embora a isenção do imposto para renda de até R$ 5 mil tenha sido promessa de campanha de Jair Bolsonaro (PL) na campanha eleitoral de 2018, não houve revisão das alíquotas ao longo de seu mandato.

Em 2021, o governo chegou a encaminhar ao Congresso um projeto de lei (PL 2.337/2021), que previa, entre outras mudanças no Imposto de Renda, a atualização da tabela para pessoas físicas. A faixa de isenção subiria dos atuais R$ 1.903,98 para R$ 2,5 mil. Entre as contrapartidas estavam previstas a taxação, em até 20%, de lucros e dividendos, e em até 15% de rendimentos de fundos de investimento imobiliários (FIIs).

O PL, no entanto, acabou bastante desidratado até a aprovação na Câmara e estacionou no Senado. O relator da matéria na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), senador Angelo Coronel (PSD-BA), chegou a apresentar um projeto em separado, propondo elevar a faixa de isenção para R$ 3,3 mil, mas a proposição não avançou.be

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