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Necessidade de obras de infraestrutura no país é maior do que a capacidade das empreiteiras nacionais. Estrangeiras devem receber estímulos do governo federal | Divaldo Moreira
Necessidade de obras de infraestrutura no país é maior do que a capacidade das empreiteiras nacionais. Estrangeiras devem receber estímulos do governo federal| Foto: Divaldo Moreira

Organização

Mercado e governo articulam para fomentar parcerias

No setor de petróleo e gás, envolvido na Operação Lava-Jato, a barreira para a entrada de estrangeiros é explícita. Nos contratos para exploração e produção, as empresas que vencem as licitações têm de cumprir um nível mínimo de conteúdo local, com o objetivo de gerar empregos e estimular a indústria nacional. Para atuar no setor, as multinacionais abrem estaleiros no país mediante associação com as grandes construtoras brasileiras.

Quase todas as empresas brasileiras citadas pela Polícia Federal (Queiroz Galvão, Camargo Corrêa, UTC, Engevix, Odebrecht, OAS) atuam em estaleiros associadas a grupos estrangeiros. E também há casos de parcerias de multinacionais com empresas menores.

Barreiras

Para analistas, a exigência de conteúdo nacional – criada em 1999, com a abertura do mercado – se mal administrada, pode barrar a entrada de grupos estrangeiros e favorecer a formação de "clubes" nacionais entre fornecedores.

Para o economista da PUC-SP Antonio Correa de Lacerda, a exigência de conteúdo local por si só não desestimula a entrada de estrangeiros, pois são regras que existem em outros países. Mas são necessárias regras claras e controles rígidos. "Atingir o nível de conteúdo local pressupõe economia de escala, o que leva a uma oligopolização, quase uma cartelização", diz Lacerda. "Mas, se não aproveitarmos investimentos para gerar conteúdo local, não tem como estimular a indústria local. É quase um mal necessário".

Características

Modelo brasileiro inclui doações e negociação de margens

Independentemente do estímulo do governo, escritórios de advocacia e bancos de investimentos no país já apostam que as parcerias entre empresas nacionais com estrangeiros ocorrerão a curto prazo. Uma as razões é a necessidade de investimentos em infraestrutura no Brasil, superior à capacidade das nossas empreiteiras. "A discussão agora é como vamos processar essa transição de maneira relativamente ordenada e sair do outro lado com uma estrutura boa?", indagou uma fonte do setor privado.

Agentes públicos e privados explicam que parte da concentração do mercado brasileiro de construção seria justificada pela agressividade e pelo tamanho das nossas maiores empreiteiras. Se os estrangeiros não vêm para cá, as "cinco irmãs" já estão atuando em diversos continentes. E não é só aqui que protegem seu mercado.

As grandes empreiteiras locais estão acostumadas a lidar com desmandos dos governos em obras públicas, como atrasos para pagamentos de serviços já concluídos e intervenções em preços de tarifas em concessões. As estrangeiras também teriam de se adaptar ao modelo de doações eleitorais recorrente no país.

Essa incerteza nos pagamentos estaria ligada, além da falta de concorrentes externos, à cobrança de maiores margens pelas empreiteiras no mercado nacional. O integrante de um banco de investimentos destaca que as margens das empreiteiras no Brasil giram ao redor de 10% do valor das obras, ao passo que, em mercados mais concorridos no exterior, esse índice é de 6%, em média.

Procurada, a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (Abdib), que representa empreiteiras, não se manifestou sobre o conteúdo da reportagem.

Com as maiores empreiteiras do país envolvidas no escândalo da Operação Lava-Jato, governo e setor privado veem como inevitável a chegada de concorrentes externos e começam a debater como se dará a abertura do mercado da construção civil. Enquanto nos maiores setores da economia brasileira – bancos, telefonia, varejo, mineração e agricultura – há atores internacionais, na construção as empresas estrangeiras têm uma atuação marginal, e os negócios estão concentrados nas grandes empreiteiras locais. Estas também não costumam fazer grandes fusões e aquisições, caminho tradicional para um investidor estrangeiro ingressar no mercado nacional.

Formalmente, não existem barreiras para a entrada de estrangeiros na construção, como há, por exemplo, nos setores de mídia e aviação civil. Na prática, porém, são enormes os entraves, que acabam por criar uma espécie de reserva de mercado. Os relatos de quem já tentou furar esse bloqueio são épicos. Vão desde a dificuldade de um engenheiro estrangeiro obter licença do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) – de quase 1,2 milhão de registros, menos de 0,1% são de estrangeiros – até a falta de pessoas do governo que falem inglês, a fim de explicar o mercado local.

Características

Os elevados impostos para importação de projetos e serviços e a exigência, pela lei 8.666, de certidões que comprovem experiência anterior e capacidade financeira para concorrer em licitações também desestimulam e, em alguns casos, inviabilizam a atuação de empresas estrangeiras. "O país é muito fechado para o estrangeiro, e o processo burocrático, muito grande. Por isso, as grandes construtoras vão para onde acham mais fácil, como México ou Colômbia. Em determinados nichos é possível que estrangeiras consigam sucesso, mas o mercado é muito cativo", disse Ricardo Pitella, da multinacional de projetos de engenharia Arup, no Brasil há 40 anos.

Nos últimos dez anos, o predomínio no mercado das "cinco irmãs" da construção – Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão e OAS – só foi ameaçado pela Delta Construções, que desapareceu no rastro de operações da Polícia Federal (PF) contra a corrupção em 2011.

Segundo a revista O Empreiteiro, no ano passado as 25 maiores empresas do país tiveram receita de R$ 60,51 bilhões, e as cinco maiores ficaram com metade desse valor. A presença de capital estrangeiro é percebida entre as incorporadoras imobiliárias, que abriram capital há alguns anos, mas não nas empresas de construção pesada, que tradicionalmente lideram o ranking da construção. "A crise da Lava-Jato vai obrigar o mercado a estruturar novos empreendedores com participação estrangeira fora desse estreito mundo das grandes construtoras", disse uma fonte do setor com trânsito no governo e na iniciativa privada.

Estratégia

Uma das estratégias do governo para abrir o mercado da construção seria aproximar companhias estrangeiras das empresas médias brasileiras para lhes dar mais fôlego financeiro. Outra ideia é facilitar o registro de engenheiros no país e criar um fundo financeiro à parte dos grandes bancos e fundos de pensão, para ter mais independência na destinação de recursos a empreendedores.

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