Aumento da renda e defasagem da tabela do IR fez com que muitos isentos passassem a pagar o imposto| Foto: Henry Milleo / Agência de Notícias Ga

Os últimos anos proporcionaram aos brasileiros um aumento real nos salários, mas a bonança veio acompanhada de uma mordida cada vez mais gulosa do Leão. Entre 2004 e 2014, a renda média dos trabalhadores cresceu 33,1% acima da inflação. Já a tabela que corrige as faixas salariais obrigadas a pagar Imposto de Renda (IR) não acompanhou sequer a inflação no período e ficou defasada em 7,8%. Essa combinação fez com que o tributo avançasse sobre o bolso dos trabalhadores. Muitos que eram isentos começaram a descontar, enquanto as alíquotas ficaram mais pesadas para os que já pagavam IR. Em alguns casos, o imposto devido saltou 268% de 2004 para cá, segundo cálculos do economista Alexandre Espírito Santo, do Ibmec-RJ e da Simplific Pavarini.

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É o caso de quem tinha renda anual de R$ 25.380 em 2004 e pagava IR de 15%. Assim, destinava R$ 1.902,60 ao IR. Se a evolução do salário acompanhou a média do país, hoje, o ganho anual chegaria a R$ 61.514,80. É valor suficiente para incluir esse contribuinte na alíquota máxima atual, de 27,5%. Pulando de faixa dessa forma, ele passaria a pagar R$ 7.002,74 - uma mordida 268% maior.

As faixas de incidência do IR foram corrigidas em 68,9% desde 2004, e o teto de isenção subiu de R$ 12.696 ao ano para R$ 21.453,24. Enquanto isso, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), inflação oficial do país, subiu 82,1% no mesmo período.

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Em outro exemplo, quem recebia R$ 12.696 ao ano em 2004 estava dentro da faixa de isenção, livre do IR. Supondo que o salário desse trabalhador tenha avançado os mesmos 33,1% acima da inflação experimentados pela média dos brasileiros, ele receberia hoje R$ 30.771,93 ao ano. Mas, como as faixas do IR subiram em ritmo mais lento no período, esse contribuinte pagaria hoje sobre a alíquota de 7,5%, ou R$ 698,90.

Rendimentos tributáveis

As contas usam como referência o avanço da renda real medida pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME), que considera as seis principais regiões metropolitanas do país, e o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ambos do IBGE. O cálculo leva em conta os rendimentos tributáveis, ou seja, já descontadas isenções como as asseguradas a quem tem dependentes, gastos com INSS e outros.

“Quando a tabela do Imposto de Renda é reajustada abaixo da inflação, na prática, o que acontece é que mais gente acaba tendo que pagar imposto. Só que, além dessa defasagem, houve aumento da própria renda dos brasileiros nos últimos anos, o que fez com que a Receita arrecadasse ainda mais”, diz Espírito Santo.

A combinação de aumento de renda com tabela defasada é uma das explicações para a forte alta na arrecadação do tributo nos últimos anos, impulsionada também pelo aumento do emprego formal. Segundo números do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita (Sindifisco Nacional), a Receita Federal arrecadou R$ 26,7 bilhões com IR no ano passado, 335% mais que os R$ 6,13 bilhões de 2004. A alta foi muito superior à da arrecadação de todos os tributos, que saltou 191% no período, para R$ 1,17 trilhão.

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“Houve alta não só de renda, mas também de pessoas com trabalho formal. Antigamente, com a alta informalidade da economia, argumentava-se que o imposto era pesado porque poucas pessoas contribuíam. Com o aumento do número de contribuintes, esperava-se que o governo reduzisse a carga tributária, mas não foi isso que aconteceu. Na verdade, foi o contrário, e o Leão avançou sobre o excedente de salário dos brasileiros”, diz Bianca Xavier, sócia e coordenadora do setor tributário do escritório de advocacia Siqueira Castro.

Recém-formado em engenharia civil pela PUC-Rio, Adolpho Meirelles, de 23 anos, está sentindo os efeitos de uma tabela que não acompanha a inflação nem, muito menos, sua renda. Trabalhando desde abril de 2014 em um construtora, ele teve aumento de salário em janeiro quando foi efetivado. Resultado: passou a descontar o IR na fonte.

“Eu não estava acostumado a ver uma parte tão grande do salário ir embora assim. No primeiro mês, já vi um desconto enorme. Como o reajuste que deve ter na tabela é pequeno, a situação não deve melhorar muito”, diz.

A tabela do IR para pessoas físicas acumula defasagem de 64,37% entre 1996 e 2014, quando comparada com o IPCA. Em dezembro de 2006, governo federal e centrais sindicais acordaram uma correção anual de 4,5% entre 2007 e 2010. O percentual foi repetido até o ano passado.

Para 2015, o governo quer manter a correção de 4,5%, apesar de o Congresso ter aprovado uma atualização de 6,5%, praticamente igual à inflação de 2014 (6,41%). Simulação do economista Álvaro Luchiezi, do Sindifisco, mostra que, se for mantido o índice mais baixo, o peso será maior para quem ganha menos. Considerando a correção de 4,5%, quem tem salário mensal de até R$ 2 mil pagaria um imposto 37% maior do que com o ajuste de 6,5%. Já no caso dos trabalhadores que ganham acima de R$ 10 mil, a diferença seria de apenas 0,88%.

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“Isso reflete os equívocos do governo em relação as correções na tabela do IR ao dos últimos anos”, afirma Luchiezi.

Para Luchiezi, em 2002 os contribuintes isentos ganhavam até seis salários mínimos. Hoje, o limite está em 2,5 salários. “Não só está entrando mais gente para pagar imposto, como está aumentando o número de pessoas que pagavam a alíquota de 15% e passam a pagar 22,5% ou 27,5% em razão dos reajuste abaixo da inflação. Já quem ganha mais continua tributado com a alíquota de 27,5%”, diz.