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O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel descreve uma consequência da alta tributação sobre herança nos Estados Unidos. "Se um norte-americano sabe que, quando morrer e deixar um bom dinheiro para a família, o Estado vai levar boa parte, ele vai aderir à filantropia e ao mecenato", conta, referindo-se à cultura da doação – uma modalidade muito comum nos EUA é enviar recursos à universidade onde a pessoa se formou. A nova moda entre os donos das maiores fortunas norte-americanas é o Giving Pledge (www.givingpledge.org), iniciativa de Bill Gates e Warren Buffett para convencer os bilionários americanos a doarem pelo menos metade de seu patrimônio para filantropia e caridade.

No Brasil, Gates e Buffett precisariam dar um jeitinho para fazer sua ideia funcionar: a noção de que a fortuna é da família, e não do indivíduo, é tão forte que a lei garante o direito dos chamados "herdeiros necessários" (cônjuge, descendentes e ascendentes, em juridiquês) a pelo menos metade do patrimônio de uma pessoa.

Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk, professor de Direito Civil na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), explica que, mesmo em vida, uma pessoa não pode dispor dos seus bens como bem entender. "A lei proíbe que alguém doe mais da metade do seu patrimônio a terceiros que não sejam os herdeiros necessários", afirma. Caso isso aconteça, os herdeiros podem buscar na Justiça a anulação das doações que ultrapassarem o limite.

O Código Civil também evita surpresas muito desagradáveis na hora da abertura de testamentos. O falecido só pode ter dado o fim que bem entender a metade de seus bens; os outros 50% obrigatoriamente são dos herdeiros necessários. "Como os testamentos costumam ser feitos com orientação jurídica, dificilmente eles quebrarão esta regra. Mas, se isso ocorre, tenta-se aproveitar o possível e respeitar a vontade do indivíduo", afirma Pianovski. Em outras palavras, se alguém deixa em testamento 80% de seus bens para o time de futebol para o qual torce e outros 20% para a igreja que frequenta, a provável redivisão do patrimônio deixará metade aos herdeiros necessários, 40% para o clube e 10% para a igreja, seguindo a proporção desejada. Pianovski explica que estas regras existem pelo menos desde o Código Civil de 1916. "Mas mesmo as legislações anteriores, desde o período colonial, já previam uma salvaguarda para os familiares", acrescenta.

O único caso em que uma pessoa teria mais liberdade para fazer o que quisesse com sua fortuna seria na ausência de herdeiros necessários. "Se alguém que não tem cônjuge, descendentes ou pais vivos quiser fazer um testamento deixando tudo a terceiros ou instituições, é livre para isso, ainda que tenha irmãos, tios ou sobrinhos, por exemplo", afirma o advogado. Mas ainda assim a lei prevê uma última restrição: protege a pessoa dela mesma. Em vida, alguém sem herdeiros necessários não pode doar bens indiscriminadamente a ponto de comprometer sua subsistência, conta Pianovski, referindo-se à situação descrita pelo Direito com o nome, um tanto dramático, de "suicídio patrimonial do pródigo".

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