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Limite do que pode ser dito é bastante ambíguo

As "linhas vermelhas" básicas da liberdade de expressão na Síria são bem conhecidas: não criticar o presidente, sua família ou os serviços de segurança, não tocar em assuntos delicados como a minoria curda na Síria ou os alauitas, uma minoria religiosa à qual pertence o presidente Bashar Assad. Jornalistas estrangeiros que violam essas regras são regularmente banidos do país.

Mas a exata extensão do que é proibido é deliberadamente incerta, e essa incerteza encoraja o medo e a autocensura, segundo muitos jornalistas locais. Uma estudante e blogueira de 19 anos, Tal al-Mallohi, foi presa no fim do ano passado e continua na prisão. Seu blog havia estimulado o governo sírio a fazer mais pelos palestinos, mas sem chegar a uma crítica real. As autoridades não ofereceram qualquer motivo para sua detenção. Inúmeros blogueiros foram presos por expressar visões consideradas críticas ao governo sírio, ou mesmo a outros governos árabes, sob antigas leis que criminalizam o "enfraquecimento do sentimento nacional" e outras ofensas de ampla definição.

Outros foram presos por fazer piadas. Um blogger, Osama Kario, escreveu em 2007 uma paródia dos "três nãos árabes" que recusam qualquer concessão a Israel (não à paz com Israel, não às negociações com Israel, não ao reconhecimento de Israel). Sua versão: "Não à eletricidade, não à água e não à internet". Ele acabou preso por 28 dias.

Facebook é proibido, mas presidente usa site

É impossível dizer quantos sírios estão prestando atenção ao que está sendo divulgado na web. Questionado sobre quem era o seu público, Khaled al-Ekhetyar, jornalista do site independente All4Syria.info, fez uma pausa e disse, com um sorriso cansado: "Meus amigos e a polícia secreta". Pode ser por isso que as autoridades sírias, apesar da proibição oficial do Facebook, YouTube e muitos outros sites, não parecem preocupadas com eles.

A maioria das autoridades governamentais da Síria, incluindo o presidente, tem seus próprios perfis no Facebook. Entre em quase qualquer um dos muitos cybercafés de Damasco, e o gerente lhe mostrará como se logar no Facebook e outros sites proibidos.

Numa recente manhã na tumultuada região de Bab Touma, na cidade velha de Damasco, Berj Agop, 26 anos, estava em meio a uma multidão de jovens no cybercafé SpotNet – muitos deles casualmente navegando sites que são oficialmente proibidos.

"Eu vi o vídeo do professor batendo no aluno", disse ele. "Isso é certamente uma vitória; sem o Facebook, ninguém teria ficado sabendo desse incidente".

Perto dele, porém, outro jovem – que se identificou apenas como Taym – ofereceu uma visão diferente. "Para o jovem, a internet é como o pirulito de um bebê", afirmou ele. "Ela o entretém e faz com que ele esqueça seus problemas, é como Alice no País das Maravilhas – eu sonho com um mundo assim, um mundo melhor".

Recentemente, uma gravação em vídeo de professores batendo em seus jovens alunos apareceu no Facebook. Embora o site de relacionamento seja oficialmente proibido na Síria, o vídeo se tornou rapidamente viral, com bloggers sírios incitando o ódio público até a história ser descoberta pela mídia pan-árabe.

Finalmente, o Ministério da Educação divulgou uma declaração dizendo que os professores haviam sido transferidos para cargos administrativos. O episódio foi um raro exemplo de como os sírios, usando o Facebook e blogs, podem obter uma tênue medida de liberdade dentro da mídia altamente controlada do país, onde qualquer crítica ao governo, por mais indireta que seja, pode levar a anos na prisão.

"Nós temos um pouco de liberdade", disse Khaled al-Ekhetyar, um jornalista de 29 anos de um site cujo cartão de visitas exibe um rosto com mãos cobrindo olhos e boca. "Podemos dizer coisas que não podem ser ditas em impressos".

Mas essa pequena vantagem é ameaçada por uma constante névoa de medo e intimidação, e alguns jornalistas temem que ela logo desapareça. Um projeto de lei para regulamentar a mídia on-line pode calar os blogueiros e outros jornalistas sírios, forçando-os a se registrar como membros do sindicato e a submeter seus textos a revisões. Outros países árabes prendem regularmente jornalistas que expressam ideias dissidentes, mas a Síria talvez seja o mais restritivo de todos.

A maior parte da mídia síria ainda pertence ao Estado. As empresas privadas de mídia se tornaram legais em 2001, quando a economia socialista começou lentamente a se liberalizar após a posse do presidente Bashar Assad. Porém grande parte do setor pertence a membros da "oligarquia" síria – parentes de Assad e outras autoridades do governo. Todas as empresas estão sujeitas à intimidação e a um controle com mão de ferro.

"O primeiro nível é a censura", disse Ayman Abdel Nour, fundador do All4Syria.info, o site independente onde trabalha al-Ekhetyar. "O segundo nível é quando eles lhe enviam declarações e o obrigam a publicá-las". Como muitos outros jornalistas e dissidentes, Abdel Nour deixou o país e hoje vive no exterior.

Avanços ambíguos

Nos últimos anos, jornalistas da televisão e do rádio realizaram alguns esforços na tentativa de ampliar os limites, obtendo um ambíguo sucesso. Locutores como Honey Sayed, que comanda um programa bastante popular chamado Bom Dia Síria na Madina FM, explora frequentemente questões sociais como homossexualidade e abuso infantil. No ano passado a Orient TV, uma nova estação que pertence a um empreendedor sírio independente, começou a transmitir de Dubai e rapidamente ganhou altas audiências com seus criativos documentários. Alguns meses depois, porém, o escritório da estação em Damasco foi abruptamente fechado, sem qualquer explicação.

O All4Syria.info consegue sobreviver desde 2004 com uma equipe rotativa de meia dúzia de escritores, todos vivendo na Síria. No início deste ano, ele publicou uma entrevista com três políticos dissidentes sobre sua libertação da prisão, algo que nenhuma outra mídia síria havia ousado fazer.

"A internet na Síria é um pouco como eram as publicações samizdat na União Soviética", afirmou Mohammad Ali Abdallah, cujo irmão, Omar Ali, foi condenado a cinco anos de prisão em 2006 por contribuir com um fórum on-line considerado subversivo pelas autoridades.

No ano passado, algumas das novas estações privadas de rádio da Síria se uniram aos blogueiros para criticar uma proposta de revisão da lei de status pessoal da Síria, que teria legalizado o casamento de homens com meninas de até 13 anos. Pres­­sionados, os legisladores abandonaram a proposta.

Mas os sucessos individuais nem sempre geram um progresso mais amplo, graças ao medo. "Mesmo quando alguém consegue cruzar uma linha, todos continuam com medo, eles não progridem com aquilo", disse al-Ekhetyar. "Eles acham que talvez tenha sido uma coincidência".

Muitos jornalistas on-line usam pseudônimos, acrescentou ele, uma prática que, embora mais segura, corrói sua credibilidade e os coloca numa terrível reclusão – onde eles não conseguem desenvolver padrões profissionais. O Facebook tem sido uma importante válvula de escape para frustrações políticas e sociais, mas ele também é frequentemente usado com furtivo anonimato.

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