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Qualquer artista espera que seus trabalhos sejam olhados, ouvidos ou lidos. E para produzir, é preciso imaginar o tipo de pessoa do outro lado da obra. Agora imagine escrever um livro pensando em vários modelos de leitores que podem intervir no destino dos personagens.

Após conquistar uma das bolsas do Programa Petrobrás Cul­tural, Simone Campos, uma jo­­vem escritora carioca, resolveu experimentar o desafio. Para is­­so, baseou-se em um tipo de literatura conhecido como livro-jo­­go ou ficção interativa, e armou uma história na qual o protagonista é um técnico de informático louco por videogames.

Seu novo livro Owned - Um Novo Jogador, em processo final de edição, tem 274 páginas e 17 desfechos possíveis. O mais curto vem logo na página 80 e o mais longo, na 229. O estilo não-linear segue uma característica da literatura que ficou famosa com escritor argentino Julio Cortázar em seu romance O Jogo da Ama­relinha (Editora Civilização Bra­sileira). A "rayuela" do título ori­ginal é um jogo que se equivale à nossa amarelinha, em que o jogo muda conforme uma ação do jogador.

Em Owned, o personagem An­­dré ganha um objeto enquanto joga um game no computador e, a partir desse momento, sua vida começa a ser afetada pelas ações no ambiente virtual. A escritora afirma que assim como o personagem de Dom Quixote, André também sofre na sua vida real por causa de elementos imaginários ou virtuais. "O objetivo é mostrar o poder da ficção no dia a dia das pessoas", diz a autora.

A cada capítulo, o leitor decide qual atitude o personagem deve tomar, o que o leva a uma página diferente e, consequentemente, a uma outra história. Assim o leitor não só participa co­­mo molda o personagem, o que, segundo a autora, cumpre um dos objetivos do livro que é fazer o leitor refletir sobre personalidade e caráter. O livro estará disponível também on-line. Além de gratuita, a edição na web permite gravar as escolhas do leitor.

Gamer

A escritora, de 28 anos, com três livros e diversos contos na carreira, teve uma infância baseada nos dois elementos: literatura e videogame. Assim como André, Simone Campos também ganhava livros e jogos eletrônicos do padrinho desde os sete anos. Ela ainda é uma jogadora fiel e dona de um Play­Sta­tion 3 e, hoje, avalia sua infância e seu hobby favorito com mais maturidade.

Para ela, jogos cumprem a função de "largar âncoras longe da realidade", diz. "A ficção inclui tudo que é fantasia: livro, videogame, imaginação, mentiras; elementos que servem para escapar e retrabalhar a vida real. A forma como você vive uma vi­­da paralela na sua cabeça in­­fluencia a forma como vai ver a sua vida real."

Videogames carregam o prejuízo de serem vistos como um desvio, sempre responsabilizados por notas baixas na escola ou introversão. A escritora carioca espera que seu livro seja não só uma quebra desse preconceito mas também tem a esperança de unir os dois mundos e seus habitantes. "Eu quero que leitores que nunca tiveram contato com videogames passem a jogar; e jogadores que se mantêm longe dos livros, se interessem por literatura", diz. Até porque "o livro é como se fosse um software e a cabeça, o hardware".

Questionada sobre a relação entre atrocidades no mundo real e jogos violentos, a escritora-gamer se mostra irritada. "Es­­sa ligação é absurda. E quan­­do o assassino é re­­ligioso? Ve­­ja Macbeth (William Sha­­­kes­peare) ou Dom Cas­mur­ro (Ma­­chado de Assis). Não há violência quando Bentinho tenta matar o filho? E a suposta on­­da de suicídios após o Os Sofri­mentos do Jovem Werther do Goethe? Videogame é arte e obras de arte em geral são ca­­pazes de muita coisa."

Simone, que quando jo­­vem fugiu da literatura de "moçoilas" para os videogames, explora o seu ponto de vista crítico quanto à visão desequilibrada em relação às mulheres também em Owned. Embora o protagonista seja homem, ele terá de se envolver com sete mulheres durante a história. Moldando suas personagens, Simone relembra heroínas duronas como Lara Croft, de Tomb Raider, mas diz que o perfil mais co­­mum no mundo do games ainda é de mulheres muito frágeis ou seminuas e atraentes. No livro, algumas delas são nerds, fãs de pornografia e jogadoras ferrenhas.

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