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Ricardo Gandour (no centro), diretor de conteúdo de O Estado de S. Paulo, coordena debate entre Eugênio Bucci (à esquerda) e Pedro Dória, em seminário da ANJ: limites entre atuação profissional e vida pessoal | Divulgação
Ricardo Gandour (no centro), diretor de conteúdo de O Estado de S. Paulo, coordena debate entre Eugênio Bucci (à esquerda) e Pedro Dória, em seminário da ANJ: limites entre atuação profissional e vida pessoal| Foto: Divulgação

Interatividade

Gerenciar comentários é impasse nas redações

Audrey Possebom

A forma de administrar os comentários de leitores é um dos impasses das empresas de comunicação digital. Ao dar total liberdade para a opinião de internautas, o jornal corre o risco de divulgar palavrões e ofensas em seu site. Em contrapartida, ao manter um mediador para barrar as mensagens com teor inadequado, a mídia é acusada de cercear a liberdade de expressão.

Para o jornalista Ricardo Feltrin, secretário de Redação de Novas Mídias do Grupo Folha, as empresas devem ter uma política clara e transparente de publicação dos comentários. Sem um moderador, o jornal está sujeito não só à publicação de conteúdo impróprio, mas também à manipulação da opinião pública.

Feltrin cita o caso de reportagens sobre a crise no Oriente Médio publicadas no site da Folha, que geraram publicações radicais e antissemitas. "Descobrimos que havia um software que rastreava tudo o que saía na internet sobre o Oriente Médio para agregar comentários, usando pessoas com perfil fake (falso) na rede", conta.

O jornalista Caio Túlio Costa, que participou com Feltrin do painel "Exemplos de regras éticas das empresas e a experiência de quem já regrou" no seminário da ANJ, concorda que a mediação dos comentários nos sites de notícia é necessária. Ele pondera, porém, que o país não deve criar regras que proíbam a livre manifestação de ideias na web. "Não temos o direito de impedir a pessoa de dizer o que ela quiser [na internet]. Mas temos o direito de impedir que ela faça isso dentro de nosso espaço."

A situação dos jornais pode ser resumida hoje num tópico com viés épico: desafios em larga escala e com potencial revolucionário. A questão já bem conhecida e ainda não resolvida é a frenética busca de uma receita que permita adequar o modelo de negócio ao novo mundo da internet – que põe a informação impressa contra a parede.

Essa carga, no entanto, vem acompanhada de outra, cada vez mais importante. A avalanche das mídias sociais na internet (Face­book e Twitter à frente) impõe uma nova situação não só na forma como os veículos se apresentam aos seus públicos, mas também como os profissionais dos veículos de informação atuam nessas redes.

O tema é um verdadeiro campo minado por envolver questões éticas, produtivas e muito caras ao setor (como liberdade de expressão, furos jornalísticos, credibilidade e limites profissionais/pessoais).

Os principais jornais do mundo criaram recentemente decálogos com sugestões sobre o comportamento de seus profissionais no universo virtual.

No Brasil, as discussões em torno de assunto têm hoje mais perguntas do que respostas e uma regra (experimentar e aprender fazendo). Discute-se o grau de regramento, mas os especialistas tendem a concordar que a imposição "de cima para baixo" é negativa e ineficaz. As empresas, no en­­tanto, podem e devem criar alguma normatização – de preferência após muita discussão interna.

Até porque a situação começa a causar estragos. Pesquisa feita pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) mostra que em 9% dos jornais do Brasil já houve demissão de jornalistas por comentários feitos nas mídias sociais (veja outros resultados nos números em destaque).

O levantamento foi apresentado em seminário sobre comunicação digital, na quarta-feira, em São Paulo. A associação reuniu alguns dos principais jornalistas e pensadores da comunicação do Brasil para discutir os desafios éticos das empresas jornalísticas.

Marcelo Rech, diretor do Comitê editorial da ANJ, lembrou que a internet comercial tem 16 anos de existência, mas essa foi primeira vez que a associação discute formalmente a implicação ética da informação no mundo on-line. "É preciso discutir antes que os dilemas se transformem em sinistros para jornalistas e jornais", afirmou.

Credibilidade

Diante de tantas informações e comentários nas mídias sociais, Pedro Dória, editor-executivo do setor on-line de O Globo, defende a volta aos valores do "jornalismo tradicional" (a saber: rigor na apuração, comportamento adequado dos jornalistas). "Não deve haver duas éticas diferentes", resume.

Para Eugênio Bucci, diretor de pós-graduação da Escola Superior de Propaganda e Marketing, os veículos tradicionais ganharam força na era digital justamente por causa da credibilidade acumulada ao longo dos anos. "Na internet, muita coisa parece jornalismo, mas não é", diz. "O público começou a perceber que em alguns lugares a informação é especial."

Quem assegura a "informação especial" citada por Bucci são os jornalistas. E a atuação deles nas mídias sociais embute uma série de oportunidades cercada de muitos riscos.

No centro da questão está a impossibilidade de separar a vida pessoal da profissional do jornalista. "Os jornais têm obrigação de zelar para que seus jornalistas saibam quais são as regras para suas mídias pessoais", defende Caio Túlio Costa, um dos criadores do portal UOL e hoje consultor de novas mídias. "Não temos o direito de proibir ele [jornalista] de dizer o que quiser; assim como o jornal tem o direito de dizer quais são os princípios com os quais trabalha. É paradoxal e contraditório." Para resumir: "Teremos período de confusão grande pela frente", afirma Bucci.

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