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Modalidade funcionou em caráter de testes no Rio de Janeiro entre 2020 e início de 2021
Modalidade funcionou em caráter de testes no Rio de Janeiro entre 2020 e início de 2021| Foto: Reprodução/Facebook/Gofit

Como forma de aumentar a concorrência no setor, o Ministério da Economia vem defendendo publicamente que postos de combustível sejam autorizados a fazer o abastecimento de veículos fora dos estabelecimentos, na modalidade de delivery. O serviço, já praticado em outros países, é proibido no Brasil por resolução da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). A justificativa é a dificuldade que o modelo geraria para a rastreabilidade do produto e fiscalização das revendas.

Técnicos da pasta comandada por Paulo Guedes, argumentam, com base na Lei da Liberdade Econômica, que “a existência de demanda e a possibilidade de oferta ou fornecimento dos produtos com segurança e qualidade são razões suficientes para que não se impeça a livre iniciativa empresarial”.

A lei, sancionada em 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), cria a figura do abuso regulatório, infração cometida pela administração pública quando edita norma que “afete ou possa afetar a exploração da atividade econômica”.

O delivery de combustível já foi executado de forma restrita na cidade do Rio de Janeiro. Depois de iniciar a oferta do serviço sem anuência da ANP, a Delft Serviços (posteriormente rebatizada para Gofit) foi autorizada pelo órgão em março de 2020 a operar a modalidade em caráter excepcional, como um projeto piloto. A atuação, que perdurou até maio de 2021, ficou restrita aos bairros da Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes e Vargem Pequena.

O funcionamento era similar ao de um serviço de delivery de comida. Por meio de um aplicativo para smartphone, o usuário fazia o cadastro de um ou mais veículos e indicava a localização, horário, valor e tipo de combustível (gasolina comum ou etanol) que desejava abastecer. O pagamento era feito por cartão de crédito diretamente na plataforma. No horário agendado, um veículo-tanque se deslocava até o automóvel e fazia o abastecimento.

Um dos argumentos que permitiu a implantação em caráter de testes foi a possibilidade de rastreio oferecida pela tecnologia. A atividade foi monitorada pela ANP por meio de relatórios mensais com dados dos abastecimentos, além de ações de fiscalização. A partir da experiência, a agência estabeleceu uma série de condições para a eventual liberação do serviço.

Essas regras estão previstas na minuta de uma resolução do órgão regulador submetida à consulta pública. De acordo com o texto, a operação só poderá ser realizada por postos de combustível já autorizados e após outorga específica, com atuação restrita aos limites do município e em áreas urbanas. O veículo transportador poderá carregar no máximo 2 mil litros de até dois tipos de combustível (gasolina comum e etanol) em tanques segregados. O transporte de diesel não seria permitido.

O abastecimento em si não poderá ser feito em locais com piso semipermeável ou permeável, garagens, áreas subterrâneas, vias públicas de grande fluxo ou quando a operação implicar em descumprimento de regras de trânsito, como a necessidade de parada em fila dupla ou em área em que seja vedado o estacionamento.

A autorização para abastecimento fora de postos exigiria uma série de documentos, como estudo de análise de gestão de riscos, registro nacional de transportes rodoviários de cargas (RNTRC) emitido pela ANTT, licença de operação expedido por órgão ambiental, anotação de responsabilidade técnica com recolhimento junto ao Crea, certificado de inspeção para transporte de produtos perigosos emitido pelo Inmetro, cadastro de regularidade ambiental, seguro para acidentes para a atividade, entre outros.

No exterior, há exemplos de países que autorizam esse tipo de serviço. Um levantamento da ANP cita empresas como a britânica Zebrafuel e as indianas MYPetrolPumP, Pepfuel e Fuel Buddy, que entregam diesel, e a CAFU, que atende em Dubai, nos Emirados Árabes, com delivery de gasolina. Nos Estados Unidos, a atividade existe pelo menos desde 2016, com companhias com atuação regional, como Exfill, Filld, Yoshi, Booster e Neighbourhood Fuel.

Diferentes equipes do Ministério da Economia já se manifestaram em defesa da liberação da modalidade. Em uma nota técnica de julho, a Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria destaca que a tecnologia já é corriqueira em entregas “e, talvez, resulte em um controle até maior das atividades de abastecimento da solução de delivery de combustíveis, surgida por meio da ampliação do uso de aparelhos celulares e já presente em outros países como Reino Unido, EUA, Emirados Árabes e Índia”.

Em outro parecer, a Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, considera que o delivery de combustíveis “é uma nova possibilidade de arranjo de negócio, possibilitando, inclusive, contestabilidade a localidades em que esteja ocorrendo abuso de poder econômico na revenda.” A pasta defende ainda que o serviço seja liberado sem a restrição aos limites do município de localização do posto de revenda.

A mudança seria mais uma medida no sentido de aumentar a competitividade no setor, após a recente liberação da compra de etanol por postos diretamente das usinas e da venda de combustíveis de outras distribuidoras por revendas com bandeira.

A chamada tutela regulatória da fidelidade à bandeira também foi tema de consulta pública da ANP, mas antes que o órgão regulador tomasse alguma decisão em relação ao assunto, o Ministério da Economia publicou uma medida provisória, no início de agosto, retirando as restrições à compra de combustíveis pelas revendas.

À Gazeta do Povo, o Ministério da Economia informou, no entanto, que “não há nenhum outro estudo ou elaboração de outro ato normativo legal ou infralegal sobre o assunto em trâmite no âmbito da Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria (Secap), além da proposta de mudança feita pela ANP no âmbito da Consulta Pública nº 7/2021”.

A ANP, por sua vez, informou que está analisando as contribuições recebidas durante a consulta pública. Segundo a agência, por enquanto não há previsão de publicação das novas regras.

Distribuidoras e associações são contrárias à proposta

Apesar dos pareceres favoráveis do governo, diversas entidades são contrárias à liberação da entrega de combustível nos termos propostos pela agência reguladora. Distribuidoras como BR, Ipiranga, Raízen e Atem se opõem à minuta por, entre outras razões, gerar riscos operacionais e ambientais, dificuldade de fiscalização e risco de evasão fiscal, sem compensação suficiente em termos concorrenciais, segundo elas.

A Associação Brasileira de Revendedores de Combustíveis Independentes e Livres (AbriLivre) diz que as obrigações impostas na proposta de resolução do órgão “são absolutamente impraticáveis para um posto cumpridor da lei e das normas da ANP, o que, na prática, inviabilizaria a adoção do delivery sem que o houvesse risco de ferir qualquer dessas obrigações”.

A entidade questiona, por exemplo, a vedação ao abastecimento em garagens e, ao mesmo tempo, a necessidade de que o procedimento ocorra em área de pisos impermeáveis, uma vez que esse tipo de assoalho geralmente é encontrado justamente em garagens.

O promotor de Justiça Glauber Tatagiba, do Procon de Minas Gerais, considera que a modalidade “não traz benefícios ao consumidor, coloca em risco a segurança e o meio ambiente e pode facilitar a sonegação, bem como a adulteração do produto”.

A Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP) também se manifestou contrária à medida, por considerar que o modelo pode expor terceiros a responsabilização por eventuais contaminações ambientais e danos à segurança pública.

Já o Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, de Lojas de Conveniência, de Lava-Rápido e de Estacionamento de Santos e Região (Resan) diz não ter objeções ao delivery em si, mas que as condições propostas pela agência seriam insuficientes para controlar os riscos de dano ao meio ambiente, ao consumidor, à arrecadação tributária e à própria concorrência.

Um parecer produzido pelo Grupo de Economia da Energia (GEE), do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), conclui que, mesmo que a ANP exija uma série extensa de garantias dos agentes interessados e coloque uma série de restrições, a autorização da atividade tende a aumentar os custos de fiscalização da qualidade dos combustíveis e gerar insegurança para a atividade de abastecimento.

“Outras soluções, como o desenvolvimento de aplicativos que informem com precisão os preços dos combustíveis assim como a avaliação dos postos de combustíveis pelos consumidores em trajetos pré-definidos (trabalho-casa, por exemplo) tem o potencial de aumentar a concorrência sem aumentar os custos regulatórios”, dizem os autores Helder Queiroz Pinto Jr. e Marcelo Colomer Ferraro.

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