Robô Sophia e seu criador, dr. David Hanson.| Foto: Reprodução/Facebook

A Arábia Saudita não é definitivamente o lugar mais “pra frente” do mundo. Curiosamente, vem do país ultraconservador, a última nação a permitir que mulheres dirijam automóveis – feito que só aconteceu este ano –, uma discussão de vanguarda em um campo que já é de vanguarda.

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Em outubro, o rei saudita, Salman bin Abdelaziz, concedeu cidadania a um robô humanoide criado por uma empresa de Hong Kong. A simpática Sophia, da Hanson Robotics, é o primeiro eletrônico a “conquistar” tal direito. Na verdade, é o primeiro eletrônico a conquistar qualquer direito, digamos, exclusivo de humanos.

Isso significa que, caso quisesse (ou tivesse capacidade para tal), a pequena Sophia poderia alugar um apartamento nos arredores de Meca, comprar livremente suas tâmaras e o que mais a legislação para humanos lhe permitisse – o que no caso da Arábia Saudita não quer dizer tanta coisa.

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Máquinas com inteligência deverão ter direitos e deveres?

Mas Sophia provavelmente não fará nada disso. A máquina, que foi finalizada em 2015, após anos de desenvolvimento, está longe de ser uma inteligência artificial – um equipamento pensante de fato. Embora tenha recursos de alta tecnologia, como reconhecimento facial, microexpressões e capacidade de conversar, o humanoide não é muito mais avançado do que o smartphone que pesa em seu bolso neste momento. Sem a intervenção de seus desenvolvedores, Sophia provavelmente não requisitasse qualquer cidadania; e nenhum outro direito. Mas, ainda que os sauditas estejam praticando um dos esportes preferidos no abonado Oriente Médio – o marketing –, a iniciativa reverbera uma discussão interessante e que tende a se tornar recorrente: se as máquinas alcançarem uma inteligência artificial, elas deverão ter direitos e deveres? Poderão se casar, ser presas, receber herança?

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Para o advogado paranaense especialista em direito e tecnologia Fernando Peres, a questão não é “se”, mas “quando”. Ele se junta ao coro de nomes como o do físico Stephen Hawking, o do empresário-investidor Elon Musk e do futurista Ray Kurzweil, que acreditam que as máquinas terão consciência semelhante a dos humanos. E em pouquíssimo tempo.

O respeitado cientista norte-americano Seth Shostak, também desse time, diz que em 20 anos a inteligência artificial será superior à humana. Preocupante, já que Sophia é bonitinha, mas ordinária: já afirmou em entrevistas que destruiria a humanidade, se precisasse. Portanto, a hora de debater a que regras esses robôs estarão submetidos, é agora.

Debate sobre direitos e deveres de máquinas está avançado no exterior

Lá fora, o debate já avança. Em junho de 2016, bem antes de Sophia receber sua cartinha de bem-vinda a Arábia Saudita, o Parlamento Europeu começou a redigir uma moção pedindo uma legislação para robôs e máquinas futuristas. Os deputados recomendam uma série de regras na Europa para que esses equipamentos não fujam de controle. Parte da discussão é mais fácil: se um carro autônomo fere um humano, provavelmente a culpa recai sobre seu desenvolvedor pela falha de código – “como se um carro normal apresentasse uma falha mecânica”, compara Peres. Porém, quando o assunto são máquinas que ainda não existem, a coisa complica. E se um robô autoconsciente decide matar um humano por conta própria? De quem é a culpa? 

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Para o Parlamento Europeu – cuja recomendação foi aprovada no começo do ano, mas não tem força de lei –, uma solução seria criar a figura de “pessoa eletrônica” (nem física, nem jurídica). A pessoa eletrônica estaria sujeita a um código de responsabilidade civil próprio. Mas como isso poderia ser feito ainda é tão nebuloso quanto o funcionamento destas máquinas. Os eurodeputados sugerem ainda um conselho técnico para discutir, regulamentar e ajustar tal lei e as arestas éticas no desenvolvimento da tecnologia. É um assunto urgente, na medida em que a robótica avança e se populariza – a Federação Internacional de Robótica tem registrado aumento na casa dos 20% na venda destes equipamentos a cada ano.

Leis vão conseguir acompanhar a evolução tecnológica?

Se os humanos serão mais rápidos do que as máquinas, é uma incógnita. Para Peres, não. “É de praxe o direito não acompanhar as evoluções tecnológicas. A gente vê isso na prática. Estamos ainda falando de crimes, de hackers. São questões básicas. Principalmente no Brasil. A gente não vai acompanhar isso. Vai chegar o momento e não vamos estar preparados”.

Provavelmente Sophia não estará no centro de nenhum destes debates. Também é provável que não irá usufruir de sua cidadania e pedir cidadania em um país mais democrático, como Estados Unidos, onde poderia participar ativamente de decisões da comunidade, como levantou John Frank Weaver, um advogado especialista em legislação para IA, à revista Slate.

Por enquanto, a Arábia Saudita concedeu cidadania ao humanoide por razões bem diferentes do que debater. Há alguns anos o país vem injetando o abundante, mas limitado, dinheiro do petróleo em tecnologia. E parece fazer questão de que o mundo saiba disso. A discussão sobre direitos robóticos, defende a pesquisadora de ética em IA Joanna Bryson, deve seguir. Mas, para ela, a estratégia saudita, por hora, “é obviamente uma grande baboseira”.