Um velho chavão usado para se referir à convergência dos smartphones é o de que só falta eles passarem café. Se depender de Clemente Biondo, empreendedor radicado em Nola, Itália, em breve não faltará mais nada. Ele idealizou e lançou o projeto de uma capinha de celular que prepara café. A Mokase promete espressos instantâneos, em qualquer lugar e sempre quentinho, mas há algumas incongruências nessa promessa.
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De acordo com o material de divulgação, a capinha Mokase consiste em um mecanismo com um espaço para receber pastilhas especiais com a mistura que vira café. Através de um comando no app da Mokase, a capinha entra em ação e, graças a uma bateria própria de íons de lítio com 35x60x5 mm, aquece os ingredientes a temperaturas de até 50º C e prepara 25 ml de café espresso em menos de 10 segundos.
O café é despejado por um pequeno cano feito de uma liga especial de alumínio e silicone capaz de resistir a altas temperaturas sem liberar substâncias tóxicas no líquido. O vídeo abaixo demonstra o processo de criação da capinha:
Dificuldades à vista
Em entrevista por e-mail à Gazeta do Povo, Biondo, que em seu perfil se diz alguém “capaz de dar respostas simples a problemas extremamente difíceis,” disse que eles são “os primeiros a criar uma capinha com essa capacidade.” É pouco provável que alguém duvidasse disso. Ele tem, inclusive, uma suposta patente internacional da ideia, exposta em papel (virtual) timbrado no site do produto.
Do jeito que foi apresentada e mesmo conceitualmente, a Mokase tem alguns problemas difíceis de serem ignorados. O primeiro é a quantidade de café que cada pastilha produz: apenas 25 ml. A título comparativo, aqueles copinhos descartáveis de café que encontramos em escritórios, consultórios e repartições públicas tem capacidade para o dobro (50 ml).
Outro, é a própria capinha. Ela terá versões para modelos do iPhone, Galaxy S6, S7 e S8, LG G5 e alguns celulares da chinesa Huawei. De acordo com a página do projeto, um iPhone 7 fica com 14,2 mm de espessura, o dobro da espessura do celular sem qualquer capinha.
E, convenhamos: encontrar um café não é a coisa mais difícil do mundo nem uma urgência tão grande que não permita esperar o trajeto até uma cafeteria ou a água ferver em casa.
O tempo dirá se a demanda existe, mas o vídeo promocional, mostrando um casal apressado consumindo seu café feito pela Mokase no ponto de ônibus, não ajuda muito na defesa da viabilidade comercial do produto:
Desconfianças
O projeto da Mokase foi lançado no Kickstarter, plataforma de financiamento coletivo que, no passado, já destacou ideias boas demais para serem verdade e que, mesmo atingindo o mínimo para serem realizadas, jamais saíram do papel.
Em novembro de 2014, por exemplo, o Zano, um drone autônomo minúsculo para tirar fotos do dono, arrecadou mais de € 2,3 milhões em uma das campanhas mais bem sucedidas da história da plataforma. Um ano depois, os idealizadores anunciaram que o projeto era inviável e que os financiadores não receberiam o produto. A história virou case e uma longa reportagem, bancada pelo Kickstarter, foi escrita e publicada.
Projetos divulgados no Kickstarter não são produtos viáveis. A lógica ali não é a mesma do comércio; o financiador paga para ver, quase que literalmente. Casos como o do Zano não são raros.
Sabendo desse histórico, recebemos a notícia da Mokase com alguma desconfiança. Entramos em contato com Biondo para saber se o projeto era legítimo e quais os planos. Ele garantiu que, sim, a Mokase é para valer. Ainda assim, alguns detalhes, como prometer uma versão para tablets (?), nos manteve alertas.
Na manhã de hoje (9), a campanha da Mokase estava suspensa no Kickstarter. Ela já havia arrecadado € 4229 de 90 interessados. Na seção de perguntas dos financiadores, uma delas questionava a suspensão. Biondo, porém, explicou tudo: “dado o retorno positivo que tivemos nos últimos dias, decidimos suspender a campanha de financiamento no Kickstarter e iniciar a produção. Em poucas semanas, será possível comprar [a Mokase] diretamente em nosso site.”
Isso é ainda mais estranho. Com algumas exceções, empreendedores recorrem ao Kickstarter quando não têm o capital para financiar suas ideias. Se a Mokase podia se bancar de cara, por que recorrer ao financiamento coletivo?
Outro ponto nebuloso é o amplo suporte a vários modelos de celulares, até alguns pouco populares como o G5 da LG. Cada modelo exige uma capinha própria. Projetos do tipo costumam focar em um ou dois dos mais populares a fim de manter os custos de desenvolvimento baixos e obter o maior retorno sobre o investimento.
Gazeta do Povo entrou em contato com o Kickstarter, que desmentiu a história de Biondo. Segundo a plataforma, “nosso Time de Integridade determinou que este projeto não está em conformidade com nossas regras que exigem protótipos funcionais de produtos de hardware. Se o criador desenvolver um protótipo que atenda aos nossos requisitos, eles serão bem-vindos novamente no Kickstarter.”
Brincadeira ou não, e tudo indica que é uma bela piada, pelo menos ninguém terá que por a mão no bolso para conferir. Se Biondo estiver dizendo a verdade, em algumas semanas a Mokase estará disponível para compra. Se vale o preço (€ 49 por capinha, fora as pastilhas)? Vamos debater esse ponto tomando um café, desses tradicionais mesmo, sem smartphones envolvidos.