| Foto: Doug Chayka/NYT

Em 2017, as grandes companhias americanas de tecnologia continuaram a captar mais dinheiro e mais usuários e, em um nível que pode parecem uma distopia, continuaram a expandir seu espaço em nossas vidas. Este foi o ano em que a Amazon criou uma maneira de fazer com que os entregadores entrassem em sua casa, e a Apple lançou um telefone que você pode desbloquear com seu rosto.

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No entanto, por baixo desse sucesso aparente, houve uma mudança importante em como os negócios da tecnologia lidam com o mundo. Daqui a cinco ou dez anos, vamos olhar para o ano passado como um momento de virada.

Por quê? Porque em 2017, pela primeira vez, os gigantes da tecnologia começaram, a contragosto, a aceitar que podem ter alguma responsabilidade no mundo off-line. O escopo dessa responsabilidade, no entanto, é totalmente outra questão.

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Apesar de gigantes, empresas negam como afetavam o mundo real

Mas, primeiro, é preciso explicar como isso está acontecendo. “Plataformas” são os modelos mais brilhantes do negócio da tecnologia. A razão por que as cinco empresas de tecnologia mais valiosas dos Estados Unidos – Amazon, Apple, Facebook, Alphabet e Microsoft – também são as cinco companhias mais valiosas de qualquer tipo é que são donas desses tijolos fundamentais da economia digital, seja operando sistemas, lojas de aplicativos, redes sociais, servidores de nuvens ou infraestrutura de logística e transporte.

Pense nessas plataformas como estradas, ferrovias e hidrovias para a economia de informação – uma parte essencialmente inescapável da vida para qualquer negócio ou pessoa que não vive em uma cabine isolada na floresta.

Por anos, apesar de seu poder crescente, as plataformas de tecnologia raramente passaram por muito escrutínio e frequentemente tinham dificuldade de aceitar o quanto seus sistemas afetavam o mundo real. Na verdade, o etos on-line foi de que as plataformas não são realmente responsáveis por como as pessoas as usam.

Em 2017, elas começaram a aceitar parte de suas responsabilidade com o mundo

Em 2017, isso mudou. Primeiro, com relutância, e depois com entusiasmo aparente, as empresas de plataformas como o Facebook começaram a aceitar parte da responsabilidade sobre como estão afetando o mundo real. Elas não foram tão longe quanto alguns críticos gostariam, mas, de várias maneiras significativas, ofereceram uma mudança de tom e de táticas que sugerem que estão repensando suas posições.

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É possível argumentar que elas não tiveram opção. No ano passado, redes sociais e mecanismos de busca foram acusados de minar os meios de comunicação, incentivar câmaras de eco e disseminar informações falsas, ódio, misoginia e outros dissabores sociais generalizados. Também houve, claro, a saga, que continua a se desenrolar, do papel das empresas nos esforços de propaganda da Rússia, que acabaram fazendo com que tivessem de se explicar para os legisladores.

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E ainda existiram questões maiores sobre quem faz as plataformas e quem se beneficia delas. A indústria de tecnologia é esmagadoramente gerenciada por homens, e é um lugar de pouca diversidade racial e de classe. Publicada em um blog, uma postagem de denúncia escrita por Susan Fowler, engenheira que detalhou a cultura do assédio e da misoginia na empresa de caronas pagas Uber, provocou um movimento de mulheres na tecnologia que foi depois resumido na hashtag global #MeToo.

Nova missão das gigantes da tecnologia

Vários titãs da tecnologia obviamente não estavam preparados para as questões sérias que começaram a surgir na sua frente um ano atrás. Quando perguntaram ao executivo-chefe do Facebook, Mak Zuckerberg, qual o papel de seu site na eleição de 2016, apenas dias depois da vitória de Donald Trump, ele respondeu com uma linha tirada de um velho manual de tecnologia: É uma “ideia muito louca”, afirmou, que a desinformação no Facebook tenha “influenciado a eleição em qualquer sentido”.

Agora esse tom se foi. Zuckerberg pediu desculpas por ter falado demais. E durante o último relatório de lucros do Facebook aos investidores, ele colocou a missão social da empresa no topo de sua agenda. “Proteger nossa comunidade é mais importante do que maximizar nossos lucros”, garantiu.

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Vários outros executivos de tecnologia expressaram comprometimentos parecidos com uma missão mais sólida. Tim Cook, executivo-chefe da Apple, contou ao meu colega Andrew Ross Sorkin que a empresa tinha a “responsabilidade moral” de tentar curar as fissuras sociais e econômicas da nação.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

Claro que tudo isso pode ser marketing. Mas estou inclinado a acreditar, por algumas razões, que a mudança representa uma nova maneira de navegar pelo mundo.

Primeiro, os funcionários estão exigindo que isso aconteça. Os trabalhadores muito bem pagos do Vale do Silício foram atraídos com a promessa de mudar o mundo e, no ano passado, vários ficaram desmoralizados com o impacto aparente de suas empresas. Em alguns casos, eles estão pressionando seus chefes para mudar.

Em segundo lugar, pela primeira vez em anos, há uma pressão real dos legisladores. Isso teve como resultado alguns recuos no mundo real. Por exemplo, em novembro, gigantes da tecnologia pararam de lutar contra uma lei no Congresso que permitiria que as vítimas de tráfico sexual processassem os sites que apoiavam comércio sexual. Em outro momento, isso teria sido um problema para as empresas de tecnologia – elas não são responsáveis por como as pessoas usam seus serviços, lembra?

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Futuro ainda é uma grande dúvida

Ninguém sabe realmente, no entanto, o que “responsabilidade” significa. Se a grande mudança de 2017 foi que as companhias de tecnologia agora aceitam uma parte da responsabilidade sobre como suas plataformas impactam o mundo, o grande mistério de 2018 e além é com o que, exatamente, essa responsabilidade vai se parecer.

Zuckerberg disse que aceita arriscar o lucro da empresa para melhorar sua comunidade. O Facebook vem testando novas ideias para mudar a maneira como mostra as notícias de modo que cause menos discórdia e seja menos propenso a desinformação e para promover o que a empresa chama de conexões sociais “significativas”. O Facebook também está testando sistemas que, segundo a empresa, poderiam policiar de modo mais rigoroso a propaganda, na esperança de prevenir que agentes estrangeiros usem a rede de anúncios para influenciar uma eleição.

E se, no entanto, esses esforços iniciais não atenuarem os problemas? E se o Facebook descobrir que oferecer às pessoas uma sequência de notícias menos polarizada vai reduzir dramaticamente o engajamento com a rede social, afetando seus resultados? E se as mudanças afetarem de modo desproporcional uma ideologia política e não outra – o Facebook manteria um tipo de ação responsável que arriscaria colocar em questão sua imparcialidade?

Não tenho a intenção de oferecer uma montanha de hipóteses apenas por diversão. Meu ponto é que essas questões provavelmente seriam muito difíceis de resolver.

“Do mesmo modo como a indústria de comida processada fez nos anos 1950, o Facebook e o Google atraíram os usuários com sua conveniência, enquanto os alimentavam com uma dieta que com certeza causa danos duradouros. O problema não pode ser resolvido por contrato; só pode ser corrigido mudando os algoritmos de um modo que potencialmente reduziria sua rentabilidade de maneira significativa”, diz Roger McNamee, músico e capitalista de risco.

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Responsabilidades podem ser conflitantes com interesses comerciais

Vamos considerar a questão da diversidade. Perguntei a Ellen Pao – ex-executiva-chefe do Reddit que processou sem sucesso a firma de capital de risco Kleiner Perkins Caufield & Byers por discriminação de gênero – o que ela acha dos esforços da indústria para resolver o problema este ano.

“Eu daria para a tecnologia uma nota C menos. Os líderes vêm fazendo o mínimo para lidar com os problemas e estão longe de fazer tudo o que é necessário para resolvê-los”, escreveu Pao, que hoje é a principal responsável pela diversidade e inclusão no Centro Kapor de Impacto Social, em um e-mail.

Ela esperava um esforço muito mais vigoroso que inaugurasse uma revisão completa da cultura das empresas de tecnologia e que responsabilizasse seus líderes. “Isso significa mandar embora todas as pessoas envolvidas nas falhas, de CEOs a chefes de RH a membros de conselhos em alguns casos”, escreveu ela.

Os comentários de Pao e de McNamee reforçam o verdadeiro dilema da indústria. Quando você aceita que está precisando resolver problemas causados pela coisa que construiu, as pessoas começam a esperar que você realmente irá resolvê-los – mesmo que as soluções sejam caras ou de alguma forma conflitantes com seus interesses comerciais.

Então, claro, 2017 foi um ano terrível para a indústria de tecnologia. Se o problema não for realmente resolvido, porém, 2018 poderá ser ainda pior.

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