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| Foto: Embraer /Divulgação

Em negociação com a Boeing desde o fim do ano passado, a Embraer tem mais a ganhar do que a perder em uma combinação de negócios com a fabricante americana. A companhia brasileira precisa fazer frente à entrada da Airbus no segmento de aviação regional e uma aliança com a maior fabricante de aviões do mundo trará força para enfrentar a nova concorrente, além de acesso a novos clientes, poder de barganha para negociar projetos militares com governos e acesso à tecnologia de ponta. Claro que há riscos, mas um acordo bem costurado – e o governo brasileiro tem poder para exigir isso – pode garantir a manutenção da marca, da estrutura, das exportações, do emprego e da formação de mão de obra no Brasil. O que não pode é a Embraer ficar sozinha em um setor cada vez mais concentrado na mão de gigantes.

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A Embraer e a Boeing confirmaram em dezembro do ano passado que estão conversando sobre uma possível “combinação de negócios”. O anúncio foi feito dois meses depois de a europeia Airbus comprar uma participação majoritária na linha de jatos regionais C-Series da canadense Bombardier. A linha é a principal concorrente da Embraer na categoria aeronaves de um corredor de até 150 assentos. A brasileira é líder na fabricação de jatos comerciais de até 150 assentos, com 28% de market share (participação de mercado), contra 25% da Bombardier. Quando o recorte é de jatos de 70 a 130 assentos, a Embraer tem larga vantagem: 68% de participação de mercado.

Com a entrada da Airbus no segmento de aviação regional, tanto a Boeing – que foca em aviões maiores – quanto a Embraer precisaram reagir ao anúncio. Ainda não se sabe qual será o modelo adotado pelas duas companhias em uma combinação de seus negócios, mas há algumas possibilidades na mesa.

A mais distante é a compra da Embraer pela Boeing. Apesar de ser o interesse da americana, o governo brasileiro já confirmou que não vai ceder o controle da brasileira (a União tem uma ação especial, chamada “golden share”, que lhe dá poder para isso). Outra possibilidade pensada, mas difícil de ser concretizada, é o fatiamento da empresa, com a Boeing comprando apenas a parte de jatos comerciais. Governo também se posicionou contra.

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Então, os modelos que restam envolvem a criação de uma joint-venture (terceira empresa, em que elas são acionistas) para fabricação de jatos regionais, formação de uma joint business agreement, no qual as empresas dividem custos e receitas em determinados negócios, transformação da Embraer em uma holding sem o controle ou associação das duas fabricantes, com a manutenção da “golden share” do governo.

Vantagens de parceria com a Boeing

Independente do modelo a ser escolhido, a Embraer tem mais a ganhar do que a perder em uma combinação de negócios com a Boeing. A maior vantagem, apontam especialistas em aviação consultados pela Gazeta do Povo, é ter força para competir com a entrada da Airbus na linha de jatos regionais e também com os novos concorrentes regionais que surgem, como a japonesa Mitsubishi, a russa Sukhoi e a fabricante estatal chinesa Comac.

“Se a Embraer não se emparceirar com alguém grande, ela vai ver seus principais mercados sendo, aos poucos, ocupados por empresas locais ou gigantescas. Nesse cenário, ela não vai mais ter o mesmo espaço de oportunidade que ela desfrutou até hoje. O grande mérito da Embraer foi ter identificado um nicho de mercado que ninguém estava atuando. Mas você não faz isso para sempre. Em algum momento, outros concorrentes vão se dar conta que é um bom nicho, que dá noção de família de produtos e vão entrar nesse mercado”, diz Francisco Lyra, presidente do Instituto Brasileiro de Aviação (IBA) e sócio da consultoria Cfly Aviation.

Lyra completa que até mesmo a Boeing, se não conseguir avançar em um acordo com a Embraer, pode fazer parceria com outra empresa ou começar a fabricar seus próprios jatos regionais. “O que impede a Boeing de lançar um produto similar? Eles têm a capacidade de engenharia e a capacidade tecnológica e produtiva. Nada impede que a Boeing lance uma linha de produtos em cima da Embraer.”

O engenheiro aeronáutico e presidente da Vinci Aeronáutica, Shailon Ian, acrescenta que, além da musculatura para competir em jatos regionais, a Embraer em um acordo com a Boeing ganha acesso à capital, acesso à pesquisa de ponta, novas tecnologia, acesso ao mercado da Boeing, fôlego para negociar contratos de aviões militares com governos e, até quem sabe, passar a oferecer em parceria com a americana uma linha completa de jatos, dos menores até os de 500 assentos, o que seria uma novidade para a brasileira.

Embraer perderia espaço se ficasse sozinha no mercado

Os dois especialistas são unânimes em apontar que, sozinha, a Embraer teria dificuldades para se manter no mercado, diante desse novo arranjo na aviação mundial, com entrada de novos players e alianças transacionais. “Eu não vejo no longo prazo como a Embraer pode se manter em um mercado que tem como concorrentes diretos a Boeing e a Airbus. O próprio cuidado da Embraer de não competir no mercado delas [Boeing e Airbus] mostra que ela também pensa assim. Só que agora as gigantes passaram a olhar para o mercado da Embraer”, explica Ian.

Lyra acrescenta que, como a compra de aviões normalmente envolve também questões geopolíticas, a Embraer vai sofrer na medida em que os produtos das concorrentes russa, japonesa e chinesa vieram a amadurecer e os governos locais incentivarem a compra de jatos produzidos em seus países. Há, ainda, a Airbus, que deve começar a negociar contratos para vender junto com suas aeronaves grandes a família recém-adquirida de jatos regionais.

“Essa parceria é quase de sobrevivência e de crescimento. O crescimento futuro da Embraer depende disso [aliança com a Boeing]. Na medida em que esse mercado de aviação regional, que ela é um dos principais atores, for objeto da disputa de gigantes, se a Embraer não for uma gigante também através de uma associação ela vai perder espaço”, diz Lyra.

Compensações

Apesar das vantagens e da inerente necessidade de reagir à aliança Airbus-Bombardier, há alguns riscos para a Embraer em se associar ou ser vendida à Boeing, mas esses empecilhos podem ser superados durante a negociação. Os riscos vão desde a perda de autonomia até mesmo uma retirada das suas operações do Brasil. Só que o governo brasileiro pode exigir contrapartidas para garantir que as perdas sejam mínimas ou inexistentes. Especialistas em aviação consultados pelas Gazeta do Povo citam como possibilidades de contrapartidas a manutenção da marca, da estrutura, das exportações, do emprego e da formação de mão de obra no Brasil. O governo brasileiro pode fazer essas exigências, pois tem uma ação especial que lhe dá direito a voz final sobre um acordo com a Boeing. Shailon Ian, presidente da Vinci Aeronáutica, acredita que até mesmo para a Boeing seria interessante concordar com essas exigências, pois a Embraer tem um time de engenheiros jovens e está sediada em um polo aeronáutico com boa formação de profissionais na área. Além disso, a mão de obra é mais barata por aqui.

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