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Site telefone.ninja divulga dados pessoais como endereço e telefones |
Site telefone.ninja divulga dados pessoais como endereço e telefones| Foto:

Um novo site tem tirado o sossego de muita gente por expor dados pessoais publicamente, sem qualquer filtro ou autorização das pessoas listadas. Com uma simples busca no telefone.ninja, é possível saber nome, endereços e até o número do telefone celular de qualquer pessoa. 

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A interface é simples e o uso, idem. Basta digitar, no campo de busca, o nome da pessoa que se deseja saber os detalhes. Os resultados nem sempre são confiáveis – alguns exibem vários endereços e números de telefone, parte deles incorreta ou desatualizada – e há pessoas que não constam no banco de dados, mas, com boa frequência, o site encontra os nomes pesquisados e acerta nas informações que fornece. 

De acordo com os termos de uso do telefone.ninja, esses dados seriam oriundos de bancos de dados das operadoras de telefonia, mas há sérias dúvidas a respeito da procedência deles.

Aos usuários que se sentirem incomodados, o telefone.ninja promete a exclusão dos dados bastando, para tanto, solicitá-la clicando em um link no rodapé das páginas de resultados. Ela dispensa qualquer confirmação da identidade, ou seja, alguém pode fazê-la em nome de um terceiro sem que esse sequer saiba que seus dados estavam no site

Especialistas consultados pela Gazeta do Povo desaconselham realizar essa solicitação porque ela pode servir de confirmação dos dados e identidades, além de ajudar os donos do site a lucrarem com a veiculação de anúncios publicitários.

Legalidade

O telefone.ninja alega operar dentro da lei. O site cita o artigo 213 da Lei 9.472/97, que diz que é “livre a qualquer interessado a divulgação, por qualquer meio, de listas de assinantes do serviço telefônico fixo comutado destinado ao uso do público em geral”, e a Resolução 345, da Anatel, que regulamenta esse tipo de divulgação de lista de assinantes.

O  problema é que essa legislação só diz respeito à telefonia fixa. No telefone.ninja, aparecem números de linhas móveis. Até onde se sabe, jamais existiu lista de assinantes da telefonia móvel.

Sobre o telefone.ninja

Em paralelo ao formulário de remoção, o telefone.ninja orienta que a “remoção definitiva” só é possível entrando em contato com as operadoras de telefonia. Nota-se no mecanismo certo descaso e imprecisão: um dos números indicados é o da GVT, operadora adquirida pela Telefônica em 2015 e que teve a marca aposentada em prol da Vivo.

Rodrigo Xavier Leonardo, advogado especializado em Direito civil, disse que é difícil determinar a legalidade do site pela falta de informações a respeito dele. Apesar disso, ele disse que vários indícios na sua apresentação são preocupantes, como a falta de meios para entrar em contato com os responsáveis, a dificuldade em se verificar a propriedade do site e a natureza dos dados exibidos.

Segundo Leonardo, se “o site coleta informações que foram tornadas públicas pelas próprias pessoas, não vejo nenhum ilícito praticado. Porém, se o site usa informações que não foram tornadas públicas, há dois ilícitos: um de quem divulgou essas informações e outro do site por amplificar as informações nesses moldes.”

Site é hospedado na Hungria

O jornal carioca O Dia publicou, ontem (6), matéria informando que a Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática emitiu alerta dizendo que o site telefone.ninja estaria espalhando vírus e roubando dados de quem o acessa.

Segundo Fabio Assolini, pesquisador da empresa de segurança digital Kaspersky, o alerta não procede. Na análise feita por ele e sua equipe, não foram encontradas ameaças digitais do tipo.

Assolini disse à reportagem da Gazeta do Povo que conduziu algumas investigações relacionadas à parte técnica do telefone.ninja. O site, explicou, está hospedado em Budapeste, capital da Hungria. No mesmo servidor estão outros dez sites similares, que permitem a realização de pesquisas por CNPJ e registros de inscrição estadual.

Na página de contato do telefone.ninja, o único meio oferecido é um e-mail, o support@topbusinessdata.com. O site desse domínio, topbusinessdata.com, também está localizado em Budapeste, porém em um servidor diferente do do telefone.ninja.

Ainda segundo o pesquisador da Kaspersky, nesse segundo servidor aparece outra dezena de sites do tipo, mas direcionados também a outros países além do Brasil – Canadá, Reino Unido e Austrália.

Assolini suspeita se tratar de operação seja internacional que conta com o auxílio de brasileiros para os sites direcionados ao público daqui.

As informações do domínio telefone.ninja (acima) indicam que ele foi criado no dia 11 de maio de 2017 e tem como proprietário uma pessoa chamada Ricardo Torres, da empresa Bytecode Tech Inc, de São Paulo, cujo e-mail é cnpjbrasilcontato@gmail.com. O telefone indicado não funciona e Ricardo, ironicamente, não está listado no índice do telefone.ninja.

Para Assolini, o caso evidencia a precariedade com que os dados dos cidadãos são tratados por governos e empresas: “Eles [telefone.ninja] não distribuem vírus, mas distribuem dados pessoais. Entramos em outra discussão, outro tema, que é a proteção desses dados. O site mostra que eles estão expostos e que governos e empresas não cuidam dos nossos dados, o que facilita a existência de sites como esse.”

Existe um anteprojeto de lei de proteção a dados pessoais em debate no Congresso.

Origem dos dados

Pesquisadores e advogados consultados pela reportagem foram unânimes ao afirmarem que é difícil determinar a origem desses dados. Embora a legislação citada pelo telefone.ninja de fato garanta a publicidade de listas de assinantes, ela não cobre a telefonia móvel, apenas a fixa. E, pela extensão e imprecisão das informações, suspeita-se que eles tenham outra origem, oculta e potencialmente ilegal.

Uma hipótese levantada por Fabio Assolini, da Kaspersky, é a de que as informações sejam de vazamentos de dados do governo brasileiro e de empresas privadas. Ele cita como exemplos um grande, ocorrido no banco de dados do Ministério do Trabalho em 2011, e outro mais recente, de março deste ano, do Ministério da Saúde.

Vazamentos em empresas privadas também podem ter contribuído. No início do ano, a XP Investimentos revelou que dados de quase 30 mil clientes vazaram entre 2013 e 2014. Em 2016, o site ingresso.com, que vende ingressos para cinemas e shows, também teve o seu banco de usuários acessado indevidamente. No exterior, o Yahoo sofreu o maior vazamento da história – dados de mais de meio bilhão de usuários vazaram.

No caso das empresas privadas, a situação é ainda mais delicada porque não há legislação que as obrigue a revelar ocorrências em que dados dos clientes vazem.

O fato de que há muitos dados incorretos ou ausentes, além de muita gente que não aparece listada no telefone.ninja, reforça a tese de que as informações vieram de fontes precárias e extra-oficiais.

Precedente e modelos de negócio

Não é a primeira vez que um site nesse formato aparece e causa revolta no Brasil. Em 2015, o Tudo Sobre Todos apareceu com a mesma proposta, gratuitamente, e, em seguida, passou a cobrar pelas informações cedidas. 

Na época, o Ministério Público Federal chegou a abrir uma investigação contra o site, mas não foi suficiente para tirá-lo do ar. Ele segue em operação até hoje, cobrando pelas “pesquisas” de pessoas físicas. No rodapé do site, o Tudo Sobre Todos traz o link para um “Dossiê Lava Jato” com dados pessoais de André Luiz Vargas Ilário, Gim Argello e Eduardo Cunha, três políticos condenados na Operação Lava Jato.

Outros sites famosos por divulgarem dados pessoais foram o Nomes Brasil, que saiu do ar após o recebimento de uma notificação judicial, e o Fonedados, que entrou no radar da imprensa em 2014.

O telefone.ninja tem um limite baixo de consultas. Após estourá-lo, não é oferecida ao usuário qualquer maneira de se obter mais consultas, o que seria, num esquema tradicional, o momento ideal para se cobrar pela continuidade do uso do serviço.

Em vez disso, o site exibe a seguinte mensagem:

“Limite de consultas atingido. Você atingiu o limite de consultas gratuitas de números de telefone. Por favor, aguarde alguns dias para ter seu acesso liberado novamente. Agradecemos a compreensão.”

Nas páginas de resultados, porém, o site veicula anúncios que, exibidos ou clicados, rendem dinheiro ao dono. Por isso o interesse e a eficiência em remover os nomes do índice: as pessoas repassam o endereço a seus contatos alertando para que removam seus nomes, o que gera mais visualizações das páginas do site e, consequentemente, dos anúncios, fazendo com que eles rendam mais dinheiro.

Além disso, nada, nem mesmo o próprio telefone.ninja, garante que a remoção é definitiva. Em outra parte do site, lê-se que “O telefone.ninja é periodicamente atualizado em função dos cadastros das operadoras, por isso seus dados podem eventualmente voltar a ser incluídos em nossa base. Caso isso ocorra, uma nova solicitação de exclusão de seus dados do telefone.ninja deverá ser encaminhada.”

Como lidar

A solicitação de remoção do telefone.ninja funciona e é rápida. Em testes feitos na redação, um nome sumiu do site menos de 24 após a solicitação ter sido feita. Assolini alerta, porém, que ela pode ter um efeito contrário a longo prazo, que seria sinalizar aos donos do site que os perfis removidos são de pessoas reais e ativas e os dados, corretos.

É a mesma tática usada por spammers: ao clicar no botão de descadastramento do e-mail, o receptor confirma ao remetente do spam que seu e-mail existe e está sendo usado.

O advogado Leonardo Serra de Almeida Pacheco, especialista em Direito digital, reforça o alerta:  “Além da divulgação indevida de dados pessoais, eles [telefone.ninja] solicitam mais dados para efetuar a remoção. Isso faz com que você confirme sua existência e seus dados novos. E aí... você pode receber muito spam e telemarketing.”

Rodrigo Xavier Leonardo recomenda enviar um e-mail pedindo a imediata exclusão dos dados. Assim, tem-se um registro do pedido.

Gazeta do Povo entrou em contato com a Anatel a fim de entender se há alguma previsão legal para o modo como o telefone.ninja funciona e como o usuário que se sentir exposto deve proceder. Até o fechamento desta reportagem, a agência não havia retornado o contato.

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