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Bing Xing olha de sua jaula ao chegar no aeroporto de Barajas, em Madri | Reuters
Bing Xing olha de sua jaula ao chegar no aeroporto de Barajas, em Madri| Foto: Reuters

Mountain View, Califórnia, EUA – Com certeza esta foi uma das entrevistas de trabalho mais simples que o Google já fez. A gigante do Vale do Silício, famosa por processos de contratação desgastantes e com altos padrões de excelência, recebeu um curto e-mail com uma pergunta direta. "Vocês precisam de ajuda?", dizia. E a resposta, em uma palavra – "sim" –, foi o suficiente para assegurar um emprego na companhia.

A contratação foi peculiar em diversos aspectos, é claro: o homem dizendo "sim" era o executivo-chefe do Google, Eric Schmidt – e o homem fazendo a pergunta era Vint Cerf, o pesquisador que é considerado um dos pais fundadores da internet.

Dois anos depois de ter mandado a mensagem, Cerf está trabalhando como "evangelista-chefe" do Google e é um dos vice-presidentes da empresa. Impecavelmente arrumado, vestindo um perfeito terno de três peças e com barba grisalha muito bem aparada, ele personifica o extremo oposto do estilo casual dos empregados do Google. Porém, diz ele, este papel na companhia lhe cabe mais do que parece.

"Eles me disseram: ‘continue fazendo o que você já fazia’, que é tentar fazer com que a internet alcance todos os lugares", explica. "Eu achei isso muito legal, porque eu realmente quero mais internet no planeta – eu honestamente quero todas as 6,5 bilhões de pessoas com acesso à rede simplesmente porque isto seria bom. Penso que muitas dessas pessoas contribuiriam com idéias que beneficiariam todos nós".

Hoje, aos 64 anos de idade, Cerf iniciou sua carreira na internet décadas antes de muitos dos seus usuários terem nascido. Como pesquisador na UCLA-Stanford e com o exército norte-americano, ele ajudou a definir um novo sistema de comunicação que finalmente se tornou a rede mundial de computadores que conhecemos hoje. Mas ele ainda se diz surpreso com o que a internet se tornou. "Estou impressionado com o número de dispositivos que existem por aí", diz. "Eu nunca imaginaria, em 1973, que alguém construiria uma geladeira conectada à internet."

Ele, portanto, pode trabalhar como (em suas próprias palavras) uma "abelha intelectual", espalhando o pólen da pesquisa no Google. Seu interesse recente é a rede de telefonia móvel. Os avanços dos celulares o fascinam, e ele é um dos vários sábios prevendo que em breve o telefone será o principal meio de utilização da internet.

"A internet no celular é realmente impressionante. Primeiro, ela instantaneamente eleva ao quadrado o potencial do usuário. Segundo, ela nos obriga a repensar como nós apresentamos nossos aplicativos. A funcionalidade extra de um telefone celular traz possibilidades que nem um laptop possui."

Existe muita especulação acerca dos planos da Google de entrar no mercado de celulares, mas Cerf se nega a confirmar ou negar se existe realmente um telefone Google no horizonte. "Estou interessado nas pessoas pensando sobre o celular como um meio de controle para diversos outros dispositivos," diz ele. "Muito do foco até agora tem sido em como se acessa o Google em um dispositivo móvel".

Cerf, entretanto, sugere que haverá muitos problemas ao longo do caminho. Um deles é o lobby das provedoras de banda larga nos EUA, que oferecem tratamento especial para a transmissão da internet em troca de dinheiro. "Eu não estou confiante", diz ele com um ar de preocupação. Sua visão da internet é fundamentada na conservação da sua qualidade integralmente neutra e aberta – mas não é isto que todos têm em mente para o futuro. "Quando se tem encarregados que possuem imenso poder de mercado – ou ainda um potencial monopólio – a tentação de tomar o controle e inibir a capacidade da concorrência justa é devastadora. Por isto que eu sou da opinião de que a regulação é necessária."

Ele também anda preocupado com o fato de que é necessário haver coordenação entre os governos para a internet permanecer viável: "A internet tem uma variedade de problemas – proteção pública, aplicação da lei – e isto requer cooperação internacional." Grupos como a Interpol mostram o caminho a seguir, diz ele, mas admite que as coisas se complicam quando os governos tratam a internet como algo perigoso e que deve ser controlado.

A censura on-line é um tópico importante desde que a Organização Mundial dos Direitos Humanos anunciou que estava processando o Yahoo! em nome dos ativistas chineses pró-democracia que foram presos depois de a companhia ter entregue suas identidades ao governo. Como um defensor da liberdade na internet, Cerf se aflige ao pensar sobre a relação das empresas com as autoridades chinesas, particularmente sobre a decisão controversa do Google de abrir uma versão censurada de sua busca dentro da China.

"Nós discutimos isso por muito tempo antes de decidir o que seria do nosso interesse comercial, e das pessoas da China, para que houvesse alguma forma de serviços Google lá. Eu tenho esta esperança, talvez ingênua, de que o governo da China se conformará com a rede. Certamente há uma maior liberdade entre os civis. Quando vou a Pequim ou Xangai eu escuto conversas criticando o governo. Isto jamais aconteceria antes da internet."

Ainda se mantendo otimista, o grande senhor da internet reconhece que este pode ser um processo muito, muito lento. "É como o Grand Canyon – começou como um rio numa planície, mas foi cavando fundo até uma milha de profundidade."

De repente um sorriso irônico surge em seu rosto. "Este processo demorou apenas 235 milhões de anos... Eu realmente espero que o governo chinês não demore tanto".

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