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Duloren suspendeu veiculação da peça que fazia alusão a casos de pedofilia na Igreja Católica após receber críticas | Divulgação
Duloren suspendeu veiculação da peça que fazia alusão a casos de pedofilia na Igreja Católica após receber críticas| Foto: Divulgação
  • Brincadeiras com religiosidade, como no anúncio da Bom Bril, são mais bem aceitas

Diz a sabedoria popular que religião, futebol e política não se discutem em rodas de amigos. E, se os dogmas religiosos já são alvo de discussões acaloradas na mesa do bar, não é difícil imaginar o que acontece quando eles ganham as ruas, as tevês e os outdoors em peças publicitárias.

A polêmica mais recente teve origem em um anúncio da Duloren que fazia referência aos casos de pedofilia na Igreja Católica divulgados pela imprensa. Em frente à Praça de São Pedro, no Vaticano, o anúncio traz uma modelo de lingerie com um crucifixo apontado para um homem vestido de padre e a frase "Pedofilia, não". Naturalmente, a peça provocou muita gritaria entre católicos mais e menos fervorosos, que em sites e listas de discussões pediam que as pessoas escrevessem para a empresa reclamando da "blasfêmia". Fiéis que consideraram a campanha "preconceituosa, apelativa e de mau gosto" diziam ainda que não mais comprariam peças da marca.

Diante da reação negativa, a Duloren e a agência Agnelo Pacheco, que assina a criação da peça, divulgaram um comunicado explicando que não tinham como objetivo "ferir crenças religiosas ou fazer críticas a padres ou ao Vaticano" e que iriam suspender a veiculação nos pontos de venda e tirar o anúncio das mídias sociais. "Tanto a marca, quanto a agência, apoiam as instituições religiosas e estão engajadas na luta contra a pedofilia em qualquer instância da sociedade. O intuito deste anúncio é fazer um repúdio a todo e qualquer caso de abuso sexual contra crianças e adolescentes, uma vez que o assunto tem sido abordado com frequência em recentes reportagens publicadas pela imprensa mundial", dizia o comunicado.

A campanha não foi a única criada pela marca a criar discussões acaloradas, mas talvez tenha sido uma das mais ousadas. Não é preciso, no entanto, tocar em pontos tão sensíveis para a referência virar polêmica. Algumas semanas antes, a Hyundai havia sido alvo de críticas por causa de uma campanha que relacionava religião ao futebol em uma referência à igreja Maradoniana – seita criada pelos argentinos Hernan Armez e Hector Capomar, em 1998, e que cultua o jogador de futebol Diego Maradona.

No comercial, os "fiéis" jogam futebol dentro de um templo e "comungam" com pizzas. A maioria das pessoas, no entanto, imaginou uma referência à Igreja Católica. As críticas também fizeram a montadora tirar o comercial do ar.

Para o professor de Sociologia das Religiões Eduardo Oyakawa, da Escola Superior de Propa­ganda e Marketing (ESPM), a origem de tantas polêmicas pode estar no fato de a publicidade geralmente usar estereótipos aos tratar de crenças. "Há um preconceito flagrante, não só na publicidade. Quantos filmes já vimos com freiras que oprimem a mocinha?", diz. "Muitos publicitários vêm de famílias de classe média alta, de uma elite que tem lá suas queixas e seus preconceitos com os dogmas religiosos."

Polêmica armada

Para o publicitário Cláudio Freire, diretor executivo de criação da CCZ Comunicação, polêmicas como a provocada pela Duloren são um "risco calculado". "Ninguém faz isso de maneira ingênua, mas para criar polêmica mesmo." No caso da marca de lingeries, ele acredita que a revolta ajudou a gerar mídia espontânea – o que, apesar das críticas, é positivo para a marca. "A maior polêmica ocorreu entre um público que talvez nem seja o alvo da marca", diz.

Para o diretor da Lemon Escola de Criatividade, o publicitário Marcos Pamplona, a publicidade pode fazer referência à religiosidade do povo brasileiro, mas tem menos liberdade quando trata da religião em si. É o caso, por exemplo, de citar a fé do brasileiro, ou a brincadeira com o "São Nunca" criado pela Ford há alguns anos. "Quando você faz referências à religião, acaba dando de cara com princípios rígidos, e muitas vezes com a intolerância. É sempre um campo minado", diz. "Você levanta uma bandeira de pensamentos, o que não é objetivo da publicidade."

Pamplona lembra que há alguns anos criou um comercial para uma empresa de segurança domiciliar usando como referência o assaltante Ronald Biggs, que participou do lendário assalto ao trem pagador na Inglaterra. "Na peça, ele garantia que não havia como burlar o sistema da empresa. O comercial foi um sucesso. Mas a Liga das Mulheres Católicas, na época, criticou o fato de usar um ladrão como referência", lembra.

Politicamente correto

Para Pamplona, não só no que diz respeito ao uso da religião, a publicidade hoje está cada vez mais "engessada" por uma parcela "politicamente correta" da sociedade. "Em alguns casos isso faz com que percamos a naturalidade, a espontaneidade", critica. "Há um lado bom, que controla a nudez excessiva, por exemplo. Mas, por outro lado, pode ser hipócrita."

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