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Os jornais chegam às bancas na China carregados de indícios sobre o resfriamento econômico do país todos os dias. Só uma parte dessas informações respinga diariamente na imprensa do Ocidente. O consumo de energia elétrica cresce menos, o governo se força a reduzir os juros, a indústria revê seus planos. O que não se consegue ver à distância é que existe também, por lá, uma certeza de que o desenvolvimento do país será contínuo, apesar da retração interna e da crise enfrentada na União Europeia e nos Estados Unidos.

Essa certeza vem das ruas, da população que trabalha arduamente por salários baixos, da confiança na política deflagrada desde os anos 1990 e do próprio tamanho do mercado interno, que tem 1,35 bilhão de consumidores. Exagerada ou não, essa série de contrapontos põe muitos dados estatísticos em xeque.

O crescimento menor do Produto Interno Bruto (PIB) chinês – projetado em 7% ao ano daqui para a frente – ainda representa avanço substancial, levando-se em conta que a região concentra um em cada sete consumidores do planeta. Em se tratando de China, cada ponto porcentual, dependendo de onde vem, é um tiro de canhão para muitos setores da economia global.

Os críticos da economia chinesa alertam que o crescimento do PIB não representa necessariamente melhoria na condição de vida da população e no consumo. Os investimentos na construção civil, por exemplo, teriam justamente o objetivo de proporcionar um crescimento artificial. E as obras realmente estão por toda parte, muitas delas paradas. De um lado, condomínios, shoppings e cidades inteiras novinhos e desocupados. De outro, a população sem renda suficiente para comprar a casa própria. As estimativas são de que há 64 milhões de imóveis vazios na China.

No entanto, antes de se apostar em uma crise interna e global a partir disso, é preciso considerar outros fatores. O governo chinês pode desenvolver um sistema de crédito que facilite o acesso das famílias chinesas a esses imóveis, que não custam tão caro assim. Boa parte é avaliada entre US$ 20 mil e US$ 100 mil. O PIB per capita foi de

US$ 8,38 mil em 2011 – não tão abaixo do índice brasileiro: US$ 11,77 mil. Ou seja, existem saídas para os problemas chineses, pelo menos para os que se conhece.

E muito plano tem de dar errado para que o setor que mais interessa ao Brasil, o consumo de alimentos, degringole. À medida que a renda dos chineses cresce, aumenta o consumo de proteína. E o país não tem como elevar a produção de soja e milho para ampliar a produção de ração, medida necessária para atender à nova demanda por frango e suíno. Faltam terras e condições agroclimáticas.

O que realmente pode mudar a economia chinesa são fatores que não aparecem no noticiário com tanta frequência. As famílias numerosas estão envelhecendo e as mais jovens têm autorização para gerar apenas um filho. Essa é uma questão crucial, que ganha um tom cada vez mais grave.

Como será a China daqui 20 ou 30 anos? Um país com uma superpopulação de idosos e um número bem menor de trabalhadores e consumidores do que o atual? A "minoria" jovem será responsável por sustentar suas famílias e também o mundo que depende do consumo chinês.

Atualmente, famílias com mais de um filho são comuns apenas no campo, onde o governo permite que os casais tenham dois ou até mais "ajudantes". Mas o próprio meio rural está sendo despovoado. A China tem 200 milhões de agricultores – cerca de um Brasil – que escaparam para as cidades, um dos maiores movimentos de migração da história. O número é medido pela multidão que volta para casa nos feriados prolongados.

Alarmes de médio e longo prazo à parte, a China tem merecido um voto global de confiança. Vem trazendo alívio e funcionando como um escudo anticrise para países como o Brasil, num momento em que as grandes economias mostram-se vulneráveis. Pelo tamanho da parceria que se estabeleceu, temos mais é que torcer para que os chineses estejam no caminho certo.

O jornalista José Rocher percorreu centros de consumo como Beijing e Harbin, zonas portuárias e regiões agrícolas da China durante viagem de dez dias pela Expedição Safra Gazeta do Povo.

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