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O ex-senador petista Jean Paul Prates, presidente da Petrobras: sob Lula, empresa volta ao passado em estratégia, disputas de poder e influência política e sindical.
O ex-senador petista Jean Paul Prates, presidente da Petrobras: sob Lula, empresa volta ao passado em estratégia, disputas de poder e influência política e sindical.| Foto: Antonio Lacerda/EFE

Aos poucos, os avanços institucionais da Petrobras vão derretendo e a companhia consolida passos em direção ao passado. Os sinais acumulados do primeiro ano do mandato petista incluem reorientação dos investimentos com retomada em refinarias, afrouxamento da política de preços e, em especial, intensificação da influência política e sindical nos órgãos de direção da empresa.

"A reorientação segue o rumo que já conhecemos, de alavancar o crescimento via Estado, que é o que o governo acredita", afirma Adriano Pires, especialista em energia e fundador do Centro Brasileira de Infraestrutura (CBIE).

Em novembro, o plano estratégico da companhia reafirmou a guinada de direção, mas as luzes vermelhas piscaram com maior intensidade no fim do mês, quando acionistas majoritários aprovaram mudanças no estatuto social da companhia, com supressão do artigo que trata da quarentena dos indicados políticos para a alta administração.

A alteração foi baseada na liminar do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu as restrições impostas pela Lei das Estatais. Foram 55% dos votos a favor das alterações e 32% contrários. "A notícia é muito ruim, cria brechas para a volta de um quadro diretivo na empresa ou no conselho de pessoas que militem mais na política do que atuem na indústria de óleo e gás", afirma o fundador do CBIE.

O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou, em cautelar, que a estatal não registre as mudanças no estatuto até a decisão do mérito pelo STF. "Felizmente, o TCU teve bom senso. A mudança é um risco à governança. Os acionistas privados, minoritários, votaram contra", destaca Pires.

Nova gestão petista começou com mudança de rumos e disputa de poder

O novo rumo da companhia foi observado desde a nomeação do ex-senador petista Jean Paul Prates à presidência, que também só foi possível pela suspensão de parte da Lei das Estatais. Sua primeira ação foi o decretar o fim do reajuste automático dos preços dos combustíveis no mercado interno com base no preço internacional do petróleo, atendendo à promessa de campanha do presidente Lula de "abrasileirar" as tarifas.

O PPI, preço de paridade de importação, foi flexibilizado, com repasses graduais das correções, numa regra com menor transparência que o mercado nunca entendeu direito. Como os preços do petróleo estão voláteis para baixo neste ano, o governo tem sido favorecido, sem ocorrência de aumentos bruscos.

Com a renovação dos cargos diretivos e consultores, permeados de nomeados políticas para agradar os aliados, estabeleceu-se uma divisão de forças entre a diretoria, com nomes ligados ao PT e ao sindicalismo, representados por Prates, e o conselho de administração, com indicações atendendo aos interesses do chamado Centrão, sob influência do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.

Sindicatos voltaram a ter poder na diretoria da estatal

Prates tem sido apoiador fiel das demandas sindicais, representadas pela Federação Única dos Petroleiros (FUP). Vão desde questões normativas até demandas no Judiciário envolvendo acordos e direitos trabalhistas. O coordenador geral da FUP, Deyvid Bacelar, por sua vez, defendeu Prates diversas vezes do "fogo amigo" de ministros palacianos, dentro da disputa de poder na estatal.

Bacelar, à frente das reivindicações da categoria, contrária a qualquer iniciativa de privatização e de alterações nas políticas públicas de óleo e gás, se posiciona como líder "na resistência contra o fascismo e os ataques ao Estado Democrático de Direito", como atestam documentos da FUP. A queixa geral é que os dirigentes sindicais chegaram a ter o acesso negado às unidades da empresa durante o governo Jair Bolsonaro.

Em novembro, o líder sindical subiu o tom nas críticas e pediu a demissão de conselheiros supostamente alinhados com a gestão do ex-presidente. Nos bastidores, o grupo é chamado de “gerentes bolsonaristas”. “É inadmissível que pessoas que contribuíram com o programa de privatização da Petrobras no governo anterior continuem em funções gerenciais da empresa, principalmente em funções do alto escalão”, disse Bacelar à época, ao "Estadão".

Plano Estratégico resgata modelo adotado em governos anteriores

Mesmo com embates internos entre diretores e conselheiros, o plano estratégico anunciado pela companhia converge para atender aos interesses do Planalto. A exemplo das gestões anteriores do PT, a estatal retoma seu protagonismo como agente indutor de política pública, priorizando investimentos com potencial de geração de empregos e de oferecer visibilidade ao governo, já visando a próxima eleição presidencial.

Para os próximos cinco anos (2024-28), a companhia anunciou a cifra de US$ 102 bilhões para investimentos, montante 30,7% maior em relação ao plano de negócios em vigor, de US$ 78 bilhões para o intervalo 2023-2027. A promessa é criar 1,4 milhão de empregos diretos e indiretos, inserindo a companhia no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Para tanto, a Petrobras estabeleceu uma reserva de capital, que, na prática, significa a redução de pagamento de dividendos aos acionistas para que a companhia possa investir mais. A orientação vai contra o consenso do mercado de que a Petrobras, como empresa de economia mista e listada em Bolsa de Valores, deve remunerar os acionistas.

"Não há sentido em usar uma estatal de petróleo para fazer política pública", afirma Samuel Pessôa, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV).

No governo de Dilma Rousseff (PT), a estatal investiu R$ 565 bilhões e distribuiu R$ 335 milhões em dividendos.

No governo de Michel Temer (MDB), essa lógica começou a se inverter e na gestão de Jair Bolsonaro (PL), a estatal investiu R$ 133 bilhões e distribuiu R$ 299 bilhões em dividendos, cerca de seis vezes mais do que a média dos quatro governos anteriores.

Foi dentro dessa mesma logica que agora vem sendo retomada, de indução do crescimento, que nas gestões petistas a Petrobras foi devassada por interesses políticos e se endividou para fazer investimentos do interesse do governo.

Entre 2014 e 2017, amargou o prejuízo recorde de R$ 71 bilhões, culminando numa dívida de cerca de R$ 350 bilhões. "Sob a gestão desastrada de [Sérgio] Gabrielli, a Petrobras chegou a ser a empresa mais endividada do mundo", lembra Pessôa.

O economista cita também os investimentos frustrados em refino, em especial a Refinaria Abreu e Lima (RNEST), em Pernambuco, e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), que causaram à estatal um prejuízo de US$ 12,5 bilhões, segundo cálculo do TCU em 2017.

Os escândalos de corrupção que se seguiram envolvendo alguns destes projetos, denunciados pela Operação Lava Jato, levaram a companhia, nos governos posteriores, a intensificar a extração de petróleo, com destaque para as áreas do pré-sal, e a desinvestir em algumas áreas de atuação, como refino e fertilizantes.

Com Prates e o novo plano estratégico, essas áreas estão sendo retomadas. A companhia vai voltar a pôr dinheiro em uma fábrica de fertilizantes em Três Lagoas (MS), interrompida em 2014, e em refino no Comperj. "A política de investimento sinalizada é mais dispersa, de diversificação", afirma Adriano Pires.

Suspensão de privatizações e retomada de gastos em refinarias e fertilizantes

Reafirmando a interrupção da política de privatização de ativos, a Petrobras desistiu, em novembro, de vender a refinaria Lubnor, a principal produtora de asfalto do Nordeste e uma das maiores do país, ao grupo cearense Grepar. A venda havia sido acertada no ano passado por US$ 34 milhões, aproximadamente R$ 167 milhões.

A Petrobras argumentou, em nota, que o contrato foi rescindido "em razão da ausência de cumprimento de condições precedentes nele estabelecidas até o prazo final".

O empresário Clovis Fernando Greca, controlador do grupo Grepar, promete ir à Justiça por indenização e disse que a petrolífera desistiu de vender a Lubnor por "viés ideológico". "[O governo] é contra qualquer venda de qualquer ativo. Estamos num momento de Estado muito mais atuante na economia", afirmou ao "Estadão".

No mesmo mês, a estatal também pediu ao Cade para renegociar um acordo que a obriga a vender oito refinarias, e o presidente da companhia anunciou negociações para recomprar a refinaria RLAM, na Bahia, vendida no governo passado.

Prates reafirmou, em nota à imprensa, que a maioria dos investimentos – 73% ou US$ 73 bilhões – segue voltada à exploração e produção de petróleo e gás, principalmente em atividades relacionadas ao pré-sal, no litoral do sudeste. "Este percentual já foi maior, chegou a 84%", afirma Pires.

Para elevar o nível de utilização e a eficiência das refinarias, o investimento previsto para o parque de refino e gás natural da Petrobras até 2028 é de US$ 17 bilhões. A ideia é aumentar produção e venda de derivados, e compensar os efeitos de caixa da nova política de preços, sem o PPI.

"Espero que, pelo menos, eles não pensem em construir novas refinarias. Já provaram que não têm capacidade para fazer a extração a níveis minimamente competitivos", afirma Pessôa.

Estudo de Adriano Pires com Pessôa e a economista Luana Furtado revelou que o custo por unidade de barril de óleo refinado na Refinaria Abreu e Lima, em 2021, foi de cinco a seis vezes o padrão da indústria.

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