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A queda da taxa Selic pode ajudar a elevar a cotação do dólar – o que beneficiaria, por exemplo, as vendas do setor agrícola | Paulo Whitaker / Reuters
A queda da taxa Selic pode ajudar a elevar a cotação do dólar – o que beneficiaria, por exemplo, as vendas do setor agrícola| Foto: Paulo Whitaker / Reuters

Na prática

Veja como as mudanças na gestão econômica do governo podem influenciar três variáveis importantes para o dia a dia do brasileiro:

Consumo

A queda na taxa de juros deve manter aceso o consumo. Mas não se deve esperar que os juros ao consumidor, para compra de bens ou empréstimos pessoais, venham a cair logo. O efeito da inadimplência das pessoas físicas, que vem crescendo nos últimos meses, impede que a queda na taxa básica tenha um efeito de barateamento para o crédito em geral.

Aplicações financeiras

Os títulos públicos pré-fixados (LTNs, que podem ser compradas pelo Tesouro Direto) tornam-se mais atraentes. Mas os fatores internacionais devem continuar provocando muito desconforto, em especial para os investidores em renda variável. Como o mercado interno continuará aquecido, o investimento em ações de empresas de varejo pode ser um bom investimento.

Emprego

Deve continuar em alta, pelo menos até o fim deste ano. A inflação em alta, entretanto, pode corroer parte dos salários. Devem subir os custos com mão de obra e matéria-prima (devido à inflação), o que tende a trazer dificuldades para alguns setores industriais. Por isso as negociações tendem a se tornar mais ferozes.

Oito meses depois do início da gestão, o governo da presidente Dilma Rousseff começou na semana passada a apresentar sinais de que pretende mudar alguma coisa na forma como administra a área econômica. Não é nada oficial – ao contrário, tem muita coisa ainda com cara de balão de ensaio –, mas os indícios apontam para uma mudança que inclui os gastos do governo, a gestão da dívida pública e os objetivos da política monetária.

Como se costuma fazer quando um computador não responde aos comandos, o governo federal está reiniciando o sistema. Entre os economistas, a recepção foi negativa – a opinião geral é que o comando pode criar mais problemas.

A ideia, de acordo com reportagens publicadas em diversos veículos nos últimos dias, é montar um programa fiscal que permita ao Banco Central promover a redução das taxas de juros nos próximos anos. A chave para essa redução está na dívida pública. Ela cresceu fortemente nos últimos anos, passando de R$ 677 bilhões, em dezembro de 2001, para R$ 1,54 trilhão, em julho deste ano. A dívida mobiliária do Tesouro, representada por títulos públicos emitidos pelo governo, cresceu ainda mais: foi de R$ 477,8 bilhões para R$ 1,64 trilhão no mesmo período (veja os gráficos abaixo).

Esse crescimento ocorre em razão da forma como o governo tem administrado seus papéis nos últimos anos. Como não tem caixa para quitar os títulos na época de seu vencimento, ele apenas paga os juros e emite novos papéis, sempre de curto prazo. Com isso, a bola de neve vai crescendo. E o montante de dinheiro destinado aos juros da dívida faz falta em outras áreas, como a infraestrutura.

"A forma como o governo decide gastar o seu dinheiro afeta diretamente as possibilidades de crescimento do país", explica o professor Christian Luiz da Silva, líder do grupo de estudos em Gestão Pública e Desenvolvimento da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). "Ele pode, simplesmente, aumentar o quadro do funcionalismo. Com isso um grupo de pessoas ganha poder aquisitivo e o consumo no país aumenta um pouco", explica. "Ele também pode investir na melhoria dos seus serviços, para que as pessoas e empresas possam aplicar em outras compras o dinheiro que gastariam nessas áreas. Nesse caso, o efeito multiplicador é muito maior."

Autonomia

Essa parece ser a tendência das intervenções atuais do governo. Mas o corte de R$ 10 bilhões nos gastos públicos, anunciado na segunda-feira, não convenceu. "É muito pouco. Não é uma verdadeira mudança na administração dos gastos públicos", observa José Guilherme Vieira, professor de Finanças Públicas e Orçamentos da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Da mesma forma, a redução na taxa Selic – formalizada pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) na quarta-feira – foi mal vista, e por duas razões: ela pode gerar inflação e sugere que o BC passará a obedecer ordens do governo. "Pareceu uma decisão política. Não combina com a ideia da autonomia do Banco Central", diz Lucas Dezordi, professor do FAE Centro Universitário. "O BC perde com isso muito da credibilidade conquistada nos anos de Henrique Meirelles [presidente da instituição entre 2003 e o início deste ano]", comenta Vieira, da UFPR.

E a taxa básica de juros?

A redução da Selic – reduzida de 12,5% para 12% ao ano na quarta-feira, por decisão do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) – tem impacto direto sobre a dívida, já que 33% dos títulos federais em poder do público são Letras Financeiras do Tesouro (LFTs), corrigidas pela taxa. Em teoria, o corte implica que a dívida crescerá menos nos próximos anos. Os efeitos dessa medida no longo prazo, entretanto, são questionados.

"A queda nos juros deu um sinal muito ambíguo para o mercado", diz Lucas Dezordi, do Unifae. Isso porque a finalidade da política monetária é o controle da inflação, enquanto que a redução dos juros incentiva o consumo – e, portanto, pode causar inflação. "Baixando a Selic, o Banco Central passa a mensagem de que o crescimento da economia passa a ser a nova prioridade. Mas ninguém explicou como será feito o controle da inflação."

É consenso entre os especialistas que a redução dos juros só faz sentido se a crise internacional for tão ou mais intensa do que a de 2008/2009. Nesse caso, uma recessão global afetaria também o Brasil, reduzindo o consumo e, consequentemente, fazendo pressão negativa sobre os preços. O problema é que mais ninguém enxerga, a partir dos indicadores atuais, uma crise de tais dimensões.

Para José Guilherme Vieira,da UFPR, a ação foi precipitada. "O BC está tomando uma medida preventiva em relação a algo que ainda não aconteceu [a recessão] e sendo leniente com um problema que existe [a inflação]", sentencia. Pelo regime de metas de inflação, o BC precisa atuar de forma que a inflação deste ano e do próximo, medida pelo IPCA, não ultrapasse 4,5% ao ano – mas as estimativas apontam para bem mais que isso.

Na iniciativa privada, o setor agrícola tende a ser beneficiado com de alguma forma. "O preço dos grãos tende a subir, em parte por influência do câmbio", diz Dezordi.

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