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Maria Angélica Brena de Souza voltou ao mercado de trabalho após os 50 anos
Maria Angélica Brena de Souza voltou ao mercado de trabalho após os 50 anos| Foto: Hara Fotógrafo

Maria Angélica Brena de Souza, atendente de contact center da seguradora Tokio Marine prestes a completar 53 anos, é o retrato de uma transformação demográfica na população brasileira: o Brasil está deixando de ser um país de jovens. E isto está tendo impactos no mercado de trabalho e na carreira.

Em 2000, a idade mediana (que separa os 50% mais jovens dos 50% mais velhos) do brasileiro era de 24,2 anos, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No ano passado, essa idade passou para 32,6 anos. De fato, mais gente experiente está ocupando postos de trabalho ou mesmo vivendo de outras atividades. No fim do ano passado, a taxa de desemprego para esta faixa etária era de 6,9%, segundo o IBGE, bem abaixo da taxa geral de 12,3%.

Segundo Cimar Azeredo, coordenador de trabalho e rendimento do IBGE, o desemprego tende a ser menor entre os maiores de 40 anos porque eles tendem a correr atrás de alternativas quando estão sem ocupação. “Na dificuldade, eles partem para alternativas como ser motorista de aplicativo ou vender marmitas.”

Com o aumento na expectativa de vida – em 1991, uma pessoa de 50 anos viva, em média, mais 24 anos. Em 2017, esse número passou para 30,5 anos – e com a necessidade de aprovação da reforma da Previdência, a expectativa é de que as pessoas fiquem mesmo mais tempo no mercado de trabalho.

Para Maria Angélica, contratada em 2017 em uma ação especial da Tokio Marine para seleção de profissionais de mais de 50 anos, foi a chance de voltar ao mercado de trabalho. E se depender dela, o futuro é promissor.

"Espero continuar contribuindo com a empresa por muito tempo. Sempre temos de continuar aprendendo, nunca devemos parar."

Maria Angélica Brena de Souza, atendente de contact center da seguradora Tokio Marine.

Algumas empresas já mudaram o olhar sobre os profissionais mais maduros

“O mercado está amadurecendo para esse profissional. Está vendo mais vantagens em ter mais pessoas experientes e altamente qualificadas”.

Caio Arnaes, da consultoria Robert Half.

O motivo para isso é o cenário de profunda transformação por que passam as empresas. “Elas querem profissionais com maior bagagem, capazes de segurar bem o leme em um cenário mais turbulento.”

Um dos grupos que vêm encontrando bastante espaço no mercado de trabalho e que está acima dessa faixa etária, tanto no Brasil, quanto no exterior, é o de pilotos. “A idade, para eles, conta a favor”, diz Paulo Sardinha, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH).

Segundo ele, a habilidade e o conhecimento adquiridos por este profissional se aproxima do ápice aos 50 anos. O mercado está em expansão em países emergentes, como a China e a Índia, onde a taxa média [de crescimento] supera os 10% ao ano, segundo a Associação Internacional de Transporte Aéreo [Iata, na sigla em inglês].

No Brasil, a GOL é uma das empresas que têm cultivado um olhar especial para os profissionais com mais de 50 anos, ao lado da já citada seguradora Tokio Marine e da Rede Lojacorr, também do ramo de seguros, por exemplo.

"São pessoas que tem muito a contribuir, muito ativos e produtivos, mas [para os quais] o mercado não dá muita abertura."

Juliana Zan, superintendente de RH da Tokio Marine.

A Tokio Marine implantou um programa para atrair esse público em 2017, com o objetivo de estimular a diversidade na empresa. Originalmente foram abertas sete vagas na área de contact center. A surpresa da empresa foi a quantidade de currículos recebidos: cerca de 2,8 mil.

Paralelamente, foi desenvolvida uma campanha de conscientização na empresa, para estimular a contratação de funcionários acima dos 50 anos. O resultado deu certo. Atualmente, 10% dos funcionários da seguradora estão nessa faixa etária. O mais velho tem 79 anos.

Segundo a executiva, no contact center – que é o primeiro canal de comunicação entre os segurados e a seguradora –, eles mostraram a que vieram: "passam tranquilidade ao cliente, que muitas vezes está com problemas, e mostram seriedade."

E a atuação desse público não se restringe ao contact center. Eles trabalham em áreas tão diversas como a financeira, a jurídica e em atividades de suporte.

A GOL lançou um programa similar em 2017, para aproveitar o potencial deste grupo. "Por meio de estudos internos foi constatado que estes profissionais possuem alto grau de comprometimento, amplo conhecimento e motivação, além de muita experiência na bagagem,trazendo mais equilibrio, empatia e vantagem competitiva para a empresa", informou a empresa por e-mail.

O programa já garantiu a contratação de 85 profissionais, que exercem funções nos departamentos administrativos da empresa ou nos aeroportos, como atendimento a cliente, check-in, embarque e desembarque e auxílio a pessoas com deficiência, crianças e idosos.

Os primeiros resultados já começam a ser colhidos. Segundo a empresa aérea, os profissionais mais seniores vem mostrando aptidão para assumir postos que em outras ocasiões exigiriam treinamento prévio para pessoas mais jovens, transmitem conhecimentos para os menos experientes. Outros pontos observados são "o equilíbrio e o amadurecimento deste público e a disponibilidade de tempo em relação aos mais jovens."

Na Lojacorr, quase um terço dos profissionais que trabalham no empreendimento tem mais de 50 anos. “Como diretriz, buscamos profissionais que tenham vontade de fazer parte do negócio e se adequem às exigências legais”, informou a rede por e-mail.

O que o mercado quer dos profissionais mais velhos

De acordo com especialistas em carreira ouvidos pela Gazeta do Povo, as empresas esperam que os profissionais desta faixa etária tenham adaptabilidade para trabalhar em projetos mais específicos; a disposição de ‘colocar a mão na massa’ e ajudar a resolver problemas em outras áreas; a capacidade de liderança; e a ‘visão de dono’, ou seja, de ser um profissional que busca resultados.

Segundo Thábita Laurino, gerente da Catho, esse profissional conta com algumas ‘cartas na manga’ em relação aos mais novos: tende a ser mais resilientes, mais comprometido, mais equilibrado emocionalmente e mais ágil na tomada de decisões.

Um espaço que os profissionais mais experientes estão conquistando é o da participação em projetos específicos e de curto prazo. “As empresas acabam se beneficiando com o networking desses profissionais”, diz Arnaes.

E, dentre eles, quem sai na frente, de acordo com Thiago Gaudêncio, gerente-executivo da Michael Page, são os profissionais que já tiveram experiência de gestão. “Para eles, é muito mais fácil a recolocação.”

A Catho, uma das principais empresas de seleção do Brasil, vem detectando aumento de procura por esses profissionais em áreas como engenharia, serviços financeiros, tecnologia, vendas, agrobusiness e marketing.

Cenários para a segunda carreira nessa fase

O cenário para os profissionais com mais de 50 anos é favorável no médio e longo prazo. “O mercado [para eles] tende a melhorar com as reformas na CLT”, avalia a professora Carmen Migueles, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (Ebape/FGV). Isto abre espaço para novas formas de contrato de trabalho.

Ao mesmo tempo, segundo a especialista, o novo cenário impõe um desafio ao Brasil, que é o de lidar com o pós-carreira, com o retardo das aposentadorias. “É um desafio que já foi enfrentado por países como o Japão, que permitiu adiar a aposentadoria até os 75 anos.”

Para isso, segundo Sardinha, da ABRH, vai ser necessário pensar em políticas públicas de trabalho para possibilitar que as pessoas permaneçam mais tempo ocupadas. “É uma das decorrências da reforma da previdência. Não dá para pensar nela isoladamente."

Ao mesmo tempo em que as oportunidades tendem a aumentar, os profissionais vão ser ‘forçados’ a pensar em uma segunda carreira, diz o presidente da ABRH. “O ciclo do emprego vai ser seguido pelo ciclo do empreendedorismo.”

Uma recomendação que ele dá é o investimento constante em aperfeiçoamento intelectual, como programas de mestrado e doutorado. “Executivos podem encontrar espaço como consultores, mentores e professores. É uma alternativa para uma segunda carreira."

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