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O aposentado Raul Satyro teve durante boa parte de seus 71 anos de vida a companhia de uma arma. Aos 12 anos já sabia atirar. Por quatro décadas andou armado. Deu disparos de alerta para evitar assaltos em sinaleiros e, da janela de casa, chegou a acertar a testa de um assaltante de táxi, espantando-o com uma espingarda de pressão. Alguns anos atrás, estava armado durante um assalto na agência bancária do Tribunal de Contas, em Curitiba, mas não reagiu. "Quando tudo acabou, a gerente, que sabia que eu andava armado, chegou a questionar porque não fiz nada. Havia 12 pessoas no banco e 3 assaltantes. Seria uma carnificina", justifica.

Satyro, que é diretor da Associação Paranaense de Colecionadores e Atiradores de Rifle (Apar), tem a consciência tranqüila por se sentir preparado técnica e psicologicamente para a responsabilidade de ter (e usar) uma arma de fogo. E tem razão para se sentir assim, garante o instrutor de tiro Mário Lima, da Confederação Brasileira de Tiro. "A pessoa que utiliza uma arma deve ter maturidade, capacidade de discernimento e equilíbrio emocional", avalia o especialista em defesa pessoal. Na opinião de Lima, a avaliação psicológica (cerca de três horas de testes) exigida atualmente para aquisição, registro e renovação do registro da arma de fogo é suficientemente rigorosa na seleção de quem, psicologicamente, tem condições de manejá-la. "A confiança vem com o treinamento", completa.

"Qualquer pessoa que passe na avaliação está apta, do ponto de vista psicológico, a usar uma arma", concorda o coronel Iranil dos Santos, chefe do departamento de sobrevivência policial, da Polícia Militar do Paraná. O coronel, que prepara os policiais para momentos de confronto armado, alerta para os efeitos psicológicos que surgem no momento do conflito. O estresse do confronto, diz, é capaz de limitar a visão do policial e provocar efeitos de exclusão de auditório (a pessoa não ouve normalmente o que está à sua volta, como um comando para não atirar, por exemplo), sensação de câmera lenta e perda da sensibilidade motora (há, inclusive, um aumento da força, capaz de provocar um disparo acidental). "Por isso a importância de um treinamento avançado", afirma o coronel.

Para a socióloga Patrícia Rivero, co-autora do livro "Brasil: as armas e as vítimas", o cidadão comum, mesmo treinado, se ilude ao pensar que armado estará mais seguro. "Policiais e bandidos vêem a arma como um elemento de força, de imposição do medo. Já o cidadão comum procura pela segurança, numa visão individualista da defesa do bem e da vida. Mas quando há uma reação da vítima o risco é maior", avalia. Na visão da psicóloga Mari Nilza de Barros, pesquisadora da equipe interdisciplinar de Estudo da Violência da Universidade Estadual de Londrina, quem tem uma arma, mesmo que aparentemente apto psicologicamente para possuí-la, se expõe ao próprio descontrole emocional. "A arma facilita uma decisão num momento de raiva, de conseqüências trágicas", opina.

Essa possibilidade de uma arma ser usada como válvula de escape numa reação irracional do cidadão é também uma questão cultural, diz a psicóloga Joyce Tescarolo, do Grupo de Estudos da Violência da Universidade Federal do Paraná. "No Canadá boa parte da população tem arma e não há problema de violência por causa disso. Lá a arma é para caça e prática esportiva, não é vista como um instrumento de resolução de conflito. No Brasil, há uma cultura do medo, de defesa da propriedade e da vida. Isso torna a pessoa armada mais reativa, menos disposta a resolver conflitos de maneira pacífica", conclui.

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