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Grandes marcas da indústria da beleza e da boa forma, como Dove e Nike, estão trocando modelos de perfeição inatingível por ''gente de verdade'' para lançar novos produtos. Corpos femininos cheios de curvas, rostos com marcas de expressão e cabelos que fogem do padrão ''escova progressiva'' estão recheando os anúncios de TV e revistas, numa tendência mundial de usar a realidade do consumidor como estratégia de marketing. Segundo especialistas, ainda que não compre os produtos, o consumidor sai ganhando com a nova estratégia - considerada benéfica para evitar frustrações, insatisfação com a própria imagem e distúrbios alimentares como anorexia e bulimia.

No Brasil, a iniciativa mais recente é a campanha da linha de cremes para dar firmeza à pele Firming, da Dove (Unilever). Os anúncios que circulam na mídia brasileira fazem parte de uma estratégia internacional da marca batizada "Campanha pela Beleza Real", que vai na contramão do que se vinha fazendo há décadas. O corpo feminino perfeito para as propagandas, até então, tinha pouco bumbum e peitos fartos, refletindo o físico das top models e mantendo distância do que se vê nas ruas.

Os anúncios da Dove estampam silhuetas com curvas e dimensões condizentes com a realidade - sobretudo brasileira - e são estrelados, claro, por mulheres normais, em vez de modelos profissionais.

- Achei ótimo participar. Primeiro porque o clima durante a gravação e a sessão de fotos foi ótimo, tudo bem descontraído e relaxado - conta a especialista em gastronomia Bianca Fiorillo Fiori, paulistana de 26 anos e uma das fofas aprovadas no teste para estrelar a campanha do Firming. - Houve uma preocupação com as roupas, que apesar de serem calcinha e sutiã, foram feitas de forma a não nos expor demais. E, acima de tudo, achei muito bacana fazer um anúncio que não vende modelos magrelas, que não é preconceituoso.

A proposta, ao contrário, é valorizar a diversidade.

- A idéia é fazer com que as mulheres se sintam mais bonitas no dia-a-dia, ampliando a visão limitada de beleza que existe hoje - explicou a gerente de marketing da Dove no Brasil, Patrícia Aversi. - Queremos ser uma motivação para que elas se cuidem e saibam valorizar suas próprias características, sem um padrão inatingível para seguir.

Uma proposta ousada, porque inverte a lógica usada até agora pela publicidade da beleza de vender o que não se tem e se explorar o desejo de ser outra coisa. Um desejo, aliás, que não mudou na cabeça da maioria das mulheres. Grande parte das brasileiras é insatisfeita com o próprio corpo e não se acha bonita, segundo resultado de uma pesquisa mundial feita pela Unilever, antes de lançar a campanha.

O estudo foi realizado pela StrategyOne com 3.200 mulheres de 18 e 64 anos de dez países (entre eles Brasil, EUA, Canadá, França e Japão). Os dados obtidos foram espantosos. As japonesas têm maior índice de insatisfação física (59%), seguidas das brasileiras (37%) e das americanas e inglesas (36%). Em contrapartida, 75% das entrevistadas querem que a mídia retrate a beleza usando pessoas comuns.

A pesquisa também ouviu psicólogos que analisaram como seria a aceitação da campanha considerando o fato de as mulheres serem insatisfeitas com o próprio físico e não se acharem bonitas - apenas 2% das entrevistadas disseram-se belas.

- Percebemos que as mulheres sentem-se sufocadas com os padrões de beleza impostos, por isso resolvemos apostar em tipos fora do estereótipo vigente - comentou Patrícia. - E, na verdade, a consumidora prefere ver mulheres iguais a ela, pois a beleza inatingível e raríssima das modelos causa sofrimento.

No Brasil, 91% das mulheres ouvidas na pesquisa disseram querer ver mulheres iguais a elas na mídia.

- Essa atual estratégia de publicidade evita frustrações. Além de conferir maior credibilidade aos produtos e aproximar a marca das consumidoras, que vêem os anúncios e pensam que aquelas "modelos" poderiam ser elas - analisou Patrícia.

A garota-propaganda Bianca Fiori, que mede 1,60m e pesa 57kg, ao contrário da maioria das brasileiras, é satisfeita com seu tipo físico.

- Beleza está no conjunto, no jeito como você é, não nas suas medidas. Apesar de achar que poderia emagrecer um pouquinho, me acho bonita e fiquei mais vaidosa ainda depois que me vi no vídeo.

Segundo a cientista e psicóloga da Universidade de Havard (EUA) Nancy Etcoff, que participou da elaboração e análise do estudo da Dove, a mídia é, de certa forma, responsável pelo aumento da insatisfação com o próprio corpo.

- Hoje em dia, a mulher média compara-se a algumas poucas modelos e a mídia insiste que essa beleza surreal pode ser alcançada com esforço e consumo do produto certo - afirmou a psicóloga ao analisar os resultados da pesquisa. - Isso causa tristeza e frustração ao usar o produto.

De fato, a falta de ligação entre publicidade e realidade teve algumas conseqüências nada boas, na opinião de especialistas, que atribuem em parte a isso o crescimento da incidência de transtornos alimentares como anorexia e bulimia. Além de muito dinheiro ter sido gasto com dietas, operações plásticas e programas de exercícios apenas para fins estéticos.

Nos EUA, a indústria de alimentos pegou carona na novidade, com a campanha do atum enlatado "Chicken of the Sea", na qual homens de uma oficina mecânica admiram uma menina de corpo estilo violão, com tudo no lugar: cintura fina, peitos médios e quadris fartos. Mas assim que a moça se desvencilha dos olhares masculinos, solta o ar num suspiro e uma barriguinha inesperada se revela - uma ironia com a pressão excessiva para se exibir uma beleza diferente da que se tem.

A gigante de materiais esportivos Nike entrou na nova tendência com força e lançou nos EUA, na semana passada, uma peça publicitária que vai direto ao ponto, sem rodeios. Batizada "Big Butts, Thunder Thighs and Tomboy Knees", a campanha mostra, em seus anúncios, um bumbum em close ao lado de um texto que começa com a frase: "Meu bumbum é grande e redondo como a letra C".

No Brasil, a Natura foi uma das primeiras empresas a lidar com a questão. Ao lançar uma campanha da linha de cremes anti-rugas Chronos, optou por ilustrar as peças com mulheres de todas as idades, vendendo a idéia de que o conceito de beleza está mais ligado a comportamento do que a atributos físicos fora da realidade para cada faixa etária.

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