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Curitiba – Funcionários de montadoras de veículos e de empresas terceirizadas reuniram-se ontem na Praça Santos Andrade, no centro de Curitiba, para protestar contra o sistema de altas médicas em vigor no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Segundo os manifestantes, as chamadas "altas programadas" obrigam trabalhadores com lesões desenvolvidas no trabalho a retornar a seus postos. Na pauta de reivindicações está ainda a revisão de benefícios – já que existe a suspeita de subnotificação de acidentes de trabalho por parte das empresas.

A situação dos trabalhadores do setor automotivo no Paraná chama a atenção há meses, desde que foi detectado um aumento no número de acidentes de trabalho no estado. O Paraná ocupa o quarto lugar em acidentes de trabalho no país, e o número de ocorrências em montadoras é de 800 por ano, em média (ver quadro), segundo os últimos dados disponíveis. O ritmo da linha de montagem, cada vez maior pelo aumento da produtividade, e a repetição de movimentos são apontados como as principais causas de danos à saúde dos funcionários.

Os dados se materializam em dramas individuais, de trabalhadores doentes que, todos os dias, procuram ajuda nos sindicatos ou em associações. Adenílson José da Silva, de 35 anos, é um deles. Trabalha na fábrica da Renault, em São José dos Pinhais, desde sua implantação, em 1999. Junto com 16 colegas é responsável pela pintura de 44 carros por hora. Há dois anos começou a sentir dores nos ombros, e certo de que os movimentos repetitivos e a elevada carga de trabalho eram a causa do desconforto, pediu para mudar de setor. Não foi atendido. Para suportar o trabalho tomava injeções diárias no ambulatório da empresa. Foi encaminhado para a fisioterapia. Diz que, mesmo com dores, não tinha folga. Sua produtividade caiu, não conseguia mais trabalhar 44 horas semanais e passou para 40.

Há seis meses o metalúrgico foi afastado da empresa, por doença comum. Em casos como o de Adenílson a lei determina que a empresa emita uma Comunicação por Acidente de Trabalho (CAT), permitindo que o funcionário seja afastado e receba auxílio-doença específico do INSS.

O metalúrgico David Rodrigues, 35, tem em comum com Adenílson, além da idade e da função, as dores nos ombros. A diferença é que David não trabalhava em uma montadora, mas em uma empresa fornecedora do setor automotivo. David diz ter sido demitido assim que a empresa descobriu que ele estava doente, após uma ressonância magnética no ombro. Quinze dias depois, conseguiu provar ao INSS que padecia de doença do trabalho e hoje recebe auxílio-doença.

O calvário vivido por Adenílson e David é comum aos 1,5 mil trabalhadores que fazem parte da Associação de Defesa dos Lesionados no Trabalho (ADLT), criada para atender os portadores de lesão por esforço repetitivo (LER) e distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT). A entidade, que promoveu o protesto de ontem, recebe cerca de 12 novos casos por dia, 95% deles de funcionários de montadoras e empresas fornecedoras. "O que mais nos chama a atenção é a tentativa das empresas de descaracterizar as doenças do trabalho", diz o médico da associação, Paulo Coelho.

A suspeita de que as empresas faziam de tudo para não reconhecer as causas das doenças de seus trabalhadores levou o Sindicato dos Metalúrgicos de Curitiba a encaminhar a questão à Delegacia Regional do Trabalho (DRT-PR). "De todas as doenças de trabalho de 2004, 45% saíram do sindicato. Isso quer dizer que havia subnotificação por parte das empresas", acusa Núncio Mannala, representante do sindicato. Os dados foram confrontados com os da DRT e do Ministério Público do Trabalho. A quantidade de denúncias chamou a atenção do poder público e, há pouco mais de um mês, o assunto tornou-se pauta preferencial do Conselho de Política Automotiva (CPA), com representates das entidades envolvidas na questão (DRT, Ministério Público do Trabalho, INSS, sindicatos, associações, duas secretarias de estado e montadoras), com o objetivo de investigar as denúncias e tentar achar possíveis soluções para a questão.

E já há avanços. "Há boa vontade por parte das montadoras", diz o delegado regional do trabalho, Geraldo Serathiuk. As montadoras aceitaram visitas do conselho às empresas, e um relatório abrangente deve sair nas próximas semanas. "Outra conquista é que o INSS aceitou rever benefícios em que não foi emitida a CAT", acrescenta.

A Volks/Audi não quis comentar o assunto enquanto não terminar o trabalho do Conselho. O diretor de Recursos Humanos da Renault, Carlos Magni, disse que os números apresentados pela delegacia não conferem com os números da empresa, e que espera os dados oficiais do Conselho. Magni lembrou que a Renault do Paraná está entre as cinco melhores fábricas do grupo francês, que tem atuação mundial, no que se refere à segurança do trabalho, e que inclusive já foi usada como exemplo para outras empresas. "Nossa atitude é tão transparente que propusemos que a vistoria fosse feita em qualquer horário."

A Volvo do Brasil, instalada há 27 anos no estado, e com mais de três mil funcionários, também se mostrou aberta ao diálogo. "A Volvo não cumpre simplesmente a lei, tentamos dar mais benefícios aos nossos funcionários, como auxílio-odontológico, só para citar um exemplo. Temos levado a questão da segurança do trabalho de forma séria, e acreditamos que o número de afastamentos na empresa por doenças seja baixo. São dez trabalhadores afastados, no momento", diz Carlos Morassuti, diretor de Recursos Humanos e Assuntos Corporativos no Brasil.

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