| Foto: Rogério Machado / Arquivo Gazeta do Povo
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Entidades ambientalistas e parlamentares têm propagado o discurso de que o país estaria quebrando recordes sucessivos na liberação de agrotóxicos desde 2016, e que os produtos que chegam ao mercado seriam cada vez mais tóxicos. A discussão ganhou força com a votação do projeto de lei 6299/2002, aprovado em fevereiro na Câmara dos Deputados, que cria novas regras para a aprovação do registro de agrotóxicos no Brasil.

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Durante a votação do projeto de lei, partidos como PT, PSOL e PC do B fecharam questão contra a proposta que, na prática, permite que pesticidas mais modernos e menos agressivos ao meio ambiente sejam aprovados pelo governo por meio dos três órgãos competentes: Ministério da Agricultura, Anvisa e Ibama. Os recordes de registro dos agrotóxicos foram citados por diversos parlamentares durante as discussões sobre a proposta.

O deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), por exemplo, enfatizou que o governo de Jair Bolsonaro, em três anos, bateu o recorde histórico de liberação de novos defensivos agrícolas, com mais de 1,5 mil registros de produtos. O deputado Leo de Brito (PT-AC) disse que está havendo “liberação indiscriminada” de agrotóxicos no Brasil desde o governo de Michel Temer, o que seria uma “política de morte” no país.

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Entidades ambientalistas também se manifestaram citando os números. Logo após a aprovação da proposta, o Greenpeace divulgou uma nota afirmando que “o governo vem liberando um número recorde de agrotóxicos, boa parte deles sendo altamente ou extremamente tóxicos e não permitidos na União Europeia”. Em publicação nas redes sociais, a organização também afirmou que os produtos que estão sendo autorizados são “novos no mercado”.

As alegações feitas por opositores do uso de pesticidas no Brasil estão apenas parcialmente corretas: apesar de acertar ao citar números absolutos de registro de produtos para controle de pragas e doenças no campo, erram ao afirmar que todos esses produtos são novos ou mais tóxicos do que aqueles já autorizados anteriormente. Na verdade, há uma série de produtos biológicos, parte deles utilizados até mesmo na agricultura orgânica, e uma maioria de pesticidas genéricos, que não possuem formulação mais tóxica do que outros já disponíveis no mercado.

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Segundo levantamento feito pela Gazeta do Povo, dos 562 registros emitidos em 2021, apenas 21 (3,7%) são de produtos químicos efetivamente novos. Destes, somente 12 são agrotóxicos formulados, que serão disponibilizados ao mercado. O restante são matérias-primas a serem utilizadas na indústria para o desenvolvimento de novos defensivos.

Do total de liberações em 2021, outros 92 (16,4%) são biopesticidas, isto é, produtos biológicos, e a grande maioria (449, ou 80% do total) são genéricos. A lógica – maioria de defensivos genéricos, seguida de biológicos, e um número bastante reduzido de produtos novos – se repete há anos, como mostrado no infográfico abaixo.

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Conforme explica o engenheiro agrônomo e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Décio Luiz Gazzoni, nos casos de produtos genéricos, trata-se da geração de maior concorrência no mercado e, consequentemente, de mais alternativas para o agricultor a menor custo, porém o aumento não se traduz em volumes maiores de pesticidas a serem aplicados ou em produtos com maior toxicidade.

“Fazendo uma analogia: se existir apenas uma marca de um determinado medicamento para controle de uma enfermidade em humanos, não será o fato de serem registrados diversos produtos genéricos que aumentará seu uso. O agricultor não joga dinheiro fora e não usa agrotóxico por deleite, pois isso lhe custaria dinheiro. Então, não é o fato de haver mais alternativas dos mesmos produtos que aumenta o uso”, afirma.

De acordo com o coordenador de produção agrícola da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Maciel Silva, apesar do alto número de pesticidas aprovados de 2016 para cá, isso não significa que o processo de liberação desses produtos teve início nesses anos. “Esse prazo de análise pelos três órgãos competentes costuma levar de sete a oito anos. Ou seja, apesar de o registro se dar em 2021, por exemplo, o processo de iniciou muito antes disso”, explica.

Segundo Silva, ainda que houvesse um número maior de agrotóxicos novos autorizados, não seria algo negativo, uma vez que a entrada de novas moléculas no mercado significa modernizar as ferramentas para os produtores com produtos mais sustentáveis e menos agressivos. “A evolução da indústria é muito grande, mas no Brasil usamos alguns produtos da década de 1960. As exigências ao longo dos anos também passaram a ser mais restritivas, então produtos novos significam uma possibilidade de atualização e modernização com produtos mais eficientes e menos tóxicos”, diz o coordenador da CNA.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

Lei só permite registro de pesticidas com ação tóxica menor

Quanto à redução da toxicidade em novos pesticidas, o pesquisador da Embrapa explica que, por força de lei, os novos produtos autorizados não podem ter ação tóxica maior do que aqueles registrados anteriormente.

A legislação atual sobre agrotóxicos (7802/1989), em seu parágrafo 5º, determina que “o registro para novo produto agrotóxico, seus componentes e afins, será concedido se a sua ação tóxica sobre o ser humano e o meio ambiente for comprovadamente igual ou menor do que a daqueles já registrados (...)”. Há uma série de outros dispositivos na legislação atual que garantem que somente poderão obter autorização para comércio produtos menos agressivos à saúde humana e ao meio ambiente.

“Se houvesse qualquer fato que demonstrasse que os produtos que foram registrados são mais tóxicos ao ambiente, o registro seria facilmente cancelado por qualquer juiz de primeira instância, por se tratar de matéria de direito, sem controvérsia ou interpretação. Portanto, essas críticas não procedem”, afirma Gazzoni, da Embrapa.

Processos de registro chegam a demorar mais de onze anos para obterem resposta

A aceleração dos processos de análise de pesticidas no Brasil é reflexo de uma nova política, iniciada pelo governo Temer e mantida no governo Bolsonaro. No Brasil, demora-se em média oito anos para que os órgãos do poder público emitam parecer com aprovação ou reprovação dos produtos, porém, conforme apuração da Gazeta do Povo, há produtos que levaram até 11 anos e meio para obterem parecer.

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Para Gazzoni, os altos números de aprovações nos últimos anos se devem a um “represamento” das análises dos pedidos de registro que se acumularam nos anos anteriores. “O que se verificou a partir de 2016 foi a concessão de prioridade para análise dos pedidos que já haviam ingressado há muitos anos antes que caducassem. Para isso o governo se reorganizou, contratou pessoal, reformulou estruturas e deu vazão ao fluxo”, afirma.

Para evitar novos atrasos na análise dos produtos, o projeto de lei 6299/2002, que agora será votado no Senado, cria um limite de dois anos para que sejam feitas as devidas avaliações e consequente emissão de parecer para o registro, mantendo o rigor das análises pelos órgãos competentes.

“Caso esse projeto seja transformado em lei, seria uma garantia ao menos da redução da burocracia, até porque os três órgãos passam a analisar no acompanhamento, não precisa entrar com três processos diferentes”, diz Silva. “É uma tentativa bastante positiva de desburocratizar e dar mais transparência, modernizando não só os processos, mas também os produtos finais, ao permitir que produtos mais modernos e sustentáveis entrem no mercado”, ressalta o pesquisador da Embrapa.