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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante coletiva de apresentação da nova regra fiscal: proposta determina aumento real do gasto entre 0,6% e 2,5% ao ano.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante coletiva de apresentação da nova regra fiscal: proposta determina aumento real do gasto entre 0,6% e 2,5% ao ano.| Foto: José Cruz/Agência Brasil

Além de exigir uma forte alta de receitas, a proposta de novo arcabouço fiscal, apresentada pelo governo de Luís Inácio Lula da Silva (PT) na semana passada, pressupõe aumento de despesas acima da inflação todos os anos, mesmo quando houver queda de arrecadação. Se aprovada, portanto, a regra cria uma espécie de "piso de gastos", em substituição ao atual teto de despesas.

De acordo com o plano, que ainda não foi enviado ao Congresso e depende de aval dos parlamentares, o gasto público federal crescerá no mínimo 0,6% ao ano acima da inflação, mesmo que as receitas diminuam, mecanismo classificado de "anticíclico" pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Caso as receitas aumentem, a despesa poderá subir até 2,5% ao ano, em termos reais.

O modelo, caso aprovado, tende a inverter uma tendência de redução do peso da máquina pública nos últimos anos. Em 2022, considerando os três níveis de governo, os gastos públicos com salário de funcionários e custeio da máquina atingiram a mínima histórica, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Depois de alcançar 20,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020, ano de início da pandemia de Covid-19, o consumo total das administrações públicas federal, estaduais e municipais caiu a 18,6% em 2021 e fechou 2022 em 18% do PIB.

Os gastos com folha de pagamento influenciam diretamente esse movimento. Depois uma trajetória de crescimento ao longo dos governos anteriores do PT, as despesas da União com salários do funcionalismo também chegaram no ano passado ao seu menor nível desde 1997, ano de início da série histórica do Tesouro Nacional.

Após alcançar a proporção de 4,3% do PIB em 2018, a despesa com o funcionalismo público e encargos sociais caiu para 4,2% em 2019 e 2020, 3,7% em 2021 e 3,4% do PIB em 2022. Além do congelamento na remuneração dos servidores, os números resultam de um enxugamento no quadro de funcionários.

Embora criticada em razão da falta de flexibilidade, a regra do teto de gastos – instituída em 2016 e que limitava o crescimento anual de gastos à inflação, de forma a impedir aumento real – conteve o avanço das despesas.

O teto ainda está em vigor, mas deve ser substituído pelo dispositivo proposto pelo governo. A Emenda Constitucional 126, derivada da chamada "PEC fura-teto" e promulgada em dezembro passado, determinou que o Executivo encaminhasse um projeto de lei complementar para "instituir regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do país e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico".

Com a nova regra fiscal, o governo quer permitir o aumento de gastos até o equivalente a 70% da alta da arrecadação dos 12 meses encerrados em junho do ano anterior. Com ritmos diferentes de elevação de despesa e receita, a equipe econômica espera obter resultado primário neutro em 2024, superávit primário de 0,5% do PIB em 2025 e de 1% do PIB em 2026.

Mas para isso é necessário que o governo consiga elevar consideravelmente suas receitas, de modo a deixar para trás um quadro que tende a déficit primário de R$ 107,6 bilhões em 2023. Analistas avaliam ser inevitável para tanto um aumento de carga tributária, apesar de Haddad negar medida nesse sentido.

A proposta ainda coloca um limitador de 2,5% no crescimento real de gastos para o caso de uma alta muito elevada de arrecadação, o que é visto como positivo por alguns economistas.

“A média de crescimento real das despesas entre 2003 e 2015 [que compreende às gestões anteriores do PT] foi de 6%, portanto, o limite de 2,5% é uma moderação, além de indicar uma flexibilidade em relação à regra anterior do teto de gastos, que, por ter sido muito restritiva, acabou se tornando ineficiente”, destaca relatório do banco Inter.

Por outro lado, ainda que não haja aumento de arrecadação, a nova regra prevê um crescimento mínimo de 0,6%, acima da inflação, da despesa primária. Na apresentação da proposta, não foram mencionados critérios em relação à necessidade de elevação de despesas.

“Ou seja, o freio é também um acelerador”, diz Rodrigo Leite, professor de Finanças e Controle Gerencial do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Coppead) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Ele resume o modelo comparando-o ao orçamento familiar. “Se eu tenho um orçamento que funciona, sempre que eu tenho um aumento de salário, uma promoção e aumento meu gasto, meu orçamento continua a funcionar”, diz. A partir do momento em que não há aumento, a elevação de gastos implicaria em endividamento.

Fora o piso de crescimento de despesas, os investimentos terão um patamar mínimo próprio, visando impedir que sejam comprimidas pelo aumento de gastos correntes. Devem partir dos R$ 75 bilhões previstos para 2023, com variação anual mínima equivalente à inflação.

Outras despesas devem ficar ainda fora da regra, podendo crescer acima dos 70% de alta da receita e independentemente do resultado primário. Entram nessas exceções os gastos relativos ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e à compensação aos entes pelo pagamento do novo piso da enfermagem, já excluídas da atual regra do teto de gastos.

Para o presidente da Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo, deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), para gozar de credibilidade, a nova regra ainda carece de um compromisso com medidas voltadas ao corte de gastos. “Não vimos qualquer menção a uma reforma administrativa, que seria um instrumento para se buscar maior eficiência e eficácia dos gastos públicos”, diz. “No nosso entender, essa proposta está capenga.”

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