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Além da política de juros do Banco Central, Lula critica a manutenção da meta de inflação, que é defendida pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto.| Foto: Agência Brasil

A proposta de arcabouço fiscal anunciada pelo governo não deve ser suficiente, por si só, para reduzir a taxa básica de juros (Selic), hoje em 13,75% ao ano. Outros fatores que vão pesar nos próximos meses, segundo analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, são o desenrolar dos ataques do governo ao Banco Central e a discussão das metas de inflação, questões que têm influenciado as expectativas de inflação deste e dos próximos anos.

Parte do mercado recebeu bem o plano apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em especial a meta de zerar o déficit primário em 2024 e obter superávits nos anos seguintes. Porém, entre muitos economistas predomina o ceticismo em relação à viabilidade desse objetivo.

Se o plano não for entendido como eficiente para melhorar o cenário das contas públicas, terá pouco ou nenhum efeito sobre as expectativas de inflação – e tais expectativas estão entre os principais fatores que influenciam a decisão sobre a taxa de juros, segundo os comunicados do Banco Central.

As principais críticas são dirigidas à previsão de crescimento real da despesa todos os anos – mesmo em caso de queda nas receitas – e o forte aumento de arrecadação necessário para cumprir as metas. Haddad promete apresentar em breve um pacote para elevar as receitas em até R$ 150 bilhões.

“Ajustes nas contas públicas serão necessários, via aumentos de tributação”, diz o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale. É a mesma avaliação feita por Affonso Celso Pastore, ex-presidente do BC.

O economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira, questiona as projeções de arrecadação das medidas que estão sendo preparadas pela Fazenda. Para a tributação dos sites de apostas, por exemplo, a estimativa inicial era de cerca de R$ 6 bilhões por ano; de repente, a projeção subiu para R$ 12 bilhões a 15 bilhões. Também há dúvidas sobre a tributação de bens de consumo importados, com receita estimada em R$ 8 bilhões, entre outras iniciativas. Outro problema apontado por Vieira é que o governo supõe que a tributação será aceita sem reação dos agentes afetados.

Avaliação feita pela XP Investimentos mostra que, com um crescimento econômico próximo a 1,8% ao ano no médio prazo, a regra fiscal proposta é incapaz de entregar os resultados primários e garantir a estabilização da dívida pública, mesmo com uma elevação de receitas de um ponto percentual do PIB.

“Isso só é possível se considerarmos tanto os parâmetros oficiais, que entendemos mais otimistas em termos de crescimento potencial, quanto medidas que aumentem as receitas de forma permanente a partir de 2023 acima de 1% do PIB”, diz o economista Tiago Sbardelotto, da XP.

A Genial Investimentos segue na mesma linha. Segundo avaliação da equipe de macroeconomia da corretora, para que a dívida pública se estabilize com esse cenário, é necessário um superávit primário de cerca de 2% – muito acima das projeções mais otimistas do mercado e do próprio governo.

“A relação dívida/PIB só se estabilizaria com diminuição na taxa de juros. Ou seja, até o momento, há uma falta de detalhamento que gera certas inconsistências na nova regra fiscal”, diz relatório.

Para Vieira, “o governo parece embebido em um otimismo um tanto acima da realidade dos fatos para apresentar seus planos, especialmente quando, supostamente, não inclui o aumento de impostos.”

Regra fiscal depende de aprovação do Congresso

Outro ponto de interrogação está no Legislativo, destaca o economista-chefe da Infinity. "Tudo está sendo colocado como se o Congresso fosse em sua maioria favorável ao governo e não surgissem discussões e dissidências sobre os temas, especialmente relacionados aos gastos", diz.

Vale, da MB Associados, aponta que, politicamente, há bons sinais no ar, como a boa receptividade por parte da oposição, despertando poucas críticas mais contundentes. Uma exceção foi a do presidente do partido Novo, Eduardo Ribeiro, que disse que a nova política fiscal falha em resolver o problema e não está em conformidade com a realidade do país.

Vale acredita que as novas regras fiscais sejam aprovadas ainda neste primeiro semestre, após uma discussão rápida no Congresso, podendo fazer com que o Comitê de Política Monetária (Copom) já sinalize o início do ciclo de queda nos juros. “Dando tudo certo com a aprovação do arcabouço fiscal e a aceleração na tramitação da reforma tributária, há espaço para a Selic cair já no terceiro trimestre”, avalia.

Inflação tem peso grande na decisão sobre os juros

A economista-chefe da casa de análises TC, Marianna Costa, destaca que as novas regras fiscais são insuficientes, por si só, para baixar a taxa Selic. É preciso também haver uma desaceleração da inflação.

“O processo de queda dos preços virá por pressões menores da demanda e da oferta. A desaceleração da atividade e a menor oferta de crédito são fatores que pesam mais sobre a dinâmica da inflação em um prazo mais curto”, diz.

Segundo a professora Margarida Gutierrez, do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração de Empresas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/UFRJ), o balanço de riscos para a inflação, no momento, afasta a possibilidade da redução na Selic no curtíssimo prazo.

A inflação em 12 meses, que em fevereiro atingiu 5,6%, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), deve continuar caindo até o fim do primeiro semestre. Porém, a realidade muda no segundo semestre, com o ano podendo fechar com uma inflação próxima a 6%, por duas razões:

  • em julho, agosto e setembro do ano passado houve deflação, oferecendo uma contribuição negativa para o IPCA. Ao longo do segundo semestre, essa influência desaparece;
  • o mercado de trabalho permanece relativamente aquecido, mesmo com o aumento da taxa de desemprego. A tendência, segundo analistas, é de que a massa de rendimentos continue crescendo, ajudada pelas transferências do governo, o que mantém pressão na inflação, especialmente de serviços.

Há fatores, entretanto, que podem contribuir para uma queda da inflação. É o caso da redução do preço de algumas commodities e a desaceleração do crédito e da atividade econômica. “Mas, em um equilíbrio de forças, ainda predominam os riscos de alta”, diz a professora do Coppead/UFRJ.

Banco Central observa mais a inflação futura

Outro fator a se prestar atenção, em relação à queda na taxa Selic, é a desancoragem das expectativas de inflação. Ou seja, elas estão ficando mais distantes do centro das metas, que são de 3,25% para 2023 e de 3% para 2024 e 2025. Todas elas têm um intervalo de tolerância de 1,5 ponto porcentual para cima ou para baixo.

Desde dezembro, a mediana das projeções para o IPCA de 2023 passaram de 5,36% para 5,96%; as de 2024, de 3,50% para 4,13%; e as de 2025, de 3,02% para 4%, segundo o boletim Focus, do BC.

Esta é uma questão que o Banco Central está acompanhando minuciosamente. “Observamos uma desancoragem das expectativas de inflação para os prazos mais longos. Este é um desenvolvimento que acompanhamos com atenção, mas vamos observar a cada Copom todo o conjunto de informações disponíveis para avaliar”, disse a diretora de assuntos internacionais do BC, Fernanda Guardado, ao jornal “Valor”.

Segundo ela, será possível pensar em cortes nas taxas de juro quando houver maior certeza do processo de convergência da inflação às metas. A última expectativa de bancos, corretoras e consultorias divulgada pelo boletim Focus, do Banco Central, sinaliza para uma taxa de juros de 12,75% no final do ano, o que sinalizaria para uma queda de um ponto percentual em 2023.

Ataque de Lula ao Banco Central alimenta incertezas e piora expectativas

A diretora de macroeconomia e sócia da Tendências Consultoria, Alessandra Ribeiro, afirma que é preciso reduzir as incertezas sobre a economia brasileira para que também se viabilize a queda nos juros. “Com menos incerteza, o câmbio se aprecia e abre espaço para a inflação cair”, explica.

Um dos fatores que também contribuem para a ampliação das incertezas e ruídos sobre a economia brasileiros são as críticas de políticos e autoridades, lideradas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), à política de juros do BC.

A diretora da Tendências afirma que o governo daria ajuda fundamental se parasse de “bater” no Banco Central: “Isto é um desserviço e contribui para deixar elevadas as incertezas. É preciso deixar as instituições de Estado trabalharem”.

As incertezas econômicas atingiram, em março, o maior nível desde julho de 2022, aponta indicador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). Segundo a economista Anna Carolina Gouveia, um dos fatores que pesaram foi a intensificação do debate entre governo e BC.

Porém, não há sinais de trégua de Lula nos ataques ao Banco Central. Em vídeo enviado na sexta-feira (3) a integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável, o “Conselhão”, o petista afirmou que o país não pode continuar com uma “política de juros escorchantes”.

Manutenção de metas de inflação pode ajudar no corte nos juros

Outro sinal de incerteza que ainda predomina é em relação às metas de inflação, também criticadas por Lula. Em junho, os ministros da Fazenda, Fernando Haddad; do Planejamento, Simone Tebet, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, se reúnem no Conselho Monetário Nacional (CMN), para definir a meta de inflação para 2026.

“Para ancorar as expectativas é preciso, além do arcabouço fiscal, que não haja mudança nas metas de inflação”, diz o economista-chefe da Daycoval Asset Management, Rafael Cardoso.

Um eventual aumento na meta de inflação poderia criar um cenário mais complicado para uma redução na taxa Selic. “Poderia piorar as expectativas e deixar o BC sem espaço para promover o corte, por causa de pressões inflacionárias”, enfatiza a diretora da Tendências.

Em entrevista à GloboNews na segunda-feira (3), Haddad disse que nunca discutiu sobre mudanças na meta da inflação e destacou que o debate não deveria ter sido feito neste cenário. O ideal, de acordo com o ministro, seria inicialmente focar na política fiscal, para, a partir daí, discutir questões relacionadas à política monetária, ou seja, aos juros.

Porém, horas mais tarde Haddad conversou sobre a questão das metas com o presidente do BC, conforme o próprio ministro relatou na terça-feira (4) em conversa com investidores.

"Há uma discussão se mudança de meta ancora ou desancora [expectativas de inflação e juros]. Também tratei desse assunto com o Roberto Campos Neto aqui para aferir a opinião dele a respeito deste debate, não a opinião dele sobre a meta, porque não estamos discutindo isso neste momento, não discutimos esse assunto ao longo deste ano", disse Haddad em evento do Bradesco BBI, conforme relato da "Folha de S.Paulo".

Segundo o ministro, outras questões serão discutidas quando o CMN for fixar as metas de inflação dos próximos anos. Uma delas é a eventual implantação de uma meta contínua de inflação, adotada em alguns países, em vez da meta para o ano-calendário, como ocorre hoje no Brasil.

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