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Veja dados que mostram a presença do Estado na economia brasileira |
Veja dados que mostram a presença do Estado na economia brasileira| Foto:

Pesado

Crítica recai sobre alta dos gastos

No ano passado, o governo federal arrecadou R$ 429 bilhões, ou quase 25% do PIB. Seus dois principais gastos foram custeio e pagamento da folha salarial, que juntos somaram 73% das despesas públicas.

Esses gastos vêm crescendo acima do PIB nos últimos anos e são o principal ponto de crítica de quem prega um peso menor do Estado no Brasil. "Temos uma economia de país emergente e gasto de país rico. O Estado brasileiro é um dos mais pesados do mundo", critica Alexandre Marinis, diretor da Mosaico Economia Política. O governo Lula tem defendido a expansão dos gastos como uma forma de reaparelhar o setor público para cumprir suas missões básicas – educação, saúde e segurança. Mas há outra função que ficou para trás desde a conquista da estabilidade econômica: os investimentos. Para controlar os gastos, os investimentos do governo caíram abaixo de 2% do PIB, o que se reflete em portos, estradas e aeroportos no limite da capacidade.

Presença

Veja alguns exemplos da atuação do Estado que têm impacto direto no mundo dos negócios.

Estatais – o governo no Brasil é dono de mais de cem empresas, entre elas a gigante Petrobras, a Eletrobrás e a Embrapa.

BNDES – através do banco, o governo empresta recursos para centenas de empresas e, em diversas delas, é sócio dos empreendimentos.

Sindicatos – boa parte das receitas das centrais sindicais é garantida por repasses feitos pelo governo, que gere o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Fundos de pensão – grandes estatais, como Banco do Brasil e Petrobras, têm fundos de pensão nos quais o governo consegue influenciar. Como eles aplicam bilhões de reais, têm grande poder de fogo para ajudar empresas e viabilizar projetos.

Agências – através das agências reguladoras, o Estado monitora alguns dos mercados mais importantes, como os setores de aviação, eletricidade e telecomunicações. São elas que estabelecem regras, metas e autorizam reajustes.

Concorrência – é também papel do estado garantir que haja concorrência nos mercados através da atuação de órgãos como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e da Secretaria de Direito Econômico (SDE).

Intervenção para manter estabilidade econômica

Nos últimos 15 anos, o Brasil apren­­deu que é função básica do Estado atuar para manter a estabilidade econômica. Isso se traduz em políticas fiscais responsáveis, que resistam à tentação do uso de um superpoder – a capacidade de im­­primir dinheiro – para pagar suas contas, e o fortalecimento do Banco Central, instituição que tem como meta principal manter o po­­der de compra do real no longo prazo.

Com a conquista da estabilidade, os governos voltaram a desenhar uma atuação do Estado que incentivasse o crescimento. A defesa do intervencionismo se baseia no argumento de que o governo tem de selecionar setores estratégicos e criar políticas específicas. "O Estado desenha a estratégia, que pode envolver a regulação, a criação de empresas, ou ambos", afirma o economista Rubem Sawaya, professor da PUC-SP. Entre os exemplos de intervenções estão a criação da Petrobras e da Embraer – esta última um caso único entre países emergentes.

Economistas mais liberais argumentam que existem limites para a atuação do Estado. A criação de empresas, por exemplo, é normalmente vista como ineficiente porque, geralmente atrás da proteção do Estado, elas têm poucos incentivos para evoluir. Aqui, a Embraer serve como exemplo. Só com a privatização ela deu o salto que a levou para o grupo dos quatro grandes fabricantes de aviões do mundo. A Petrobras, com parte do capital aberto em bolsa, teve de passar por uma reforma administrativa que incluiu melhorias importantes no seu sistema de governança corporativa.

Para os liberais, é sempre preferível que haja incentivos para que a iniciativa privada cuide dos negócios. "É importante que o Estado gas­­te bem, invista em educação, saú­­de e, quando necessário, em in­­fraestrutura básica", argumenta o eco­­nomista Cláudio Considera, professor da UFF. Em um ambiente com segurança institucional, estabilidade monetária e incentivos (co­­mo apoio para incubadoras tecnológicas e indústrias emergentes), os empreendedores privados da­­riam conta de criar novas empresas.

A grande dificuldade para quem vê os planos dos governos é identificar até que ponto uma intervenção será eficiente. O Estado brasileiro foi capaz de expandir a malha ferroviária do país até um ponto, certamente abaixo do necessário, mas não tinha recursos financeiros ou gerenciais para fazer com que ela cumprisse a missão básica de transportar o maior volume possível. Até a privatização do setor, a malha Sul, que engloba o Paraná, transportava 8 milhões de toneladas por quilômetro útil (TKU, uma medida de eficiência). Em 12 anos de iniciativa privada, esse volume pulou para 35 milhões de TKU. A Vale dá mais dinheiro para o governo – que continua seu sócio – com uma gestão privada.

Resta a questão: o Brasil estaria melhor com menos intervenção? A resposta correta está na qualidade e não na quantidade de presença pública. Se como produtor de minério de ferro o Estado se mostrou menos eficiente que a iniciativa privada, ele é uma das poucas fontes que financiam incubadoras e o único capaz de prover educação para todos.

Os brasileiros terão até as eleições de outubro uma excelente oportunidade para discutir que tipo de intervenção do Estado na economia é desejável para o país. O assunto – admita-se, pouco palatável e dos mais permeados por ideologias – apareceu nas últimas semanas em comentários e discursos de candidatos.

A interação entre Estado e mercado é o mecanismo que está por trás do funcionamento das relações econômicas no país. Ela tem gradações, que vão da quase ausência de presença estatal até a concentração total da produção nas mãos do Estado. Existem dezenas de combinações testadas em todo o mundo e o Brasil es­­tá construindo desde a Cons­­tituição de 1988 seu próprio sistema. A tendência, porém, é clara: o Estado está ganhando mais força.

Para desespero de ultraliberais e socialistas, nem mercados livres, nem o estatismo puro entregam o que se espera da relação entre Estado e mercados. Todos os países desenvolvidos optaram pela soma de ingredientes como a propriedade privada e o estímulo à livre iniciativa, à educação pública e alguma forma de proteção social provida pelo Estado. Para funcionar, os opostos trabalham juntos.

Há, porém, diferenças entre os países. Tome-se o exemplo da França. Em uma mostra do peso estatal, as lojas do país só podem fazer promoções durante dez semanas do ano, cinco no inverno e cinco no verão. É uma restrição comercial imposta pelo Estado e que não seria aceitável nos Estados Unidos. Mas uma boa parte dos americanos inveja o sistema de saúde pública francês, que alcança toda a população – tanto que o governo Barack Obama conseguiu aprovar há algumas semanas uma reforma que amplia o acesso a seguros de saúde e que aqueceu disputas ideológicas no país.

O modelo que se desenha no Brasil é de um Estado que pretende ser mais ativo na economia. Ele já está entre os que mais recolhem impostos em todo o mundo – a carga tributária de 2009, de 35% do PIB, é comparável à da Ale­manha. O governo tem participação em grandes companhias, entre elas a Petrobras, que exerce na prática um monopólio no refino de combustíveis no país e ganhou de bandeja a exclusividade na exploração do petróleo pré-sal. Nos últimos anos, o setor público também se apresentou como um parceiro de negócios através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e de pacotes fiscais que são direcionados a setores estratégicos.

A reação à crise econômica foi a última cartada no aumento de poder do Estado. Ao reduzir alguns impostos e colocar os bancos públicos para conceder crédito, o governo deu suporte para que a economia brasileira saísse da recessão com poucos arranhões. Nesse processo, o peso dos bancos públicos na concessão de crédito passou de 36,5% para 41,5% do total.

"A discussão é internacional, porque na crise a China, que é controlada pelo Estado, se saiu muito bem. No Brasil, o governo Lula já vinha com programas que aumentam o papel do Estado e o país também foi bem no ano passado", comenta o economista Rubem Sawaya, professor da PUC-SP e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Economia Política. Sawaya defende que o movimento de maior intervenção estatal pode tornar sustentável o crescimento brasileiro. "Os momentos nos quais o país mais cresceu foram aqueles com maior influência do Estado, nas décadas de 50 e 70. Agora vemos uma retomada da organização estatal voltada para o crescimento."

Eficiência

Um dos principais argumentos em favor do peso maior do Estado é que ele seria capaz de fazer coisas que o mercado não faz – ou que a sociedade não quer deixar em mãos privadas. A discussão entre estatistas e liberais se acirra quando o Estado faz o que o mercado estaria disposto a fazer. A partir dos anos 50, emergiu uma política de desenvolvimento que se baseava na criação de empresas estatais que substituíssem importações ou fizessem investimentos em infraestrutura. Foi assim que surgiram a Companhia Siderúrgica Nacio­nal (CSN), Vale, Petrobras, Em­­braer, e o sistema Telebrás.

A versão mais recente dessa política é a criação de estatais em áreas de tecnologia – é o caso da Ceitec, que produz circuitos integrados em Porto Alegre. Há também o polêmico projeto de ressuscitar a Telebrás para que ela leve a banda larga para um número maior de municípios – ideia que está cercada de dúvidas sobre as intenções que a fizeram progredir dentro do governo. Outra característica do estatismo no século 21 é o uso do BNDES co­­mo financiador, e às vezes só­­cio, de fusões que criam grandes grupos nacionais, como a união de Brasil Telecom e Oi.

Uma dessas fusões chegou a um limite perigoso: o monopólio. No setor petroquímico, a união de Braskem e Quattor concentrou em uma única companhia, com forte presença do governo através da Petrobras, toda a produção nacional. Agora, o governo pretende montar uma grande companhia de energia com a união de CPFL, Neoenergia e Brasiliana, com ajuda de grandes fundos de pensão.

"É um retrocesso achar que a criação de novas grandes estatais levará ao desenvolvimento", critica o economista Sabino da Silva Porto Jr., professor da Univer­sidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). "A atuação do Estado, seja diretamente o através do BNDES, fortalece a apropriação de recursos pú­­blicos por grupos de interesse. E isso aumenta o risco de ineficiência."

Regulação

Os críticos da criação de novas estatais lembram que o projeto de privatizações dos anos 90 se baseava na ideia de que o Estado passaria a regular de forma mais intensa a atividade privada. "A ideia era ter técnicos regulando setores importantes, sem interferência política e que ajudariam o Estado a assumir um papel de indutor do desenvolvimento", diz o economista Cláudio Considera, professor da Universidade Federal Flu­mi­­nense (UFF) e ex-secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda. "As agências foram enfraquecidas durante boa parte dos últimos anos e há agora a tentativa de voltar a unir Estado e produção", observa.

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