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demissão sem justa causa
Presidente do STF e oriunda da Justiça do Trabalho, Rosa Weber já votou pela aplicação da convenção da OIT| Foto: Divulgação/STF

Um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que se arrasta há quase 20 anos, em razão de sucessivas suspensões por meio de pedidos de vista, voltou a alarmar parte dos empresários: a análise de uma ação que busca restabelecer no Brasil a validade da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que exige que toda demissão tenha uma “causa justificada”.

A possibilidade de o julgamento ser retomado ocorreu depois que o STF fixou, em dezembro, que todo pedido de vista tem um prazo máximo de 90 dias. Depois disso, o processo tem de ser liberado novamente pelo ministro que solicitou a vista.

Com o novo prazo, até o meio do ano, poderá ser retomada a análise da ação que pode proibir as demissões sem justa causa. Já há oito votos entre os 11 ministros e a data de retomada do julgamento só dependeria da presidente do STF, Rosa Weber, que fez carreira na Justiça do Trabalho.

A apreensão surgiu da suposição de que a adoção dessa norma internacional, caso determinada pelo STF, acabaria com a demissão sem justa causa no Brasil. Parlamentares e empresários protestaram nas redes sociais, dizendo que isso inviabilizaria a gestão e competitividade das empresas. Se toda dispensa tiver de ser motivada, isso criaria não só mais uma burocracia para o empregador, mas também um novo risco: de uma avalanche de novas ações trabalhistas para questionar o motivo alegado, com demitidos exigindo na Justiça a reintegração no emprego ou uma indenização pesada da empresa.

É o que manifestou, no processo, a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). “Na prática, com a Convenção 158, todos os empregados da iniciativa privada serão ‘estáveis’”, argumentou a entidade, acrescentando que outra exigência da convenção é a negociação prévia com sindicatos antes de uma demissão coletiva – algo “inexequível”, em seu entender. A consequência lógica, no mercado de trabalho, seria uma forte inibição nas contratações.

“Por certo que haveria uma nova leva de demissões de empregados, além do encarecimento dos produtos e de favorecimento aos produtos importados”, alertou a entidade patronal. “A criação de obrigações não compatíveis com a Constituição, como no caso concreto, provocará o surgimento de um passivo bilionário para as empresas, o que prejudica o princípio da proteção do Direito do Trabalho num aspecto coletivo.”

A Convenção 158 da OIT tem por objetivo proteger o empregado contra demissões arbitrárias. Ela admite como justificativas para a dispensa a falta de capacidade do trabalhador para o serviço, comportamento inapropriado, por um lado, mas também as “necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço”.

Assim, ao demitir um empregado, a empresa poderia alegar dificuldades financeiras ou mesmo inovações tecnológicas que tornaram aquele trabalhador desnecessário para suas atividades. Não seriam aceitas como causas justificadas para a demissão a participação do trabalhador em atividades sindicais, queixas formais contra o empregador por violação de leis ou regulamentos, além de raça, cor, sexo, estado civil, responsabilidades familiares, gravidez, religião, opiniões políticas, ascendência nacional ou origem social do empregado.

A convenção prevê a possibilidade de o trabalhador recorrer à Justiça do Trabalho para questionar o motivo da demissão e diz que caberia à empresa provar a existência de uma causa para a dispensa. Os juízes poderão rejeitar essa justificativa, especialmente nos casos em que a demissão se deu por necessidades da própria empresa.

Nos casos de demissões coletivas, por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos – ou seja, da própria empresa –, o empregador ainda teria de comunicar e negociar com os sindicatos formas de evitar ou reduzir a quantidades de dispensas ou atenuar seus impactos, encontrando novos empregos para os demitidos, por exemplo.

Como surgiu debate sobre proibir demissão sem justa causa

Essas regras foram criadas na 68ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho, realizada em Genebra, em 1982, entraram em vigor no plano internacional em 1985 e, no Brasil, foram aprovadas em 1992 pelo Congresso. Em abril de 1996, o presidente Fernando Henrique Cardoso promulgou sua vigência, mas, em dezembro do mesmo ano, a revogou. Em 1996, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) acionou o STF para cassar a revogação, alegando que ela deveria também ser aprovada pelo Congresso.

Desde então, e com uma composição diferente da atual, a maior parte dos ministros já votou, mas em diversas sessões ao longo dos anos, com julgamentos sempre interrompidos com pedidos de vista. A primeira interrupção ocorreu em 2003 e a última, em novembro de 2022.

Até o momento, há oito votos entre os 11 ministros, todos no sentido de que o Congresso deve mesmo aprovar a revogação. Mas dentro desse grupo, há variações. Três ministros –Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa (já aposentado) – entendem que, pelo fato de o decreto de revogação não ter sido aprovado pelo Congresso, ele é inconstitucional e a convenção deve valer de imediato. Outros três ministros – Dias Toffoli, Nelson Jobim (aposentado) e Teori Zavascki (já falecido) – entendem que a aprovação pelo Congresso de revogações deve valer só para casos futuros. Maurício Corrêa e Carlos Ayres Britto entenderam que o Congresso ainda deve referendar a revogação para ela valer de fato. Faltam agora os votos de Gilmar Mendes, o último a pedir vista, André Mendonça e Nunes Marques.

A expectativa, nos bastidores, é que o STF não determine a aplicação imediata das regras, dando ao Legislativo oportunidade de confirmar a revogação. Um sinal negativo de incorporação da convenção já foi dada pelo próprio Congresso diversas vezes. Em 2008, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou uma mensagem à Câmara questionando se a norma internacional deveria, afinal, ser aprovada novamente. Desde então, três comissões emitiram pareceres contrários, em 2008, 2011 e 2019.

Na última vez em que o tema foi discutido, em outubro de 2019, o então secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Rogério Marinho, que relatou em 2017 a reforma trabalhista, disse que a aprovação da convenção iria aumentar a informalidade no mercado de trabalho. “O empregador se sentiria ainda mais temeroso de estabelecer o vínculo formal, uma vez que haveria restrição clara para o desligamento do trabalhador em caso de dificuldade econômica ou necessidade da empresa”, disse à época.

"Não estamos diante de algo tão revolucionário", diz advogado trabalhista

O advogado, mestre e doutor em Direito do Trabalho pela USP Carlos Eduardo Ambiel não acredita, no entanto, que eventual incorporação das regras traria grande impacto no mercado de trabalho, exceto pela maior burocracia para as empresas. Ele diz que a própria convenção já estabelece que, em caso de demissões injustificadas, caberia uma indenização.

Isso já existe no Brasil desde a década de 1960, que é o direito do trabalhador sacar o saldo depositado pelo empregador no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), acrescido da multa de 40% sobre o montante, em caso de demissões sem justa causa.

Mesmo nos casos em que a empresa demite o funcionário por enfrentar dificuldades financeiras, a indenização também é paga – a convenção da OIT, em tese, permitiria que ela se livrasse da multa nessas situações. Fora isso, o empregado demitido sem justa causa ainda tem direito a receber valores relativos ao aviso prévio e férias não gozadas.

“Não estamos diante de algo tão revolucionário. Não vai ter mudança nas demissões individuais porque o Brasil já tem proteção contra dispensa sem justa causa. Só quando o empregado é dispensado por justa causa, por falta disciplinar, mau comportamento ou desempenho, que ele perde indenização. E nesses casos ainda pode questionar na Justiça. E quando é mandado embora, por causa econômica ou tecnológica, ganha indenização. Somos mais protetivos que a convenção”, diz Ambiel.

Segundo ele, é possível que, caso a convenção seja adotada no Brasil, juízes possam obrigar a empresa a reintegrar o funcionário, mas ele prevê que tribunais superiores, como o Tribunal Superior do Trabalho (TST), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou o próprio STF derrubem determinações do tipo. Um problema maior, em caso de aplicação da convenção, estaria relacionado às demissões coletivas.

Para esses casos, porém, já existe decisão do STF, proferida em junho de 2022. Num julgamento sem relação com a convenção, a Corte estabeleceu que as empresas não precisam de autorização prévia dos sindicatos para dispensas em massa, mas devem comunicá-los para tentar atenuar seus impactos e ouvir das entidades possíveis alternativas.

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