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Crítico contumaz da política fiscal, Felipe Salto, economista da Tendências Consultoria Integrada e especialista em finanças públicas, diz poder afirmar, com segurança, que o superávit primário do setor público consolidado opera com 50% do necessário para estabilizar a relação dívida bruta/Produto Interno Bruto (PIB). Para ele, o Governo Central (Banco Central, Tesouro Nacional e Previdência Social) foi o principal responsável pelo déficit primário de R$ 11,046 bilhões do setor público consolidado de maio.

O Banco Central divulgou na segunda-feira um déficit primário consolidado do setor público de R$ 11,046 bilhões em maio. Em abril tinha sido um superávit de R$ 16,896 bilhões. O que explica movimentos bruscos assim?

Ao apresentar um déficit de R$ 10,502 bilhões em maio, o Governo Central foi o principal responsável pelo déficit de R$ 11,046 bilhões do setor público consolidado. O bom resultado de abril resultou da contabilidade criativa do governo. Entre outras coisas, o governo postergou o pagamento de precatórios. Em maio, o primário voltou para o terreno negativo.

Por que o governo mais uma vez recorreu ao artifício da "contabilidade criativa"?

Porque o secretário do Tesouro, Arno Augustin, tinha se comprometido com uma meta de superávit positiva no primeiro quadrimestre.

O que mais o preocupa nessa política fiscal do governo?

O que mais preocupa são os controles na boca do caixa. Isso é feito em momentos de dificuldades para fazer superávits, mas está se tornando recorrente.

Cite algumas armas deste arsenal.

Refis (programa de renegociação de dívidas dos contribuintes com a União), não contabilização de despesas com subsídios ao BNDES e receitas e dividendos que são fabricados nestas operações triangulares entre o Tesouro Nacional e bancos públicos.

Quais consequências esse procedimento pode trazer para a economia?

Risco à sustentabilidade das contas públicas e uma herança fiscal ruim para o próximo presidente, que poderá ser a própria Dilma Rousseff.

A situação é tão ruim mesmo ou vocês analistas exageram nas cobranças ao governo?

O primário recorrente do setor público hoje está em torno de 0,6% do PIB. É muito baixo em relação ao necessário para estabilizar a relação dívida/PIB. Esse número hoje precisaria estar em 2,31% do PIB para estabilizar a dívida bruta.

Mas o senhor considera as concessões como receitas legítimas, embora atípicas?

Mesmo considerando as concessões como receitas legítimas, o primário recorrente ainda é baixo. É de 1% do PIB.

Mas, nesse caso, a necessidade de primário para estabilizar a relação dívida/PIB se torna menor, não?

Mas podemos dizer com segurança que mesmo assim o primário opera com 50% do necessário para estabilizar a relação dívida/PIB. O governo abandonou a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que é um dos pilares do regime de metas no controle da inflação. É por isso que estamos com o IPCA perto do teto da meta.

E o que fazer se a economia não cresce?

O ideal seria crescimento com inflação controlada. Para isso, o setor público precisaria deixar os excessos com gasto corrente, com pessoal e transferências. Isso tem pressionado a demanda num momento de queda da oferta. Precisaria sinalizar com metas transparentes para o mercado.

O senhor quer dizer interferir nas expectativas...

Sim, porque muito disso é expectativa. Basta o governo dizer que vai migrar para um primário de 2,5% no horizonte de dois anos e estabelecer regras de controle de gastos correntes. Poderia incluir nestas regras os gastos com pessoal da ativa. Poderia limitar a taxa de crescimento dos gastos correntes a 50% ou 60% da taxa de crescimento prevista para o PIB.

Está sugerindo que a taxa de crescimento dos gastos públicos correntes seja a metade da taxa de expansão do PIB?

Sim. Se o PIB crescer 2%, os gastos correntes do governo podem crescer 1% e os gastos com pessoal, 4%. Pode-se dizer que os gastos não estão crescendo na porcentagem do PIB, mas ocupam espaço muito grande e nada indica que vão parar de crescer.

Mas o que o senhor está propondo é exequível?

A LRF, no seu artigo 72, já limita as despesas com pessoal a determinados porcentuais da receita líquida real. O segundo passo seria tomar medidas no âmbito do resultado nominal, que hoje é negativo por termos gastos com juros líquidos muito altos

Por que isso acontece?

Quando o Tesouro empresta ao BNDES, ele recebe os recursos de volta corrigidos pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), de 5% ao ano, enquanto os títulos emitidos pelo Tesouro são corrigidos pela Selic, que está em 11% ao ano.

Mas o governo prega que estas operações resultarão em investimentos mais à frente.

Esta política existe desde 2008 e não vimos crescimento dos investimentos. A Formação Bruta de Capital Fixo era de 19,1% do PIB. Hoje é de 18,2%.

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