A construção civil é uma das áreas que tendem a se beneficiar mais com a aprovação da lei sobre a terceirização.| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Os avanços na votação do projeto que regulamenta a terceirização de mão de obra (PL 4.330/2004) estão reacendendo o debate sobre as relações de trabalho no Brasil, após uma década de poucas discussões nessa área. De um lado, a classe empresarial e a maior parte dos deputados federais defendem a mudança; de outro, centrais sindicais, movimentos sociais e órgãos como o Ministério Público do Trabalho (MPT) veem retrocesso na medida.

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Como é comum em debates trabalhistas, o conflito se dá a partir da dificuldade de conciliar as ideias de modernizar a atividade empresarial e de preservar direitos dos trabalhadores. Em trâmite há mais de uma década, o projeto avançou nas últimas semanas – teve o texto-base aprovado e aguarda a votação de destaques (emendas) na Câmara dos Deputados, antes de seguir ao Senado – e desencadeou intensos movimentos favoráveis ou contrários à proposta.

Os apoiadores têm ido a Brasília pressionar a classe política, enquanto os refratários promoveram protestos em diversas cidades do país na última semana. As divergências são grandes e acontecem, inclusive, entre colegas – o PSDB está reavaliando a posição adotada na aprovação do texto-base, enquanto o governo federal abriga setores que discordam entre si sobre o teor do projeto.

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Gestão petista

A volta do tema à agenda pública acontece pela primeira vez durante um governo do PT, historicamente ligado ao trabalhismo e que enfrenta dificuldades para impor sua pauta no Congresso. As últimas mudanças significativas na lei trabalhista brasileira ocorreram sob o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), com medidas como criação do contrato temporário e regulamentação do banco de horas e do acordo de compensação da jornada.

Tema repercute entre leitores da Gazeta

O projeto de lei que regulamenta a terceirização no Brasil tema do editorial da Gazeta nesta sexta-feira e repercutiu entre os leitores. Mais de 30 internautas opinaram sobre a proposta. Para participar do debate, basta acessar a matéria, fazer login e comentar.

Professor de Direito Trabalhista da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Sidnei Machado observa que o país não avançou no sentido de uma reforma coesa e unificada, mas rumou por avanços pontuais e nem sempre convergentes – a terceirização é o capítulo mais recente desse avanço desordenado. “O Brasil tem muitas políticas trabalhistas contraditórias, sem padrão: há medidas que ampliam os direitos dos trabalhadores e, logo depois, vêm medidas que as restringem.”

Enquanto as alterações feitas pelo PSDB atenderam especialmente a demandas empresariais, as do PT – como regulamentação do aviso prévio e PEC das Domésticas – estiveram mais relacionadas às causas trabalhistas, o que torna surpreendente a votação da terceirização durante a gestão petista. “Se este projeto for aprovado, será uma vitória do empresariado e uma grande derrota para o PT”, analisa o advogado trabalhista Rodrigo Fortunato Goulart, coordenador da Câmara de Trabalho e Previdência da Associação Comercial do Paraná (ACP).

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O Brasil é um dos países com as regras trabalhistas mais rígidas do mundo: aparece nas posições 135 e 125 em indicadores globais de práticas de demissão e contratação, e flexibilidade na determinação de salários, respectivamente, que formam um ranking do Fórum Econômico Mundial.

Ocorre que a flexibilização dessas relações, embora seja defendida pela classe empresarial, não necessariamente se reverte em desenvolvimento. Estudos como o Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation, em que o Brasil figura na modesta 118ª posição, indicam que fatores como respeito ao direito de propriedade e maior abertura comercial parecem ter relação mais forte com o desenvolvimento.

Não à toa, mais de 60% da agenda de propostas prioritárias elaborada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) versa sobre temas não ligados às relações de trabalho, como questões tributárias e ambientais.

Paraná tem maioria de deputados a favor do projeto

A maioria dos deputados federais do Paraná votou, no início do mês, pela aprovação do texto-base do projeto de lei. Dezessete entre os 30 parlamentares do estado foram favoráveis à proposta, contra 11 deputados contrários à medida. Os deputados favoráveis à proposta foram Alex Canziani (PTB), Alfredo Kaefer (PSDB), Dilceu Sperafico (PP), Evandro Rogerio Roman (PSD), Fernando Giacobo (PR), Leandre (PV), Leopoldo Meyer (PSB), Luciano Ducci (PSB), Luiz Carlos Hauly (PSDB), Luiz Nishimori (PR), Osmar Bertoldi (DEM), Osmar Serraglio (PMDB), Ricardo Barros (PP), Valdir Rossoni (PSDB), Rubens Bueno (PPS), Sandro Alex (PPS) e Sergio Souza (PMDB).

Já os políticos contrários ao PL foram Aliel Machado (PCdoB), Assis do Couto(PT), Christiane de Souza Yared (PTN), Diego Garcia (PHS), Enio Verri (PT), Hermes Parcianello (PMDB), João Arruda (PMDB), Marcelo Belinati (PP), Nelson Meurer (PP), Toninho Wandscheer (PT) e Zeca Dirceu (PT). Entre os senadores, que vão apreciar a proposta assim que se encerrar o trâmite na Câmara, o cenário é diferente. Gleisi Hoffmann (PT) e Roberto Requião (PMDB) são contrários ao texto, enquanto Alvaro Dias (PSDB) está aguardando o posicionamento da bancada do partido na Casa.

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Projeto opõe empresários e centrais sindicais

O ponto mais crítico do projeto que regulamenta a terceirização é a extensão desse instrumento à atividade-fim de uma empresa – hoje, regulamentada pela súmula nº 331, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a prática é proibida, ficando limitada às atividades-meio, como de limpeza e segurança.

Quem defende a mudança afirma que o projeto irá estimular a produtividade e atualizar a legislação, que “foi verdadeiramente atropelada pela realidade”, conforme argumento que consta no projeto original, apresentado pelo deputado federal Sandro Mabel (PL-GO) em 2004. “Precisamos adaptar o Brasil às condições de capital e trabalho dos nossos competidores”, diz o presidente da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), Edson Campagnolo.

A regulamentação do trabalho terceirizado é um dos 18 itens que formam uma agenda de propostas prioritárias elaborada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), com vistas a aumentar a competitividade do setor produtivo, reduzindo as amarras legais. “Uma vez regulamentada a lei, prevemos a abertura de novas vagas de emprego, já que empresas tendem a surgir para fortalecer a mão de obra especializada”, afirma o presidente da Associação Comercial do Paraná (ACP), Antonio Miguel Espolador Neto.

Os opositores da proposta, de outro lado, dizem que o crescimento da terceirização vai precarizar a mão de obra no país e argumentam que trabalhadores inseridos nessa categoria costumam ter direitos desrespeitados – segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT), os índices de acidente de trabalho e de descumprimento de obrigações trabalhistas são maiores entre os terceirizados.

Também há temor de que haja enfraquecimento da representação sindical, já que as empresas passariam a abrigar profissionais vinculados a diversas associações de classe, sem centralização. “Isso esvazia a negociação coletiva, que é um direito garantido. A empresa terá de negociar com diversos sindicatos e precisará definir uma série de condições de trabalho distintas”, diz Sidnei Machado, professor da UFPR.

MPT cogita recorrer ao STF, se terceirização for aprovada

As principais entidades contrárias ao projeto de lei 4.330/2004 alegam que a medida, além de danosa aos trabalhadores, é inconstitucional. Por isso, cogitam ingressar, como o Ministério Público do Trabalho (MPT), com uma Ação direta de inconstitucionalidade (Adin) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), caso a proposta avance no Congresso e seja sancionada.

A alegação é de que a medida fere princípios constitucionais ao terceirizar a atividade-fim de uma empresa, o que afeta, por exemplo, o direito à greve e os acordos e convenções coletivas, conforme entendimento do Ministério Público. “Esperamos que o Congresso consiga reavaliar essa situação. Não somos contrários ao crescimento das empresas, mas tem de haver um equilíbrio em relação aos direitos dos trabalhadores” diz o procurador do Trabalho Alberto Emiliano de Oliveira, do MPT-PR.