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Em entrevista ao jornal "O Globo", o ministro da Fazenda, Guido Mantega, previu juros menores num possível segundo mandato e defendeu adoção de um redutor para gastos públicos. Mantega diz estar acostumado a eleições. Esta é sua quinta, desde 1989, sempre ao lado de Luiz Inácio Lula da Silva. Por isso, parte para a ofensiva com as três diretrizes de um eventual segundo mandato: redução da carga tributária, diminuição da burocracia e contenção de gastos.

Pelo menos, em seu gabinete, os sinais de austeridade são evidentes: o ministro se acomoda numa cadeira com um rasgado. Ele disse já haver acordo no governo para a adoção de um redutor de despesas obrigatórias a partir de 2007 e defendeu programas de gestão na Saúde e na Previdência Social. E foi enfático ao garantir que há todas as condições para os juros baixarem. Confira abaixo a íntegra da entrevista concedida às repórteres Flávia Barbosa e Martha Beck, do jornal O Globo.

GLOBO: O segundo turno foi uma supresa?

MANTEGA: Já estou acostumado com emoções fortes. Não tem campanha tranqüila. É muito difícil uma eleição passar em brancas nuvens. Ninguém deixou de trabalhar intensamente. Mas a bomba veio de fora, o exocet nos pegou de surpresa. O dossiê (contra o PSDB), isso alterou o resultado certamente. Senão (Lula) teria ganho por 15% de diferença.

Quais são as diretrizes econômicas de Lula em um segundo mandato?

MANTEGAResponsabilidade fiscal, combate à inflação e redução da vulnerabilidade externa. Não há razão para mudar. E vamos fazer uma política monetária mais flexível.

As condições para manter juros em queda persistirão?

Claro. A inflação está abaixo de 3%. Ninguém tem dúvida hoje de que a inflação está domada, temos 2006 e 2007 tranqüilos. Isso dá espaço para que a política monetária continue sua trajetória de flexibilização e é um dos pilares para um crescimento mais acelerado que haverá a partir de 2007. Estamos reduzindo a Selic há um ano, a TJLP, todas as taxas de juros brasileiras.

Mas muitos analistas acham que o cenário externo não será este céu de brigadeiro a partir de 2007. O senhor não acredita em riscos?

A avaliação mais realista é a que podemos ter alguma desaceleração da expansão dos EUA em 2007. Mas isso nos afeta pouco.

Por quê?

Temos as exportações crescendo 16,8% por ano. Se crescer 12%, não faz grande diferença. Temos um mercado interno que se robustece pelo estilo de desenvolvimento que implantamos, que cria emprego, gera massa salarial. Então, compensamos. E a vulnerabilidade do Brasil é a menor de todos os tempos. Quando assumimos (2002), tínhamos US$ 15 bilhões de reservas e devíamos US$ 20 bilhões só para o FMI. Liquidamos esses pagamentos e temos hoje US$ 74 bilhões em reservas, que semana que vem serão as maiores da história. E agora elas são nossas, não capital volátil como em 1998. A situação é absolutamente inédita. O governo que pegar essa situação deve beijar os pés de seu antecessor. Vai ser difícil o Lula beijar os seus próprios pés.

Por que os analistas não enxergam um 2007 de crescimento forte como o senhor?

As condições nunca foram tão favoráveis. É agora. Até o petróleo caiu, não vai precisar fazer reajustes de combustível. Nós caminhamos para um juro real próximo dos países emergentes, que não pode ser mais do que 4% ou 5%, normal de um país que conseguiu se consolidar, como o Brasil. No passado, era um país arriscado, com contas públicas desequilibradas. Subimos um degrau. Dá para subir mais um. Para que esse crescimento se consolide, nós precisamos de mais investimentos.

Por que o Brasil não consegue atrair investimentos? Analistas apontam problemas regulatórios, carga tributária elevada...

Eu concordo em parte com o diagnóstico. O nosso desafio é multiplicar o investimento, de fato. O que fazer? A primeira coisa é custo financeiro. Essa primeira lição de casa nós estamos fazendo. No setor de energia elétrica, fizemos o marco regulatório. O modelo anterior nos levou a uma crise violenta em 2001, não servia. A área de ferrovias está tendo um investimento inédito, empresas lucrativas. Essa área vai muito bem obrigado. Há um mito no Brasil de que as agências reguladoras não funcionam. O governo anterior deixou uma confusão, agências feitas às pressas. Não definiu recursos para elas, quadro funcional, atribuições. Definimos e demos mais dinheiro. Avançamos.

Então, qual a amarra?

Falta reduzir a carga tributária. O governo já está fazendo isso. É uma desvantagem para o investidor brasileiro, que precisa ter carga menor e estrutura tributária mais fácil. O produtor passa de um estado para o outro por causa de ICMS. Essa confusão tem que acabar. Colocamos como prioridade uma reforma tributária que simplifique.

Isso passa só pela unificação do ICMS ou ainda pela criação de um Imposto de Valor Agregado (IVA)?

Num estágio mais simples passaria pela unificação do ICMS. Numa versão mais sofisticada passa pelo IVA, mas demora mais para implementar. Num terceiro estágio, passa pela nota fiscal eletrônica conjunta. Esse é o maior avanço que nós temos na área tributária. Uma instância única, das receitas estaduais e federal, emitindo uma nota.

Se trabalharia com o texto de reforma que está no Congresso ou com um novo?

Estamos definindo para ver se partimos logo para o IVA. Mas a nota eletrônica caminha independentemente. Temos acordo com São Paulo e Bahia, e temos que ampliar. Mesmo que não se aprove a reforma, esse aperfeiçoamento já vai entrar. O contribuinte precisa de desburocratização. Também trabalhamos a abertura e o fechamento de empresas. Há um folclore que diz que no Brasil você precisa de 150 dias para abrir uma firma. Isso é verdade só para poucas empresas, 5%, 2%, tipo hidrelétrica, que precisa de licença ambiental. A média é de três a 15 dias.

E como elevar o investimento público, estacionado?

O governo está conseguindo ampliar modestamente o investimento em infra-estrutura, mas temos restrições orçamentárias. O meu plano é colocar em prática um redutor de despesas correntes, já há consenso na Junta Orçamentária (Fazenda, Planejamento e Casa Civil) e eu gostaria de implantar no ano que vem. Se a despesa corrente for de 17,5% do PIB, por exemplo, no ano seguinte você limita a 17,4%. Cada 0,1 de redutor são R$ 2,2 bilhões. Para que você faça isso você tem que ter uma melhoria no gasto público.

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