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Apesar da tendência de alta na inadimplência, varejistas parcelam cada vez mais no carnê | Daniel Castellano/ Gazeta do Povo
Apesar da tendência de alta na inadimplência, varejistas parcelam cada vez mais no carnê| Foto: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo

Para vender mais, lojas ignoram risco de calote

Carlos Thadeu de Freitas, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio e ex-diretor do Banco Central, alerta que, ao concederem crédito por conta própria, as lojas ficam com o risco do calote e desempenham função que não é do varejo, mas foi assumida porque "comerciantes precisam vender". Segundo Freitas, os consumidores se queixam cada vez mais da dificuldade de acesso a crédito.

"Os bancos têm receio de emprestar e não receber, porque as taxas de juros estão altas. Quem vai conseguir pagar empréstimos de longo prazo com taxas de juros de 4% a 5% ao mês? As famílias estão muito comprometidas com dívidas de longo prazo, como financiamento habitacional, empréstimo consignado. Elas usam cartão de crédito e cheque especial para cobrir buracos no orçamento. A tendência é a inadimplência subir", diz.

Especialistas afirmam que enquanto a média de aprovação de cadastros pelos bancos em operações com redes de lojas é de 30%, no varejo chega a 60%. Outro atrativo é o prazo de pagamento. No cartão, o limite máximo costuma ficar entre dez ou 12 meses. No carnê, com tradição no pagamento em parcelas a perder de vista, são encontrados planos de 24 prestações. Os varejistas dizem que o aumento de receitas compensa a eventual alta da inadimplência. Outra vantagem é que não precisam dividir a receita de juros.

"Economia defensiva"

O economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito e Financiamento (Acrefi), Nicola Tingas, diz que o crescimento do uso dos carnês no varejo é um movimento de "economia defensiva", uma forma de girar o estoque e controlar custos. "É preciso ter habilidade para avaliar esse risco do consumidor. Não pode ser muito grande para não comprometer a rentabilidade da empresa", explicou.

O desaquecimento da economia, a alta dos juros e as maiores exigências dos bancos para liberar crédito trouxeram de volta ao varejo uma tradicional opção de pagamento, o carnê. A rede de eletrodomésticos Ponto Frio planeja ressuscitar o talão, usado como alternativa ao cartão de crédito e ao financiamento de instituições financeiras. O sistema já está sendo oferecido como projeto-piloto em lojas de diferentes cidades.

Nas Lojas Cem, rede paulista de móveis e eletrodomésticos, o carnê já responde por 60% das vendas. A modalidade de pagamento é apontada como a responsável pelo crescimento geral do movimento da rede de 18%. De acordo com o IBGE, as vendas no comércio varejista caíram 0,7% em junho e subiram 4,9% no ano. A loja opera com recursos próprios e parcela as compras em até 20 vezes no talão. "Controlamos a nossa política de aprovação de crédito via carnês. O nosso índice de aceitação é de 70%. Se tivéssemos parceria com um banco, seria menor", afirma o supervisor geral da empresa, José Domingos Alves.

Fidelização

A avaliação é que esse tipo de venda é mais rentável do que pagar as taxas cobradas pelas administradoras de cartão de crédito. Sem o "pedágio" do banco, a rede cobra de 3,75% a 5,43% ao mês, contra uma taxa média de 5% ao mês nos bancos. A estratégia é também uma forma de fidelizar o cliente, que costuma ir até a loja para pagar a prestação. Alves ressalta, porém, que junto com o uso do crediário, a taxa de inadimplência (medida pelos atrasos acima de 60 dias) também cresceu: passou de 4,3% em 2013 para 4,7% neste ano.

"A volta do carnê é resultado principalmente da queda nas vendas. As lojas estão se virando para atrair o consumidor, porque os estoques estão muito elevados, seja de automóveis, geladeiras ou camisetas. Estão oferecendo carnês e cheque pré-datado, que também disseram que ia acabar, mas continua forte. O carnê tem a vantagem de atender pessoas que já esgotaram seu limite no cartão de crédito ou querem deixar o cartão para outras coisas. Mesmo que eu pague uma geladeira em 12 vezes, o valor abatido do meu cartão é o total, uns R$1.500. Isso acaba com o limite", explica Miguel Ribeiro de Oliveira, vice-presidente da Associação Brasileira de Executivos de Finanças.

Foi o que aconteceu com o açougueiro Juarez Alves de Jesus, 24 anos. Como o saldo para compras em seu cartão de crédito era insuficiente para pagar a TV de 32 polegadas, de R$ 998, recorreu ao carnê. "No carnê, consigo limites maiores. Tenho um cartão, mas o juro, se eu não pagar em dia, é muito alto. E também já não tenho limite", diz.

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