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Carlton Bynum II tem um site, GetLikes.click, que vende visualizações no YouTube, além de seguidores no Instagram e no Twitter, curtidas no Facebook e “plays” no SoundCloud. | Scott DaltonNYT
Carlton Bynum II tem um site, GetLikes.click, que vende visualizações no YouTube, além de seguidores no Instagram e no Twitter, curtidas no Facebook e “plays” no SoundCloud.| Foto: Scott DaltonNYT

Martin Vassilev ganha um bom dinheiro com visualizações falsas de vídeos do YouTube. Trabalhando de casa em Ottawa, Ontário, já vendeu cerca de 15 milhões de views neste ano, o que provavelmente vai lhe render US$ 200 mil. Ele dono de apenas um dos sites que oferecem views no YouTube, curtidas no Facebook e assim por diante. 

Com base em dezenas de entrevistas, registros de vendas e compras experimentais de visualizações fraudulentas, o New York Times examinou como o mercado funciona e testou a capacidade de detecção da manipulação.

A prática viola os termos de serviço do YouTube, mas uma busca no Google por compra de visualizações mostra centenas de páginas oferecendo maneiras “rápidas” e “fáceis” de aumentar a contagem de um vídeo em 500, cinco mil ou mesmo cinco milhões — que também aparecem nos anúncios pagos, oferecendo visualizações por apenas alguns centavos cada.

Depois do Google, o YouTube é o segundo site que registra o maior número de buscas. É a plataforma mais popular entre os adolescentes, de acordo com um estudo de 2018 feito pelo Centro de Pesquisas Pew, batendo gigantes como Facebook e Instagram.

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Com bilhões de acessos a vídeos por dia, o site ajuda a estimular sensações culturais globais, gerar carreiras, vender marcas e promover plataformas políticas. E assim como outras empresas de mídia social que são atormentadas por contas fantasmas e campanhas de influência artificiais, o YouTube enfrenta as visualizações falsas há anos.

Vassilev, 32 anos, não assiste aos vídeos pessoalmente. Seu site, o 500Views.com, conecta os clientes com serviços que oferecem visualizações, curtidas e “descurtidas” geradas por computadores, não seres humanos. Quando um fornecedor não consegue cumprir um pedido, Vassilev rapidamente se conecta a outro — como um operador de painel de comando moderno.

Martin Vassilev, dono do 500views.com, em um hotel em Ottawa, Ontário, no Canadá. Ele leva uma vida boa vida vendendo views no YouTube.  Apenas em 2018 deve faturar US$ 200 mil assim.Renaud PhilippeNYT

“Posso garantir uma quantidade ilimitada de visualizações para um vídeo. Eles tentam acabar com isso há anos, mas não conseguem. Sempre há uma maneira de contornar os bloqueios”, disse Vassilev. 

O ecossistema de falsificações do qual Vassilev faz parte pode prejudicar a credibilidade do site ao manipular a moeda digital que atesta o valor para os usuários. Administradores do YouTube, por sua vez, dizem que as visualizações falsas representam apenas uma pequena fração do total, mas que ainda têm um efeito significativo ao enganar consumidores e anunciantes. 

Para testá-los, um repórter do NYT adquiriu milhares de visualizações de nove empresas. Quase todas as compras, feitas para vídeos não associados com a organização de notícias, foram efetivadas em cerca de duas semanas.

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Uma dessas empresas é a Devumi.com. De acordo com registros da companhia, ela já ganhou mais de US$ 1,2 milhão em três anos vendendo 196 milhões de visualizações no YouTube. Quase todas permanecem nos vídeos até hoje.

Uma análise desses registros, de 2014 a 2017, mostra que a maioria das encomendas foi concluída em poucas semanas, embora as de um milhão de visualizações ou mais tenham levado mais tempo. Fornecer volumes grandes de forma barata e rápida é frequentemente um sinal de que um serviço não utiliza a audiência real.

Os clientes da Devumi incluíam um funcionário da RT, organização de mídia financiada pelo governo russo, e um funcionário da Al Jazeera English, outra empresa estatal. Outros compradores eram um cineasta trabalhando para o Americans for Prosperity, um grupo conservador de defesa política, e o chefe de vídeo no New York Post. Al Jazeera e o Post disseram que os funcionários não estavam autorizados a fazer tais compras e que já não trabalhavam mais lá.

Vários músicos compraram visualizações para parecer mais populares, já que os números do YouTube influenciam em métricas da empresa Nielsen e paradas de sucesso, incluindo a Hot 100 da Billboard.

Algumas empresas compraram visualizações para clientes com a promessa de promoção na mídia social, que resultaria em pessoas reais assistindo a seus vídeos.

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Como o YouTube tenta barrar a venda de views

“Trabalhamos com esse problema há muitos anos”, disse Jennifer Flannery O’Connor, diretora de gestão de produtos do YouTube. Ela explica que os sistemas da empresa monitoram continuamente a atividade de um vídeo, e a equipe antifraude muitas vezes compra visualizações para entender melhor como esses sites operam. “Nossos sistemas de detecção de anomalias são muito bons.”

Mesmo assim, os desafios são grandes: em um dado momento, em 2013, o tráfego de bots disfarçados de pessoas no YouTube era tão grande quanto o de humanos reais, de acordo com a empresa.

Alguns funcionários temiam que isso fizesse com que o sistema de detecção de fraude deixasse de funcionar corretamente, classificando tráfego falso como real e vice-versa, possibilidade que os engenheiros chamam de “Inversão”.

“O problema foi imenso”, disse Blake Livingston, membro da equipe combate a fraudes e abusos do YouTube na época e que já não trabalha mais na empresa. As devidas correções, no entanto, foram feitas, aliviando o surto de tráfego falso, que, segundo o YouTube, foi o resultado de um ataque contra o site.

O YoutTube não divulga o número de visualizações falsas que bloqueia todos os dias, mas afirma que suas equipes trabalham para mantê-las a menos de 1% do total. Ainda assim, com a plataforma registrando bilhões de visualizações diárias, dezenas de milhões de falsas visitas podem estar ocorrendo também.

“A manipulação da contagem será um problema enquanto as visualizações e a popularidade que elas representam continuarem sendo a moeda do YouTube”, disse Livingston.

Vassilev levou aproximadamente 1,5 ano para deixar de viver com o auxílio do governo e morar com seu pai no Canadá até comprar uma BMW 328i branca e uma casa própria.

No final de 2014, seu site aparecia na primeira página dos resultados de buscas do Google para a compra de visualizações do YouTube, recebendo de 150 a 200 pedidos por dia e ganhando mais de US$ 30 mil por mês, garantiu ele. “Eu nunca acreditei que era possível ganhar tanto dinheiro on-line”, disse. A encomenda feita pelo repórter do NYT a ele, de 25 mil vistas, foi completada em um dia.

Um porta-voz do Google, que pertence à mesma companhia que é dona do YouTube, disse que sites de venda de visualizações aparecem em resultados de buscas porque são relevantes, mas que não havia “espaço para melhorias” em termos de alertas aos usuários.

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Vassilev não quis dar o nome de seus clientes, mas disse que muitos pedidos saem de relações públicas ou de empresas de marketing.

Hoje, ele obtém a maioria das visualizações através do SMMKings.com, um fornecedor controlado por Sean Tamir, 29 anos., que cobra cerca de US$ 1 por mil visualizações, que Vassilev revende por US$ 13,99, garantindo 100 curtidas gratuitas.

Várias vezes por ano o YouTube faz alterações em seu sistema de detecção para tentar evitar as visitas falsas, segundo Tamir. Um episódio recente ocorreu no final de janeiro, mas muitos dos sites já estavam funcionando algumas semanas mais tarde, quando o repórter do NYT fez a maioria das encomendas para a reportagem.

Os fornecedores dizem que contornam as atualizações do sistema fazendo com que seu tráfego pareça mais “humano”, fazendo com as visualizações se pareçam com as de usuários verdadeiros e registradas anteriormente, por exemplo.

Engenheiros, estatísticos e cientistas de dados do YouTube estão constantemente melhorando sua capacidade de combater o que O’ Connor descreve como “um problema muito difícil”. “O problema é que os ataques estão sempre se fortalecendo e se sofisticando”, disse ela.

Depois que o repórter do NYT mostrou ao YouTube os vídeos para os quais havia comprado visualizações, a empresa disse que os vendedores tinham explorado duas vulnerabilidades que já tinham sido corrigidas e não deviam mais existir.

Mais tarde naquele dia, o repórter comprou mais visualizações de seis dos mesmos vendedores. A contagem subiu outra vez, embora mais lentamente. Uma semana depois, todos os vendedores, com exceção de dois, haviam cumprido o prometido.

Os sites de vendas continuam a anunciar com aparente impunidade. Um post no YouTube Creator Blog avisando os usuários sobre as visualizações falsas tem inúmeros comentários com links para essas páginas.

“A única maneira de o YouTube eliminar esse esquema seria removendo completamente o contador de visualização, mas isso acabaria com seu propósito”, disse Vassilev. 

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