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 | Giuliano Gomes/ Gazeta do Povo
| Foto: Giuliano Gomes/ Gazeta do Povo

Há 29 anos, o Chile convive com um mecanismo polêmico de financiamento da educação, em que o governo oferece subsídios às famílias para o pagamento das mensalidades escolares. O princípio é aparentemente simples: o dinheiro vem na forma de um documento, uma espécie de vale, que os pais apresentam ao colégio, público ou privado, onde desejam matricular o filho. Na disputa por mais estudantes (e mais recursos), as escolas seriam obrigadas a melhorar a qualidade do ensino ofertado. Para o doutor em Educação, Sebastián Donoso Díaz, porém, o sistema de vouchers demonstrou que não é a solução para os problemas da educação pública. Segundo o professor da Universidade de Talca, no Chile, a realidade daquele país comprova que é possível competir sem melhorar. Díaz esteve em Curitiba para uma palestra aos estudantes do programa de pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná e conversou com a Gazeta do Povo.

Como funciona o sistema de vouchers do Chile?

O sistema de vouchers funciona para a educação pública e também para a educação privada, que está aberta a ele. Os vouchers são entregues ao proprietário da escola. Alguns vêm direcionados para gastos específicos, outros o proprietário pode gastar da forma como quiser. O sistema chileno aplica valores distintos para a educação primária e a secundária, que certamente tem um valor mais alto. Para se chegar ao valor mensal há uma fórmula bastante complicada, calculada por meio da frequência mensal dos estudantes de um estabelecimento. A chave do financiamento está no fato de que os alunos assistam ao máximo possível de aulas por mês. Isso gera mais recursos para a escola.

Há outras variáveis que interferem no valor do voucher?

Também há variações se o aluno tem necessidades especiais e alguns valores complementares se o estudante estuda em escola rural ou em escola urbana considerada de alto risco, que está em território de difícil acesso ou com população muito vulnerável. O valor é maior nesses casos. Se o aluno é do setor rural, acrescenta-se mais ou menos 20% ao valor base do subsídio. Se o estudante apresenta necessidades especiais, o acréscimo é de 15%.

A escola recebe um valor por aluno?

É um valor por aluno/mês. Se forem menos de 20 dias de fre­quência por mês, calcula-se a diferença e se paga um pouco menos.

Qual é o valor atual do subsídio básico?

Na educação primária se recebe mais ou menos 100 dólares [R$ 169] e na secundária, cerca de 120, 130 dólares por estudante [entre R$ 200 e R$ 220], sempre que ele tiver assistido a todos os dias de aulas do mês.

As famílias podem escolher em que escola matricular os filhos?

Sim. Elas são absolutamente livres no sentido de que não são obrigadas a colocá-los na escola do bairro.

Quando e por que este sistema foi criado?

O sistema foi implantado em 1981, junto com outras reformas importantes. Antes, todas as escolas eram dependentes do Estado Federal e passaram a ser todas escolas públicas municipais. Os professores também passaram a depender do governo municipal. Isso ocorreu em pleno governo militar. Essa mudança, em uma democracia, teria sido impossível, porque as greves dos professores teriam sido eternas. As mudanças foram assentadas na ideia de que a educação teria de se incorporar à economia de mercado, por este sistema de cupons. Esse sistema se aplicou tanto ao setor de educação quanto ao de atenção inicial à saúde.

O objetivo era que as escolas, na competição por alunos, melhorassem a qualidade do ensino ofertado?

Exatamente. Imaginava-se que a competição iria provocar uma melhoria substantiva da qualidade da educação.

Isso aconteceu? Como o senhor avalia o sistema de vouchers?

O Chile demonstra que se pode competir sem melhorar. Depois de 30 anos, podemos dizer que temos competido e não melhorado.

As escolas particulares passaram a selecionar os alunos?

Precisamente. E algumas escolas dos municípios também selecionam. Pode-se competir sem melhorar por várias razões. Uma é porque o Chile tem um dos maiores índices de desigualdade social. Grande parte dos vouchers tem preço único. Portanto, eu tenho uma escola e me pagam o mínimo para atender a um aluno pobre e a um não pobre, e o pobre demanda mais serviços, enquanto outros demandam menos. Os menos custosos são os menos pobres. Com isso, se foi produzindo no sistema escolar chileno uma segregação enorme por universo econômico. E os mais pobres foram sendo relegados. A segunda razão é porque há sérios problemas de qualidade do sistema educacional e dos professores que o fenômeno dos vouchers não soluciona.

As escolas podem cobrar um valor adicional dos alunos?

Há um mecanismo extraordinariamente perverso que se chama financiamento compartilhado. Praticamente 80% dos estabelecimentos particulares que recebem subsídios do Estado cobram um adicional. Há uma escala. Se eu cobro certo valor, o Estado não desconta do meu subsídio. Se eu cobro um valor maior, começa um sistema de desconto. Mas isso aumentou a segregação. Hoje cada estabelecimento atende a um segmento social muito específico.

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