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Conselho de reitores propõe ampla reforma do ensino superior com interferência mínima do MEC
Waldemiro Gremski, presidente do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub) e reitor da PUCPR| Foto: João Borges/PUCPR

O Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub), entidade que representa instituições de ensino superior públicas, privadas e comunitárias de todo o país, elabora um projeto de ampla reforma no ensino superior. Dentre as propostas constam menor regulação por parte do MEC, maior alinhamento da produção científica às necessidades de cada região do país, mudanças nos sistemas de ensino e mais interação das universidades com a iniciativa privada.

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De acordo Waldemiro Gremski, presidente do Crub e reitor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), os impactos decorrentes da pandemia da Covid-19 na educação foram fundamentais para que as próprias universidades passassem a olhar com mais atenção para problemas estruturais do ensino superior. “Nossa busca é por uma universidade moderna, atual, que de fato faça a diferença no país. Não se desenvolve nenhum país no mundo sem uma boa educação de um lado e toda a parte da pesquisa e da produção do conhecimento do outro”, pontua Gremski.

Em entrevista à Gazeta do Povo, o presidente do Crub explica alguns dos problemas estruturais do ensino superior brasileiro, tanto público quanto privado, e aponta os caminhos a serem percorridos com a proposta de reforma da educação superior.

Inicialmente, gostaria que o senhor explicasse qual é exatamente o papel do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras.

Waldemiro Gremski: O Crub representa todo o sistema universitário brasileiro – universidades, faculdades, institutos, centros universitários. Em sua diretoria há representantes de várias instituições públicas (tanto federais quanto estaduais), particulares com fins econômicos e comunitárias. Isso faz com que o conselho tenha uma responsabilidade muito abrangente.

Representamos esse sistema universitário perante o Ministério da Educação (MEC), o Congresso Nacional e demais instituições, como também perante o setor privado. Hoje temos em torno de 100 instituições filiadas.

Tendo essa representatividade, nos preocupamos com o ensino superior como um todo, tanto na graduação quanto na pós, e também com o papel da universidade em relação ao desenvolvimento do país. Nossa busca é por uma universidade moderna, atual, que de fato faça a diferença no país. A educação, a pesquisa científica e a produção do conhecimento devem se transformar em bem-estar para a sociedade tanto do ponto de vista de formação de profissionais quanto da produção de ciência que resulta em inovação e tecnologia.

Consideramos que o nosso sistema de Ensino Superior está defasado, superado. Estamos muito distantes do que o mundo está fazendo, principalmente diante dessa Revolução 4.0 e das mudanças decorrentes da pandemia.

Antes de aprofundarmos nas propostas de reforma, gostaria de entrar no mérito da pesquisa científica realizada no Brasil, boa parte dela dentro das universidades. Apesar do alto volume em produção científica, o impacto da nossa pesquisa ainda é tímido. Por que isso acontece e o quais são os caminhos para mudar esse quadro?

Waldemiro Gremski: Nós produzimos, de fato, um volume de ciência muito grande. Somos o 11º país em número de publicações. Estamos bem situados quanto à produção e também à qualidade.

Porém é o que chamo de “ciência pela ciência”. Produzimos, temos bons laboratórios e bons pesquisadores, mas para que a ciência repercuta no desenvolvimento do país, ela tem necessariamente que gerar tecnologia, e essa tecnologia tem que se transformar em inovação. E a inovação vai resultar em novos produtos – um novo medicamento, um novo carro, uma nova geladeira, por exemplo – ou melhorias de produtos que já existem.

Em países como Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Coreia do Sul e, agora com muita força, a China, isso acontece muito. Mas por que aqui não acontece? Todo esse salto que a China teve nas últimas décadas foi resultado de investimento em ciência, mas em ciência que gera tecnologia, inovação e produtos, e consequentemente, riquezas para o país.

Em nossas universidades, em especial as públicas, temos dificuldade no relacionamento com a iniciativa privada. A universidade produz ciência, mas não tem vocação para produzir um novo bisturi ou um novo modelo de geladeira. Nós produzimos todo o sistema científico que responde por esse novo produto, porém quem vai transformar isso, de fato, em produto, será a empresa, o setor produtivo.

Isso acontece muito pouco no Brasil. Em vários países desenvolvidos, de 70 a 80% dos doutores formados pelas universidades estão em empresas tocando novos produtos baseados na produção das universidades; estão na ponta mostrando o caminho a seguir. Aqui, esse número não chega a 10%, embora formemos cerca de 23 mil doutores por ano, que é um número espetacular.

Nós formamos nossos doutores quase que exclusivamente para a academia, e com isso as empresas acabam não tendo o costume de contratar doutores. O país nunca desenvolveu o costume de a universidade trabalhar com as empresas.

O Crub faz a articulação entre as universidades e o MEC, e com isso acaba tendo contato com a Capes. A Capes cumpre bem o papel de fomentadora da pesquisa no Brasil?

Waldemiro Gremski: A Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] é a única entidade que pode formar doutores no país – o Brasil é a única nação do mundo que tem essa característica. Por exemplo: a Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná não pode formar doutores, não tem autorização para isso. A Universidade Federal do Paraná (UFPR) só pode formar doutores com a autorização da Capes. Se não for criada uma nova política de formação de doutores - que se adeque às necessidades do país -, vamos permanecer nesse cenário.

A sugestão que temos, e que passa pela reforma do Ensino Superior, é a Capes se aproximar muito do setor produtivo. Tudo na Capes é voltado apenas ao setor acadêmico, ela forma doutores para a academia.

Outro problema é que não há nenhum planejamento para a formação de recursos humanos. Se um grupo de doutores de uma universidade pensar em criar um mestrado ou doutorado em Direito, por exemplo, vai mandar à Capes o pedido de licença. A Capes não vai questionar a área a ser estudada, não vai avaliar se essa área já está recebendo financiamento de pesquisa em outro estado ou se há outra área prioritária que esse grupo de doutores poderia se dedicar. Vai apenas destinar recurso público para o curso.

A Capes não olha para as necessidades do país em termos de pesquisa, ela avalia se a instituição tem competência; se tem, a Capes financia com as bolsas. Com isso, nossa formação de recursos humanos é movida pela inércia. Tem pedido de financiamento pelo Amazonas cujo tema pode ser muito importante para outro estado, como o Rio grande do Sul, enquanto o Amazonas teria outras necessidades. É preciso pensar nas necessidades de desenvolvimento de cada região e entrar com recurso para resolver esses problemas. Se a instituição quiser abrir doutorados em outras áreas, pode abrir - mas não terá financiamento público.

Falta esse planejamento. O principal objetivo é fazermos um ensino superior em que haja planejamento. Isso tem que ser feito pelo Estado junto com a sociedade e as próprias universidades. Empresas fazem planejamento, nas nossas casas fazemos planejamento. Se não tiver isso no ensino superior, não saímos do lugar e não vai haver impacto no desenvolvimento do país.

A resolução dos principais problemas do ensino superior brasileiro passa pelo aumento de investimento ou por mudanças estruturais e até mesmo culturais nas próprias instituições?

Waldemiro Gremski: Sem entrar no mérito de ciência e tecnologia, a porcentagem do PIB que investimos em educação, que beira a 6%, está alinhada à média dos países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Não estamos devendo nada para outros países. Portanto, os problemas que temos no ensino não são necessariamente decorrentes da falta de recursos. Agora, a distribuição desses recursos representa um problema.

O Brasil despende cerca de US$ 15 mil ao ano por aluno em média, porém, quando se olha a universidade (falando das federais, não estaduais), cada aluno custa em média US$ 11 mil anualmente. Isso significa que sobra para cada aluno do ensino básico cerca de 3,8 mil dólares. É uma discrepância muito grande. Aí está o porquê de os 6% do PIB acabarem não resolvendo os problemas da educação.

Isso é um sinal complicado. Seria positivo trazermos para cá um modelo que acontece na Austrália, no qual há financiamento do governo para os alunos que estudam nas universidades públicas, e depois que eles se formam eles devolvem para o país proporcionalmente ao salário ganho. Esse é um dos aspectos que precisam ser rediscutido nessa reforma do ensino superior.

Outro aspecto fundamental é que o mundo mudou: as novas tecnologias obrigam as universidades a se adequarem, obrigam elas a mudarem sua sistemática de ensino. Aquela aula expositiva, passiva, com o aluno no fundo da sala, não existe mais. Hoje, com o celular, o aluno tem acesso a quase tudo o que é ensinado em sala de aula. O que tem que ser feito na universidade é uma formação totalmente ativa.

A reforma quer pegar nesse aspecto, em formação de universidades dinâmicas, porque a legislação atual amarra as instituições, tanto públicas quanto privadas. Nossa ideia é reduzir a regulação – a universidade brasileira hoje está totalmente engessada. É preciso possibilitar a criatividade nessas instituições.

Acredito que um aluno não precise ficar na universidade cinco dias da semana. Ele pode vir três dias e ficar dois dias em casa assistindo aulas teóricas a distância sem problemas. O aluno precisa ler, trabalhar... Como vamos formar uma pessoa que trabalha o dia todo e à noite fica até quase 23h na universidade?

De um lado, existem leis que precisam ser revistas, de outro há metodologias do ensino que precisam ser atualizadas por competência e não por conteúdo. Pretendemos, com essa proposta, não acabar com as aulas, mas torná-las completamente diferentes. Essa universidade lenta de o aluno ir para lá todo dia, sentar no banco, anotar algumas coisas, fazer uma prova... Isso não faz mais sentido.

Qual foi o papel que os impactos da pandemia no ensino tiveram quanto a fomentar esse tipo de mudanças?

Waldemiro Gremski: A pandemia foi fundamental para que as universidades acordassem para essa realidade que acabei de falar. Talvez o que nós fazemos hoje - se não fosse a pandemia -, levaria mais uns dez anos pelo menos [para mudar]. A pandemia nos obrigou a toda essa mudança (ensino remoto, ensino híbrido, etc.), e as instituições de ensino tiveram que se adequar às tecnologias. [Quanto aos] professores, muitos deles não tinham a mínima noção de como dar uma aula a distância, hoje são treinados, preparam aulas, gravam aulas. Isso fez com que tecnologicamente o ensino superior evoluísse. As universidades tiveram que se adequar a essa nova realidade, que, na minha opinião, veio para ficar.

A universidade pública também acompanhou esse processo?

Waldemiro Gremski: Eu acho que a universidade pública vai acompanhar. A pública ficou grande parte de 2020 sem funcionamento, enquanto as privadas todas funcionaram. Então no caso das públicas fatalmente vão ter que aderir, porque isso está se espalhando extraordinariamente. Essas mudanças tem a ver com o perfil dos próprios alunos, que mudou.

Por que há essa maior lentidão por parte das universidades públicas, a exemplo desse longo período que muitas delas permaneceram paradas no ano passado, sem nem mesmo aulas remotas? 

Waldemiro Gremski: Sob certo aspecto, as públicas precisam de decisões mais efetivas. No caso delas, a discussão é extremamente burocrática; os conselhos se reúnem, discute-se muito, excessivamente, e às vezes faltam decisões efetivas. Acho que esse sistema de administração das universidades públicas precisaria ser mais efetivo.

Na prática, o que impede essas reformas estruturais é o excesso de regulação pelo poder público?

Waldemiro Gremski: Para a maioria dessas mudanças, é preciso de alterações na regulação do MEC. Essa regulação tem que abrir as portas para a criatividade das instituições. Nós temos que ter entidades de acreditação das universidades. Os Estados Unidos não têm ministério da educação, é tudo acreditação privada. O governo, por natureza, demora para reagir. Veja só, estamos com um ano e meio de pandemia, e o MEC pouco produziu, por exemplo, quanto a mudanças nos sistemas de aula.

Por isso a regulação tem que mudar, ela hoje "escraviza" o ensino superior. É preciso mais liberdade para as próprias instituições. O poder público tem que acreditar que lá existem pessoas competentes e que ninguém vai transformar isso em algo negativo. Se transformar, tem que ter uma punição.

Como está o andamento dessa proposta?

Waldemiro Gremski: Estamos negociando com várias entidades que representam as instituições públicas e privadas. Na sequência, iremos levar essas pautas ao Congresso. Já estamos conversando com parlamentares, inclusive nas próximas semanas temos uma conversa agendada com a deputada federal professora Dorinha Seabra Rezende, que é presidente da Comissão de Educação.

Também iremos atuar junto ao MEC. Dentro do Crub, temos nove entidades que o compõe, como a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) e a Associação Brasileira das Universidades Comunitárias (Abruc). Temos o apoio de todas elas. Todas estão colaborando, e isso é o que me traz confiança.

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