Discussão sobre o projeto Escola sem Partido será retomada em Belo Horizonte| Foto: Divulgação / Câmara Municipal de Belo Horizonte
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A Câmara Municipal de Belo Horizonte, em Minas Gerais, depois de aprovar em primeiro turno - e por grande maioria - o projeto Escola sem Partido, voltou a discutir o tema nesta semana. Mas a tramitação na Casa promete ser intrincada.

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De um lado, autores da proposta garantem que a "esquerda está desesperada porque sabe que será aprovada". Membros das duas comissões pelas quais o projeto deve passar ainda, no entanto, garantem que vão obstruir, postergar e fazer de tudo para que não vá para frente.

Um dos representantes da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, o vereador Gilson Reis (PCdoB), afirmou à Gazeta do Povo que as comissões desejam adiar a tramitação até que o plenário seja renovado, na próxima legislatura, quando, segundo ele, uma grande parcela "não será reeleita". "Espero que a gente enterre esse PL em janeiro de 2021. Estamos esperando vencer todos os prazos nas comissões", diz. "O projeto não interessa a ninguém, a não ser uma mera dúzia de pastores evangélicos".

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Outro agravante para a tramitação do PL é que, nesta semana, as atividades presenciais na Câmara foram suspensas, após o vereador Gabriel Azevedo (sem partido) ter anunciado que está com o novo coronavírus. Nas redes sociais, ele divulgou o resultado do exame com resultado positivo para a Covid-19. A Comissão de Direitos Humanos, dessa forma, só deve começar a analisar a proposta daqui a 15 dias.

Fernando Borja (Avante - MG), que está entre os autores da proposta, defende que não há intenção de criar nenhum outro direito para estudantes ou professores, além do que já assegura a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), por exemplo.

Direitos já garantidos

"O projeto não cria nenhum direito novo para o estudante, não cria nenhuma obrigação ao professor. Não estamos punindo ou pedindo pra multar alguém, propor advertência. O que queremos é, de uma forma simples, levar conhecimento ao aluno de seus direitos constitucionais, e mais nada", explica o vereador.

A proposta 274/2017 prevê que a atividade docente esteja consoante com os seguintes princípios:

"I - liberdade de aprender e de ensinar; II - liberdade de consciência e de crença dos estudantes; III - pluralismo de ideias; IV - neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado; V - direito dos pais sobre a educação religiosa e moral dos seus filhos, assegurado pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos".

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E ainda estabelece que o professor, em sala de aula, "não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias; não favorecerá nem prejudicará ou constrangerá os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas; não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas; ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, apresentar de forma justa, as principais versões, teorias, opiniões.

Autores afirmam que, nos últimos 20 anos pelo menos, docentes têm utilizado seu tempo em sala de aula para influenciar alunos a determinadas correntes políticas e ideológicas e fazem isso apoiados nos materiais didáticos. Sobretudo, segundo eles, os professores têm orientado alunos quando à conduta sexual.

"Entendemos que a educação sexual nas escolas tem que ter base científica comprovada. Por isso, a teoria de gênero ou diversidade de gênero não deve ser ensinada. Além disso, deve-se respeitar faixas etárias, não podemos ensinar sexualidade de adultos para crianças e favorecer a erotização precoce", afirma Borja.

Ao contrário do que prevê a proposta do movimento Escola sem Partido (ESP), coordenado pelo advogado Miguel Nagib, que foi recentemente desarquivado no Congresso Nacional, o projeto de BH não sugere que professores possam ser filmados. "Nós não pensamos em nada disso. Nossa maior estratégia é aprovar o texto o mais simples possível, para que se transforme em lei, e isso possa ser disseminado em todo o país de forma límpida, sem agarras, acusação", diz o vereador. "Isso, de gravar, não vai levar a nada. O que eu quero é que o aluno saiba de seus direitos. Esse momento é de conscientização, não de ficar brigando".

Ao menos 11 estados e o Distrito Federal possuem propostas semelhantes em suas casas legislativas. Apenas em Porto Alegre o Escola sem Partido foi aprovado, em dezembro de 2019, e vale para a rede municipal de ensino, após uma emenda que modificou o teor do projeto, tornando-o mais abrangente.

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"Estamos cansados de ver denúncias de alunos de que professores cometem perseguição política, bullying, disseminam preferências ideológicas", diz o vereador de BH. Recentemente, e como ação inédita no país, o ESP ajuizou um processo de reparação de danos contra o estado de Santa Catarina, responsabilizando-o pelo comportamento considerado "antiprofissional, antiético e antijurídico" de uma professora do município de Caçador. A aluna e a família afirmam terem sido vítimas de perseguição política, religiosa e ideológica por parte da docente.

Luciana Haas Leivas Laboissiere, professora, psicopedagoga e membro da Rede Estadual de Ação pela Família de Minas Gerais, critica a medida adotada pelas comissões frente ao Escola sem Partido. "Fica cada vez mais claro que essas pessoas que mais usam a palavra democracia são as que não aceitam quando a maioria vence. Não aceitam nem mesmo fazer uma discussão séria, baseada em leis", diz. "Nos seus debates, só existe a voz de quem é contrário ao projeto. Inclusive, quando são chamados para o debate, se esquivam e não comparecem. Não se trata de lei da mordaça, pois não cria nenhuma lei para o magistério. Apenas deixa claro a alunos e pais que o professor não goza de liberdade de expressão, mas liberdade de ensinar".

Nagib afirma que a resistência à aprovação do PL em BH e outras casas legislativas se deve, principalmente, a "organizações que lucram com a doutrinação e a propaganda ideológica, política e partidária nas escolas, como os partidos de esquerda, PT, Psol e PCdoB, os sindicatos de professores e o movimento estudantil".

"Ora, por que esse medo? Por que se sentir ameaçado por uma lei que apenas repete, numa linguagem mais simples, aquilo que já está na Constituição?", diz. "Porque eles sabem que, se os cartazes com os Deveres do Professor forem afixados nas salas de aula, conforme previsto no projeto, muitos professores que hoje se aproveitam da audiência cativa dos alunos para fazer pregação ideológica e propaganda político-partidária deixarão de fazê-lo".

Oposição

Para Reis, o programa é inconstitucional por ferir a liberdade de cátedra. E seria imoral, além disso, por "impor a visão de um setor". "Dos 41 vereadores, 16 são pastores evangélicos. Eles querem impor uma visão de sociedade do terraplanismo, da teoria criacionista. No fundo, eles odeiam a questão que envolve a livre orientação sexual, ideologia de gênero, condição da sexualidade das pessoas", diz.

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Embora tenha dito à reportagem que não discorda do PL na íntegra, o vereador não souber responder quando questionado sobre os pontos específicos com os quais não está de acordo.

Ainda segundo ele, alunos devem, sim, ser incentivados a participar de manifestações políticas - medida vedada pelo PL. "Temos que incentivar a juventude a participar da política, questionar o governo que temos", disse. "Esse é papel do professor, ensinar o aluno a ter posição crítica da sociedade. É profundamente equivocada esse tipo de atitude de cercear qualquer manifestação política. Educação é política".

Confusão

Após ser analisado pela Comissão de Direitos Humanos, o Escola sem Partido passará pela Comissão de Administração Pública e, em seguida, deve ser levado a plenário.

"Nessas duas [comissões] temos pessoas que vão segurar o projeto. Mesmo se quiserem votar, não votarão, não deixaremos. Vamos obstruir, fazer o que for possível, com muito mais força. Não terá chance", afirma o vereador Gilson Reis, que pode ser um dos relatores do PL na comissão de Direitos Humanos.

No último ano, a votação em primeiro turno foi marcada por confusão envolvendo a vereadora Isabella Gonçalves (Psol), Gilson Reis (PCdoB) e Mateus Simões (Novo). Um desentendimento entre os vereadores acabou em empurrão.

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"A presidente da Câmara de BH, também evangélica e defensora do projeto, mandou a polícia e a segurança espancarem professores dentro da Câmara. Foi um processo lamentável. O que querem é aplicar na força e marra um PL que a sociedade não quer. Essa direita evangélica, fundamentalista, além de ela ser burra, é violenta", ataca Reis.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]