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Memorizar é inútil. Não é necessário decorar nomes e datas para aprender, ainda mais agora que esse tipo de informação é facilmente encontrável na internet. As escolas precisam mudar o foco e buscar formar pessoas com capacidades mais avançadas de interpretação de sentenças e análise de informações complexas.

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Esse raciocínio é muito repetido, por especialistas e instituições de ensino. Escolas de renome, públicas e particulares, prometem formar alunos para as demandas do século 21 – e nesse contexto, a memorização costuma ser citada como uma ferramenta educacional superada.

O problema é: toda essa maneira de pensar está errada. Memorizar é uma técnica básica, que ajuda a formar conhecimento e, mais do que isso, desenvolve habilidades cognitivas fundamentais para que os alunos alcancem, em níveis mais adiantados, as tão desejadas habilidades complexas. Em outras palavras, sem trabalhar a memorização, as escolas vão formar pessoas que simplesmente não terão capacidade de interpretar sentenças e analisar informações complexas.

É assim que argumenta a psicóloga grega Helen Abadzi. Ela é atualmente pesquisadora da Universidade do Texas, em Arlington, mas por 27 anos, até 2013, foi funcionária do Banco Mundial, onde atuou pesquisando técnicas de aprendizado de diferentes países. Para dar conta dessa missão, tornou-se fluente em 19 idiomas, incluindo o português – esteve em várias missões no Brasil e conhece bem nosso sistema educacional. Nos últimos anos, a pesquisadora tem produzido uma série de trabalhos e artigos sobre o tema.

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Problema de base

“O Brasil tem um problema porque os professores e os estudantes pensam que a memorização é chata e desnecessária, então eles abandonam esses pré-requisitos, o que é lamentável”, afirma Helen Abadzi. “Muitos estudantes ficam para trás, e apenas os mais inteligentes acompanham”.

A professora frequentou o Brasil com frequência e observou muitas salas de aula de escolas públicas. “As escolas tentavam ser humanas, estimulavam as crianças a descobrir conhecimento, trabalhar em grupos. Mas a maior parte das crianças não consegue descobrir conhecimento, elas precisam ser ensinadas”, afirma. “Elas não estão em condições de julgar o que vão precisar saber na vida adulta, então não podem simplesmente decidir o que deveriam estudar. O resultado é que as escolas ensinavam pouco, e frequentemente os professores mantinham seus próprios filhos em escolas particulares.”

Valorizar a memorização não significa que a única função da escola seja estimular a decoreba. “Os estudantes não podem passar a vida apenas recitando a memorizando. Mas essas duas práticas fornecem informações que são pré-requisitos essenciais, que precisam ser recuperados em milissegundos”. Em outras palavras, apenas decorar, do ensino básico até a universidade, não é suficiente. Mas memorizar um conjunto básico de informações é essencial para gerar adultos e profissionais preparados. “A informação precisa ser apreendida primeiro, e então colocada em prática”.

O preconceito contra a memorização, diz ela, não é exclusivo do Brasil. “O conceito se tornou confuso e malvisto, quando, na verdade, a memorização é uma boa estratégia para armazenar dados em sequência, seja a tabuada, ou orações, canções, poemas. Muitas culturas apresentam canções patrióticas, por exemplo, que as crianças memorizam. Assim, consolidam esse tipo de técnica e se tornam mais capazes de conectar sequências e entender, por exemplo, um capítulo de um livro”.

Mecanismo ancestral

“É importante entender como o cérebro cria memória dos eventos”, explica Helen Abadzi. “A memória foi criada para garantir a sobrevivência animal. Os eventos e os estímulos têm valor para nossa sobrevivência, então a memória de curto prazo determina como vamos acessar as informações para resolver problemas urgentes – no passado, seria o surgimento de um predador. É um espaço muito curto, de no máximo sete informações para 12 segundos.”

As escolas se apoiam sobre esse mecanismo ancestral de sobrevivência, diz a professora. Assim como animais na selva, para nos lembrar instantaneamente de alguma coisa, precisamos praticar muito, num primeiro momento, e depois relacionar a outras práticas – é o que fazemos quando dirigimos e precisamos coordenar dezenas de movimentos simultâneos, cada um deles treinado por repetição e encadeado aos demais.

Acontece assim também na sala de aula. “Memorizar sequências é uma técnica eficaz. Praticar leitura, matemática, artes, cria longas cadeias a partir de informações curtas, e essas cadeias formam a memória de curto prazo. Para pensar criticamente, resolver problemas, fazer inferências, você precisa acessar, em milissegundos, os dados pontuais de sua memória de curto prazo”.

Ou seja: alunos que decoraram a tabuada para entender conceitos matemáticos mais complicados são mais preparados para as demandas complexas do século 21 do que aqueles que dependem de calculadoras. “A tabuada precisa ser memorizada”, afirma Helen Abadzi. “Obviamente a matemática precisa ser compreendida, mas você não consegue pensar em termos matemáticos se não acessar um conjunto de informações básicas”.

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