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O professor Edgar Silva dava aula para uma turma de 2.º ano do ensino médio no Colégio Expoente, em abril de 2003, quando a conversa de um aluno começou a atrapalhar. O professor chamou a atenção do adolescente, que, furioso, simplesmente se levantou, apagou as luzes da sala e saiu batendo a porta. "Ele quase derrubou a porta", recorda Silva. Depois, a escola descobriu que o mesmo estudante também agia de forma parecida com outros professores. Este não foi um caso isolado: alunos de escolas particulares estão cada vez mais agressivos e arrogantes, segundo o relato dos docentes.

Sérgio Vicentin, professor do Colégio Marista Paranaense, sabe de colegas que já foram alvo de bolas de papel, tinham alunos que simplesmente viravam as costas durante a aula e foram até ameaçados com o clássico "te pego lá fora". A prepotência, na sua opinião, aumenta de acordo com o poder aquisitivo da família do aluno, o que dá origem a outra famosa frase, ouvida sexta-feira passada por Vera Regina Pereira, diretora do Instituto Educacional Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba: "vi um aluno desperdiçando água e fui falar com ele. O rapaz respondeu que seu pai estava pagando." A professora retrucou que o pai pagava para o filho receber conhecimento e não para jogar água fora. "Quem me paga é o colégio. Quem paga ao colégio não me interessa", diz Vicentin.

No entanto, o dinheiro já falou muito alto e abriu as portas para a indisciplina, diz a supervisora e orientadora da unidade Água Verde do Expoente, Sônia Friedrich. "Há alguns anos, a competição ficou acirrada e as escolas particulares se perderam procurando clientes em vez de alunos. E, como dizem, o cliente sempre tem razão." Sua colega no Dom Bosco, Francisca de Fauw, afirma que só com atitudes é possível tirar da cabeça dos alunos a noção de que o dinheiro lhes dá o direito de fazer o que quiserem dentro da escola.

Família

Francis, como é chamada no Dom Bosco, não acredita que a culpa da indisciplina crescente seja dos pais, ou de sua ausência. "A família faz o que pode. É o mundo de hoje que estimula esse comportamento", argumenta. O coordenador disciplinar do Bom Jesus, Emílio de Castro Paiva, concorda e afirma que a escola é reflexo da sociedade como um todo. Outros professores pensam diferente. Para Vilson Benedito, vice-presidente do Sindicato dos Professores no Estado do Paraná (Sinpropar), os pais estão delegando às escolas a tarefa de dar educação. "Eles esperam que o colégio dê o que eles não deram", diz. Entre os episódios que ouviu de colegas está o de um aluno que atirou um copo cheio de água no professor.

O professor Vicentin lembra que a atitude da família varia entre a ausência e a superproteção, demonstrada quando os pais são chamados à escola por causa da indisciplina do filho: "o pai vai armado, disposto a defender o filho de qualquer modo. Faz isso para compensar a ausência." Sônia já recebeu ligações enfurecidas. "Falamos tanto em colocar limite nos alunos, mas há pais que também precisam aprender", diz. Quase sempre a primeira versão que a família ouve é a do adolescente e Vera afirma que muitos tentam jogar os pais contra a escola. "Quando o pai vem e confrontamos o aluno com o professor, a verdade aparece. Nessa hora o pai quer enfiar a cabeça num buraco", conta. Sônia tem experiências semelhantes com pais que lhe dizem "mas não foi isso que meu filho contou".

Mídia

Para o psicólogo Mário Sérgio Vasconcelos, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), os pais não seriam os únicos culpados. "A mídia, que passa valores morais que os pais não podem controlar, e a própria escola também têm responsabilidade. A criança passa 14 anos na escola, é possível que ela crie seu referencial de indisciplina lá dentro", argumenta. Vasconcelos defende que nem toda indisciplina é prejudicial ao desenvolvimento do aluno, embora admita que, em casos como os mencionados pelos professores, os estudantes extrapolam. "Indisciplina sempre existiu em qualquer lugar e é justamente quem reconhece sua existência é que sabe impor limites. Ela é parte do processo de crescimento, do contrário a criança fica extremamente passiva. O que está acontecendo é que a indisciplina virou violência generalizada", diz.

Benedito também afirma que muitos professores não sabem o que fazer por medo de infringir o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): "Claro que ninguém vai revidar uma agressão, mas a impressão é a de que estamos amordaçados, não podemos fazer nada porque o Estatuto não deixa." No entanto, os professores podem tomar medidas disciplinares, explica Divanor de Jesus, do Conselho Tutelar do Portão. "A cada direito corresponde um dever. Ao direito à educação está contraposto o dever de o adolescente se educar e respeitar as regras", diz.

Embora o texto legal não deixe explícita a obrigação de seguir o regulamento da escola, um parecer do Ministério Público esclareceu a questão. Em casos de atos infracionais, o estudante pode até ser levado à Delegacia do Adolescente. O conselheiro conta um episódio ocorrido com um diretor de escola: o aluno agressivo afirmava "se você fizer algo, eu chamo o Conselho Tutelar", e recebeu uma resposta classificada como sábia: "então vamos lá para saber quem tem razão".

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