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No Brasil, o dispêndio em P&D foi de 1,14% do PIB em 2018 e o valor vem caindo desde 2015, quando atingiu um máximo histórico de 1,34%. Investimos pouco e, pior, investimos mal.
No Brasil, o dispêndio em P&D foi de 1,14% do PIB em 2018 e o valor vem caindo desde 2015, quando atingiu um máximo histórico de 1,34%. Investimos pouco e, pior, investimos mal.| Foto: Unsplash

Um dos feitos científicos mais espetaculares da história recente foi o desenvolvimento da vacina contra a Covid-19 em apenas 10 meses. Um recorde notável. Geralmente, o tempo para o desenvolvimento de uma vacina é medido em escala de anos ou décadas. A agilidade nas respostas da comunidade científica à pandemia que atingiu o mundo em 2020 pode ser atribuída às pesquisas sobre o coronavírus em andamento há alguns anos, à infraestrutura preexistente e aos recursos financeiros investidos. Dados de 2018 revelam que o investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é, em média, de 2,38% do produto interno bruto (PIB).  Segundo artigo recente na revista The Economist, este percentual tem crescido sistematicamente nos últimos 40 anos. Apesar dos impactos econômicos resultantes da pandemia, não há indícios de diminuição deliberada de investimentos em P&D nos próximos anos nestes países. Pelo contrário, a crise sanitária emergente deixou ainda mais clara a importância da ciência. Em 2020, o governo francês prometeu aumentar o orçamento destinado à pesquisa em 30% em dez anos. Os investimentos em P&D na China têm crescido acima do crescimento no PIB. De 2019 a 2020, o aumento foi de 12,5%, chegando a 2,23% do PIB. O objetivo de curto prazo é chegar a 2,5%. A pressão da competição chinesa e, principalmente, o otimismo com o início da gestão Biden sinalizam um aumento dos investimentos nos Estados Unidos.

No Brasil, o dispêndio em P&D foi de 1,14% do PIB em 2018 e o valor vem caindo desde 2015, quando atingiu um máximo histórico de 1,34%. Investimos relativamente pouco e, pior, investimos mal.

Além dos exemplos dos países da OCDE, há indicativos claros do impacto positivo do investimento público no ensino superior, pesquisa e desenvolvimento por aqui. O estudo recente As Três Grandes Universidades Públicas Paulistas Valem o que Custam? realizado pelo Núcleo de Economia Regional e Urbana da USP traz dados reveladores do efeito do financiamento contínuo, da autonomia e boa gestão universitária. Neste minucioso levantamento, os autores identificaram que o aumento de produtividade dos egressos da USP, UNICAMP e UNESP em comparação com profissionais graduados em outras instituições de ensino superior supera em muito os recursos alocados pelo Estado de São Paulo às três universidades. Quantitativamente, este aumento de produtividade, aferido pela média salarial dos pesquisados, pode chegar a 62%. Certamente, estudos similares com as melhores universidades federais brasileiras corroborariam essas conclusões. Em outro exemplo de retorno econômico do investimento público, um estudo identificou que 10 dos 16 fundadores das seis empresas unicórnios brasileiras (Nubank, Arco Educação, iFood, 99, Stone Pagamentos e Gympass) são egressos da USP.

A ciência brasileira também deu respostas rápidas e importantes a alguns desafios impostos pela pandemia. Da USP vieram o sequenciamento do genoma do vírus em cerca de 48 horas após a confirmação do primeiro caso de Covid-19 no Brasil e o ventilador pulmonar que custa em torno de 10% do convencional, por exemplo. A tradição, excelência e estrutura da Fiocruz e do Butantan desempenharam um papel fundamental nos testes clínicos, com mais de 10.000 voluntários em cada caso, das duas vacinas disponibilizadas no Brasil até aqui. Finalmente, a presença frequente de pesquisadores e professores universitários de diferentes áreas na mídia tem sido um alento e vem nos ajudando a decodificar a dinâmica frenética dos acontecimentos.

Apesar do baixo investimento e da longa lista de resultados e serviços prestados, infelizmente, por aqui, as notícias e perspectivas não são boas. O Estado de São Paulo tem o sistema de ensino superior, pesquisa científica e tecnológica mais bem-estruturado e amadurecido do Brasil, responde por quase 1/3 do PIB e produz cerca de 45% da ciência brasileira. Essas credenciais não foram suficientes para evitar a tentativa de desmonte pelo governo estadual. Em agosto de 2020, em meio à pandemia, o govenador João Dória houve por bem enviar à Assembleia Legislativa um projeto de lei que propunha, entre outras coisas, o confisco de recursos consideráveis das universidades estaduais paulistas e da FAPESP, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Não colou, os argumentos falaciosos apresentados pelo governo foram combatidos e a proposta não prosperou. O governador não desistiu e, numa manobra que feriu a constituição do Estado, lançou mão da Desvinculação de Receitas de Estados e Municípios (DREM) e cortou 30% da verba prevista para a FAPESP em 2021, com a promessa verbal de que este percentual estaria garantido. No plano federal também seguimos na contramão. O governo federal teve, como todos os governos recém eleitos, uma ótima oportunidade de começar a reestruturar o sistema nacional de ciência e tecnologia. Desde o início do mandato presidencial, pouco foi feito e nada indica que P&D estão entre as prioridades difusas do governo. Aliás, 2021 começou mal com o veto do presidente da república à liberação de parte dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT): mais de R$ 4 bilhões continuarão retidos nos cofres do governo federal.

A crise que estamos vivendo deve ser encarada como uma oportunidade para refletir sobre o modelo de pesquisa e desenvolvimento brasileiro. O histórico recente e a insensibilidade dos governantes com a importância do investimento perene em P&D preocupam. Como sociedade, é tarefa nossa levar os temas relacionados ao ensino superior, pesquisa científica e tecnológica e desenvolvimento ao debate público. Melhorar o sistema nacional de pesquisa e desenvolvimento hoje é a única forma de se preparar para futuras pandemias e afins.

* Hamilton Varela é Professor Titular do Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo.

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