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Projeto prevê que a escola seja um ambiente acolhedor e de apoio que crianças muitas vezes não tem em casa. | Reprodução/Facebook.
Projeto prevê que a escola seja um ambiente acolhedor e de apoio que crianças muitas vezes não tem em casa.| Foto: Reprodução/Facebook.

Crescer nos Estados Unidos pode não ser fácil quando você não tem acesso à estrutura familiar, social ou educacional necessária para se desenvolver. Isso é verdade mesmo para aqueles que conseguiram dar a volta por cima e, nas palavras de LeBron James, “superar as estatísticas”. 

James hoje é reconhecido como um dos maiores atletas de sua geração. Três vezes campeão da NBA, a liga profissional de basquete americano, com duas medalhas de ouro em Olimpíadas, é considerado um dos melhores jogadores de basquete em todos os tempos, mencionado no mesmo patamar que lendas como Michael Jordan e Magic Johnson. Aos 33 anos é também o sexto atleta mais bem pago do mundo, de acordo com levantamento da revista Forbes.  

Mesmo assim, ele nunca esqueceu suas origens: no final de julho, James inaugurou a I Promise School (Escola “Eu Prometo”, em tradução livre); instituição pública que financiou em sua cidade natal. No dia da inauguração, chamado por James de o mais importante da sua vida, ele deu um grande passo para assegurar que os jovens de sua cidade não precisassem passar pelas mesmas dificuldades que enfrentara anos atrás.  

Origens  

James nasceu em 1984 em Akron, Ohio, cidade com 200 mil habitantes localizada a cerca de 50 km de Cleveland. Filho de Gloria, uma mãe adolescente e um pai com passagens pela polícia que nunca foi parte da sua vida, LeBron James foi criado nas regiões pobres da Akron, muitas vezes sem um teto fixo ou comida na mesa.  

“Era um desafio”, lembrou James em entrevista no dia da inauguração da I Promise. “Era mentalmente desafiador. Nenhuma criança de 8 ou 9 anos deveria enfrentar esse nível de estresse”, continuou.  

James frequentava escolas públicas, mas os problemas em casa impediam que ele se dedicasse: “Escola não significava nada para mim. Era uma surpresa quando eu acordava e realmente ia à aula. Eram apenas vários dias vazios e pensamentos que não indicavam futuro”.  

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Quando estava no quarto ano, porém, James e a mãe começaram a morar do outro lado da cidade, mais distante da escola. O transporte público não passava pela região, o que fez com que ele perdesse 83 dias letivos naquele ano, quase metade do período total. Foi quando pessoas notaram as dificuldades. E ofereceram ajuda.  

“Quando acontecia de eu ir ia para a escola, era estranho... Professores iam até minha mãe contar que quando eu aparecia, era um dos melhores alunos”, relembra. “Eles apenas esperavam que eu pudesse aparecer mais vezes”.  

Um pequeno empurrão 

Uma dessas pessoas era Frank Walker e seu filho, Frank Jr, com quem LeBron James logo criou fortes laços de amizade. Quando o futuro astro perdeu quase todas as aulas, Walker o convidou para morar com sua família, para que estivesse mais próximo da escola. Foi quando ele também conheceu o basquete.  

“Se não os tivesse conhecido, não estaria onde estou hoje. Mas mais importante: talvez não estivesse retribuindo para nossa comunidade”, diz James.  

Retribuição, aliás, é o que move a I Promise School. Uma exigência para que a instituição saísse do papel era que operasse como uma escola pública, acessível a qualquer um. O projeto, então, foi desenvolvido em parceria com órgãos da prefeitura de Akron. O objetivo principal é auxiliar crianças consideradas em situação risco, aqueles cujos níveis de leitura estejam atrasados em um ou dois anos.  

A iniciativa chega em um momento delicado para a educação de Akron. De acordo com relatório da secretaria de educação do governo do estado de Ohio, a nota dada para o programa estudantil das escolas públicas da cidade é F – a pior possível. Outro relatório também indica que estudantes de camadas sociais mais baixas da cidade estão com níveis de desenvolvimento muito aquém do restante da população. 

Dinheiro é o principal responsável pela disparidade: de acordo com o mesmo relatório, em 2016, as escolas públicas de Akron tinham pouco mais de 10 mil dólares anuais por estudante, valor bem abaixo da média dos EUA para cidades do mesmo porte. Dessa forma, o financiamento de James através de sua fundação (LeBron James Family Foundation) tornou-se fundamental para o projeto: graças a ele, a escola consegue atrair e reter bons professores.  

“Para realmente oferecer serviços emocionais e psicológicos para crianças em risco e suas famílias são necessários professores bem treinados e preparados. A I Promise School oferece aos professores acesso a serviços psicológicos. Toda quarta-feira é dedicada para desenvolvimento de carreira. James até contratou um personal trainer para trabalhar com professores que queiram se exercitar”, conta a jornalista Tania Ganguli. Além disso, alunos que se graduarem na escola terão as mensalidades na Universidade de Akron pagas pela LeBron James Family Foundation.  

Fora da sala de aula  

O projeto prevê que a escola seja um ambiente acolhedor e de apoio que crianças muitas vezes não têm em casa. “Queremos criar um ambiente familiar, e não apenas de trabalho”, explicou James durante a inauguração da instituição. “Às vezes, você fica cansado de olhar para a escola como trabalho. Queremos criar um ambiente familiar, onde você queira estar”.  

Essa preocupação em criar um ambiente mais saudável não se limita apenas às crianças. A escola também oferece aos familiares dos estudantes uma série de outros serviços: pais têm auxílio para encontrar emprego, programas de GED (General Educational Development, espécie de curso educacional para adultos que não terminaram a escola) para aqueles que quiserem retomar os estudos e até mesmo um depósito de alimentos, com profissionais para auxiliar a preparar refeições.  

“Acredito que o principal elemento que falta na educação pública é apoio familiar: jovens vêm à escola, mas estão preocupados com aqueles que ficaram em casa. Queremos criar um ambiente seguro e confortável para que eles possam se concentrar na educação”, diz Brandi Davis, diretora da I Promise e veterana do serviço público de ensino de Akron. “Seremos aquela escola inovadora que será um modelo nacionalmente reconhecido para excelência em escolas públicas”, completa Brandi.  

“Cale a boca e drible”  

A inauguração da I Promise vem em um momento conturbado para os EUA, em que debates sociais relativos à pobreza e à desigualdade racial estão voltando ao centro das atenções.  

Um dos atletas mais expressivos do cenário esportivo mundial, LeBron James foi recriminado por uma camada da sociedade norte-americana por seu ativismo social e político, bem como por suas críticas ao presidente americano, Donald Trump: em um episódio famoso, a apresentadora da Fox News Laura Ingraham declarou que LeBron deveria “Calar a boca e driblar a bola”, fazendo eco ao sentimento de que um atleta deveria apenas se ater ao seu trabalho. 

Mas todas as realizações de LeBron James apontam exatamente para o oposto a calar-se e driblar a bola; James afirma que graças ao seu sucesso dentro das quadras ele pode ser ouvido, e essa voz deve ser utilizada para canalizar e incentivar mudanças.  

“Tenho uma voz, uma plataforma, e muitas crianças... não só crianças, mas também adultos que olham para mim em busca de direção em um momento que eles sentem que suas vozes não são fortes o suficiente. E quando você vê algo injusto ou errado, ou que está tentando nos dividir, sinto que minha voz pode ser ouvida e dizer muito”, justificou James em entrevista recente à ESPN.  

Não à toa a I Promise está cheia de murais e referências a atletas que recusaram se limitar ao esporte que praticavam: Muhammad Ali, lendário boxeador e uma das figuras mais importantes do movimento de integração racial dos EUA; Jackie Robinson, primeiro jogador negro de baseball a atuar na MLB, a principal liga de beisebol do país; e Jesse Owens, famoso por vencer quatro ouros olímpicos em Berlim em 1936, desbancando a Alemanha nazista e sua crença na superioridade ariana.  

“O que LeBron James quer em 20 anos é uma mudança significativa nas taxas de analfabetismo infantil da cidade. E nos índices de criminalidade. E na renda média. Essas são as estatísticas das quais ele quer fazer parte”, diz Brian Windhorst, jornalista da ESPN designado para cobrir James desde seus dias no basquete colegial. Um legado maior e mais significativo para LeBron James do que ele poderia conquistar apenas jogando basquete.

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