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O que te move? O que te faz escolher um curso, uma profissão? Por que fazer mestrado ao invés de uma pós-graduação ou criar um projeto social ao invés de abrir uma empresa?

O que nos impulsiona pode ser simples como, por exemplo, o desejo de conquistar algo. Se considerarmos a conquista todo o processo, e a prática dos nossos dons e talentos, temos aí a possibilidade de alcançar a coerência entre o que somos internamente e o que mostramos ser diante a sociedade.

Desde a infância, a formação do nosso caráter e personalidade se molda a partir do que já mostramos interesse e facilidade. Junto das oportunidades, estímulos externos e influência de pessoas próximas, vamos formando o panorama da nossa realidade. É também nessa fase que desenvolvemos aptidões e hábitos.

O que acontece quando, na medida em que crescemos, as paixões e aptidões vão ficando lá no passado? Quando era criança gostava de pintar, desenhar, observar e fotografar. A imagem era minha forma de expressão. Depois de adulta, quando parei de pintar, de desenhar, de fotografar sentia que me faltava criatividade. Muitas vezes não nos damos conta de que temos algum talento, pelo simples fato de ter parado de desenvolvê-lo. Um dia você percebe que não tem mais espaço na agenda para as coisas que você gostava tanto de fazer. E fazia bem.

Pintura, ballet, judô, piano, vôlei. Tantas coisas que gostávamos quando crianças e aprendíamos tão facilmente e que, posteriormente, vão sendo substituídas pelos compromissos "mais importantes". A criança precisa de estímulos criativos e visuais, e vai em busca disso naturalmente. O adulto também precisa, mas não necessariamente vai atrás, por falta de interesse ou até mesmo por não perceber a importância disso.

Quando foi a última vez que você parou para pensar sobre uma fotografia? Desde que nascemos vamos conhecendo as imagens e só depois aprendemos as letras. É a partir da alfabetização, na maioria dos sistemas sociais e econômicos, que se passa a ter a impressão de que quem sabe ler vale mais do que quem não sabe. Neste processo, muitas vezes, subestima-se a capacidade de uma pessoa, criando assim conflitos e outros problemas de ineficácia de comunicação na sociedade diante da supervalorização da escrita em um mundo predominantemente visual. A todo o momento vemos imagens e acabamos por banalizar seus significados, freando nosso olhar para além de uma interpretação superficial.

É preciso saber aproveitar e vivenciar experiências por meio de outras capacidades sensoriais e cognitivas, pois todos os sentidos produzem conhecimento. Este fenômeno, segundo o fotógrafo e educador Miguel Chikaoka, é chamado de "alfabetização visual", uma expressão igualitária independente do grau de domínio.

Identifiquei, neste conceito, algo que me movia. Foi aí que nasceu o Revelando Olhares, a conexão do meu interesse por imagens com a questão social. E foi a partir da minha pesquisa no projeto de conclusão de curso na graduação que idealizei a proposta de fazer da câmera fotográfica uma ferramenta de expressão, de redescoberta da realidade, resgate de autoestima e iniciação à alfabetização visual através de oficinas de fotografia para crianças.

No mestrado retomei o tema, pesquisando a relação entre infância e fotografia como expressão e prática social na construção de si e do entorno, e os significados e dimensões socioculturais que permeiam a relação entre fotografia e crianças, bem como essas se apropriam da técnica fotográfica. Já atuava em alguns projetos sociais dando oficinas de fotografia e unir meu interesse com os estudos me pareceu ideal. A pesquisa e a prática andavam juntas e tinha consciência da importância que aquilo tinha para mim.

Paralelamente a tudo isso, trabalhar na área da comunicação, dentro de minha formação em design, me permitiu praticar outros talentos e interesses complementares. Hoje, vejo o quanto é importante entender a si mesmo e colocar na prática aptidões por um propósito maior. Afinal, felicidade e plenitude não dependem apenas de bens materiais, mas de como nos posicionamos diante de nós mesmos e da sociedade.

Transformar a realidade a partir das habilidades naturais de cada um é um estilo de vida, que nos conduz a escolhas mais coerentes. Quando falo em transformar, quero dizer capaz de transformar a si mesmo, inicialmente. Depois, isso expande-se naturalmente.

A fotografia como ferramenta, nesse caso, pôde me ajudar nessa transformação. A imagem, além de comunicar, carrega significados profundos. Nas oficinas do Relevando Olhares existe uma atividade onde cada criança mostra uma imagem que tenha significado para si. Elas explicam como foram feitas as escolhas das fotos e contam suas histórias, assim a turma vai explorando um pouco o mundo do outro. O resultado vai além da simples leitura das fotografias: é uma forma de acessar o autoconhecimento, a empatia, e uma nova maneira de interpretar cada realidade presente naquele momento.

Encontrar ferramentas e envolver-se com a vida a partir da sua inquietação pode sim gerar impacto.Fala-se muito em mudar o mundo, mas a verdade é que muitos não sabem o que e nemcomo mudar. Entender o seu potencial e fazer com que isso gere mudança é o que diferencia a participação do indivíduo na sociedade e é o que marca pessoas que não só veem problemas, mas também maneiras de resolvê-los.

* Carolina Corção é designer, mestre em Tecnologia e Sociedade pela UTFPR e co-fundadora do Revelando Olhares, projeto de oficinas de fotografia para crianças.

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