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Minas Gerais é um estado abençoado pelas musas. Não bastasse ser o berço de Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, Otto Lara Resende, Aleijadinho e Milton Nascimento, ainda teve o privilégio de ter sua epopeia maior narrada em magnífica poesia pela carioca Cecília Meireles.

O Romanceiro da Inconfidência é exatamente isso, um romanceiro, uma seleção de romanças, canções ou poesias que na Idade Média celebravam fatos ou temas de história ou de aventura. O foco é a Inconfidência Mineira e seus personagens, mas são abordados também os acontecimentos que resultaram naquele e daquele evento, como os ciclos do ouro e dos diamantes, as grandes mulheres mineiras do tempo: Maria Dorotéia (Marília de Dirceu), Chica da Silva, Bárbara Heliodora; os heróis, os mártires, os sonhadores, os que foram traídos, os que traíram; homens que morreram ou mataram, que foram degredados, que degredaram. Fala-se de escravos, poetas, heróis, traidores. É uma enorme tragédia humana, contada com brilho compatível com a sua dimensão.

É uma história de fantasmas: na madrugada das Gerais uma figura envolta em panos, o "embuçado", visita o poeta e inconfidente Cláudio Manuel da Costa na prisão, e logo após Manuel da Costa aparece morto em sua cela.

Discute-se até hoje se teria sido suicídio ou assassinato. Deste inconfidente, talvez o mais intelectualizado deles, afirma-se que pertenceria à ordem dos Illuminati da Baviera, ordem de inspiração maçônica que existiu de fato no século XVIII, e que não tem nenhuma relação com Leonardo da Vinci. A versão histórica mais atual (e provavelmente mais próxima da verdade) sobre a Conjuração Mineira é de que se tratou de uma conspiração de elite, de "homens bons", da capitania de Minas Gerais, revoltados com restrições às atividades econômicas, e em vias de sofrer uma sobretaxação extorsiva por parte do governo português. O objetivo seria pressionar o governador, por meio dele a Coroa e, no limite, declarar independência de parte da capitania. Havia vários intelectuais no grupo de conspiradores, conhecedores das ideias iluministas e libertárias que naquela mesma época permearam as revoluções francesa e americana; essas ideias foram assumidas em grande parte pelos inconfidentes, pelo menos como ideias.

A revolta falhou por falta de apoio popular, pois o povo não se sentia atingido diretamente pelas medidas do governo e não via motivo para se envolver. Houve algumas traições, principalmente, mas não só, a de Joaquim Silvério dos Reis. Presos, os inconfidentes foram condenados à morte por crime de "lesa-majestade"; como se tratava de pessoas bem relacionadas e com parentes poderosos, as sentenças foram atenuadas, sendo enforcado apenas Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, o mais humilde dos conspiradores.

Como a Coroa portuguesa e, posteriormente, o império brasileiro não tinham interesse na sua divulgação, essa história ficou praticamente esquecida durante cem anos, sendo recuperada após a proclamação da República; apresentando-se então os inconfidentes como heróis republicanos e Tiradentes como mártir que se declarou voluntariamente culpado para salvar os demais, sendo executado de camisolão branco e cabelo e barba nazarenos.

Na verdade interessa-nos a história muito humana deste homem só, totalmente só no cadafalso (cruz? câmara de gás? "paredón"?) a contemplar a débâcle de seus sonhos e suas esperanças; pobre, o mais pobre da terra, pois lhe tiraram tudo e estão para lhe tirar a vida. E esse homem professa a sua fé: "dez vidas eu tivesse, dez vidas eu daria, pelo bem da liberdade".

Não é fundamental que Tiradentes tenha existido desta maneira, que tenha morrido desta maneira, que tenha dito o que dizem que disse; seu comportamento está no coração de todos os que ensinam e aprendem. Dizem que é infeliz o povo que precisa de heróis, porém talvez seja mais correto afirmar que é infeliz o povo que não tem heróis, que de nada se orgulhe, que não tenha um exemplo de grandeza e solidariedade em sua história. Minas Gerais é um estado abençoado pelas musas. Não bastasse ser o berço de Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, Otto Lara Resende, Aleijadinho e Milton Nascimento, ainda teve o privilégio de ter sua epopeia maior narrada em magnífica poesia pela carioca Cecília Meireles.

O Romanceiro da Inconfidência é exatamente isso, um romanceiro, uma seleção de romanças, canções ou poesias que na Idade Média celebravam fatos ou temas de história ou de aventura. O foco é a Inconfidência Mineira e seus personagens, mas são abordados também os acontecimentos que resultaram naquele e daquele evento, como os ciclos do ouro e dos diamantes, as grandes mulheres mineiras do tempo: Maria Dorotéia (Marília de Dirceu), Chica da Silva, Bárbara Heliodora; os heróis, os mártires, os sonhadores, os que foram traídos, os que traíram; homens que morreram ou mataram, que foram degredados, que degredaram. Fala-se de escravos, poetas, heróis, traidores. É uma enorme tragédia humana, contada com brilho compatível com a sua dimensão.

É uma história de fantasmas: na madrugada das Gerais uma figura envolta em panos, o "embuçado", visita o poeta e inconfidente Cláudio Manuel da Costa na prisão, e logo após Manuel da Costa aparece morto em sua cela.

Discute-se até hoje se teria sido suicídio ou assassinato. Deste inconfidente, talvez o mais intelectualizado deles, afirma-se que pertenceria à ordem dos Illuminati da Baviera, ordem de inspiração maçônica que existiu de fato no século XVIII, e que não tem nenhuma relação com Leonardo da Vinci. A versão histórica mais atual (e provavelmente mais próxima da verdade) sobre a Conjuração Mineira é de que se tratou de uma conspiração de elite, de "homens bons", da capitania de Minas Gerais, revoltados com restrições às atividades econômicas, e em vias de sofrer uma sobretaxação extorsiva por parte do governo português. O objetivo seria pressionar o governador, por meio dele a Coroa e, no limite, declarar independência de parte da capitania. Havia vários intelectuais no grupo de conspiradores, conhecedores das ideias iluministas e libertárias que naquela mesma época permearam as revoluções francesa e americana; essas ideias foram assumidas em grande parte pelos inconfidentes, pelo menos como ideias.

A revolta falhou por falta de apoio popular, pois o povo não se sentia atingido diretamente pelas medidas do governo e não via motivo para se envolver. Houve algumas traições, principalmente, mas não só, a de Joaquim Silvério dos Reis. Presos, os inconfidentes foram condenados à morte por crime de "lesa-majestade"; como se tratava de pessoas bem relacionadas e com parentes poderosos, as sentenças foram atenuadas, sendo enforcado apenas Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, o mais humilde dos conspiradores.

Como a Coroa portuguesa e, posteriormente, o império brasileiro não tinham interesse na sua divulgação, essa história ficou praticamente esquecida durante cem anos, sendo recuperada após a proclamação da República; apresentando-se então os inconfidentes como heróis republicanos e Tiradentes como mártir que se declarou voluntariamente culpado para salvar os demais, sendo executado de camisolão branco e cabelo e barba nazarenos.

Na verdade interessa-nos a história muito humana deste homem só, totalmente só no cadafalso (cruz? câmara de gás? "paredón"?) a contemplar a débâcle de seus sonhos e suas esperanças; pobre, o mais pobre da terra, pois lhe tiraram tudo e estão para lhe tirar a vida. E esse homem professa a sua fé: "dez vidas eu tivesse, dez vidas eu daria, pelo bem da liberdade".

Não é fundamental que Tiradentes tenha existido desta maneira, que tenha morrido desta maneira, que tenha dito o que dizem que disse; seu comportamento está no coração de todos os que ensinam e aprendem. Dizem que é infeliz o povo que precisa de heróis, porém talvez seja mais correto afirmar que é infeliz o povo que não tem heróis, que de nada se orgulhe, que não tenha um exemplo de grandeza e solidariedade em sua história.

Wanda Camargo é Presidente da Comissão do Processo Seletivo das Faculdades Integradas do Brasil ( UniBrasil).

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