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André Mendonça STF
Ministro do STF André Mendonça| Foto: Nelson Jr./SCO/STF

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça pediu vista e suspendeu na madrugada desta terça-feira (7) o julgamento no plenário virtual sobre a cassação do mandato do deputado estadual Fernando Francischini (União Brasil-PR). Francischini havia sido cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que o condenou por apontar fraude nas urnas eletrônicas no dia do primeiro turno das eleições 2018, durante uma transmissão ao vivo no Facebook. Mas, na semana passada, o ministro Kassio Nunes Marques havia revogado a cassação, em decisão liminar.

O julgamento interrompido por André Mendonça é importante porque pode pode firmar jurisprudência para cassar o mandato de políticos que questionam a votação eletrônica – caso do presidente Jair Bolsonaro (PL).

O julgamento da liminar de Nunes Marques foi remetido ao plenário virtual porque, no fim de semana, Paulo Bazana (PSD-PR), um suplente que já havia assumido o lugar de Francischini na Assembleia Legislativa do Paraná, pediu ao STF para derrubar a liminar que revogou a cassação do deputado. A ministra Cármen Lúcia remeteu o caso para o plenário virtual, onde todos os 11 ministros do STF votam e inserem sua decisão no sistema eletrônico da Corte. O julgamento começou à 0h desta terça e terminaria às 23h59.

Ela votou para suspender a decisão de Nunes Marques que devolveu o mandato a Francischini e foi seguida pelos ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes. Pouco depois, André Mendonça pediu vista e paralisou o julgamento. Em despacho, Mendonça afirmou que o mesmo caso será analisado a partir das 14h na Segunda Turma do STF, colegiado menor, presidido por Nunes Marques e composto por Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e André Mendonça. Quem marcou o julgamento foi Nunes Marques. Nessa sessão presencial, é possível que a decisão de devolver o mandato de Francischini seja suspensa, o que faria a ação levada ao plenário perder objeto.

"A depender da decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, tal tutela provisória poderá ou não ser mantida, o que trará reflexos sobre o interesse no prosseguimento do writ. Cabível, assim, atuação destinada a evitar eventuais decisões conflitantes no âmbito desta Suprema Corte, em benefício da ordem processual e do rigor procedimental", justificou André Mendonça.

Antes dele, Cármen Lúcia havia votado para suspender a decisão de Nunes Marques. Ela considerou que a defesa de Francischini fez uma manobra para direcionar a Marques o pedido, que foi protocolado dentro de outra ação que discutia um assunto distinto: a possibilidade de o TSE anular totalmente a votação de um deputado cassado, o que implica a retirada dos votos também do partido e que pode levar à destituição de outros parlamentares correligionários, devido ao sistema eleitoral brasileiro – que considera os votos totais de legenda e nos candidatos para distribuir o número de cadeiras legislativas para cada sigla.

Essa situação também ocorreu no caso de Francischini, mas a ministra disse que o pedido para devolver a ele o mandato deveria ter sido feito numa ação à parte, que fosse distribuída por sorteio entre todos os integrantes do STF. Por isso, votou para suspender a decisão de Nunes Marques, no que foi acompanhada por Fachin e Moraes.

A decisão contra Francischini do TSE, de novembro do ano passado, é considerada um importante precedente para conter questionamentos ao sistema eletrônico de votação e, no limite, poderá ser usado contra o presidente Jair Bolsonaro (PL) e políticos aliados que eventualmente apontem fraude na eleição de outubro deste ano. Francischini foi cassado por dizer numa live que as algumas urnas impediam que eleitores confirmassem voto em Bolsonaro, em 2018.

Chance de reversão da liminar de Nunes Marques é grande

Dentro do STF, é grande a expectativa de reversão da decisão de Kassio Nunes Marques, seja no plenário ou na Segunda Turma. A condenação do deputado Francischini é apontada pela maioria dos ministros como um importante precedente para conter a disseminação de “ataques sem provas” ao sistema eletrônico de votação.

Nesse julgamento, realizado em novembro do ano passado, por 6 votos a 1, a maioria do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) firmou o entendimento de que apontar fraude na urna eletrônica, por meio de redes sociais, configura abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Também consideraram que a conduta tem gravidade suficiente para levar à perda do mandato, porque comprometeriam a “normalidade e a legitimidade das eleições”.

“Não há margem para dúvida de que constitui ato abusivo, a atrair as sanções cabíveis, a promoção de ataques infundados ao sistema eletrônico de votação e à própria democracia, incutindo-se nos eleitores a falsa ideia de fraude em contexto no qual candidato sobrevenha como beneficiário dessa prática”, diz o acórdão da decisão do TSE.

Desde então, essa decisão passou a ser citada frequentemente pelo ministro Alexandre de Moraes, que também integra o TSE e assumirá o comando da Corte Eleitoral em agosto, para advertir que declarações de Bolsonaro e apoiadores contra as urnas poderão levar à cassação de um novo mandato, em caso de vitória nas eleições deste ano.

Daí a pressão, nos últimos dias, entre vários ministros do STF, para discutir rapidamente o caso no plenário do Supremo, de modo a ratificar o entendimento adotado no TSE. O objetivo é reforçar o recado a Bolsonaro de que seus questionamentos sobre a lisura das eleições não serão tolerados e assim, tentar frear uma escalada da desconfiança popular contra as urnas.

No limite, os ministros temem que as críticas contra o TSE e o sistema eletrônico de votação, reiteradamente repetidas pelo presidente, levem ao não reconhecimento de sua eventual derrota na disputa presidencial de outubro. É essa a razão pela qual o atual presidente do TSE, Edson Fachin, tem buscado nos últimos meses reunir apoio de outras instituições públicas, partidos, entidades da sociedade civil e da comunidade internacional ao sistema eletrônico de votação.

Que argumentos foram usados para devolver o mandato a Francischini

Na decisão que devolveu o mandato a Francischini, Kassio Marques diz que a decisão do TSE de cassá-lo no ano passado trouxe inovações na interpretação da lei eleitoral que não eram válidas ou consolidadas na disputa de 2018. Ele questionou, por exemplo, a equiparação da internet à televisão e ao rádio – as declarações de Francischini contra as urnas foram feitas numa transmissão ao vivo pelo Facebook, 22 minutos antes do fim da votação.

A lei eleitoral diz que a “utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político”, podem levar à cassação de mandatos. A regra, no entanto, é de 1990, e não define expressamente a internet como um desses meios de comunicação – historicamente, a jurisprudência do TSE sempre considerou que a regra se aplicava a veículos tradicionais, como a televisão e o rádio.

Nunes Marques sustenta que só no ano passado, num julgamento de ações do PT contra Bolsonaro, ocorrido no mesmo dia da decisão contra Francischini, foi que o TSE passou a interpretar, de forma sólida, que a internet poderia ser equiparada aos outros meios. Ele diz que esse entendimento não estava claro em 2018 e, por isso, não poderia ser aplicado de forma retroativa para prejudicar Francischini. Além disso, apontou diferenças: disse que, na internet, qualquer pessoa pode produzir conteúdo, “a qualquer momento e em qualquer lugar”, “sem que exista alguém com uma ‘chave geral” para fechar a entrada ou a difusão de novas informações”.

No contexto eleitoral, acrescentou, “a manifestação de um candidato não impede nem limita a manifestação de seus concorrentes. Logo, a ideia de que o meio de comunicação pode desigualar a disputa precisa ser repensada aqui em termos diferentes daqueles que estavam na base das interpretações sobre a televisão e o rádio”. Nunes Marques também contestou o argumento de que a live de Francischini tenha alcançado gravidade suficiente para afetar a normalidade e a legitimidade das eleições, como exige a lei. O ministro disse que não há como provar que as falas do deputado tenham feito diferença para sua eleição.

O deputado foi o mais votado no Paraná, com 427.749 votos, enquanto o segundo colocado obteve 147.565 votos. Apesar do amplo alcance de live – 400 mil compartilhamentos, 105 mil comentários e 6 milhões de visualizações do vídeo – o ministro verificou que esses números foram somados em 12 de novembro, quase um mês após a transmissão.

Não haveria assim, garantia, de que todas as pessoas que assistiram eram eleitores do Paraná, não tivessem votado no momento da live e decidiram optar por Francischini após assistir ao vídeo. Para Nunes Marques, não é possível cassar o deputado por “presunções e inferências”. “O fato de o vídeo ter sido transmitido nos últimos 22 minutos da votação, o que, por óbvio, limita significativamente o impacto no equilíbrio e na normalidade do pleito”, afirmou o ministro.

Por fim, o ministro levou em conta a norma da Constituição segundo a qual qualquer regra ou entendimento que se aplique a uma eleição deve ser aprovada com antecedência mínima de um ano até sua realização. Assim, a jurisprudência que considera a internet um meio de comunicação deveria estar consolidada até 2017 para ser aplicada a Francischini.

O que diz o Ministério Público a favor da cassação de Francischini

Quando o caso de Francischini foi analisado pelo TSE, no ano passado, a Procuradoria Geral Eleitoral, que representa o Ministério Público na Corte, manifestou-se a favor da cassação. Em 2020, o então procurador-geral eleitoral, Renato Brill de Góes, citou votos de um julgamento no TSE em 2017 no qual alguns ministros já equiparavam redes sociais a meios de comunicação tradicionais. “Sem sombra de dúvidas, os meios de comunicação social consubstanciam armas muito poderosas para pender a balança eleitoral nas hipóteses em que se revestirem de falsa imparcialidade. No campo da Internet, uma rede social é fator potencializador e influenciador da propaganda eleitoral”, dizia um voto do então ministro Tarcisio Vieira de Carvalho. “É possível, em tese, que o abuso dos meios de comunicação social ocorra pela veiculação nas diversas ferramentas virtuais disponibilizadas na Internet”, afirmou, no mesmo julgamento, em 2017, o ministro Luís Roberto Barroso.

“A jurisprudência do TSE não é refratária à configuração do uso indevido de meio de comunicação decorrente do uso de redes sociais, admitindo-a em casos que haja extrapolação do uso normal das ferramentas virtuais”, afirmou em seu parecer o procurador-geral eleitoral. Ele também considerou abusivas as declarações de Francischini. Afirmou que as urnas que, segundo o deputado, impediriam voto em Bolsonaro, foram periciadas, sem que tenham sido encontradas adulterações em seu funcionamento normal.

“O recorrido [Francischini] excedeu tais prerrogativas ao divulgar notícias inverídicas, de forma deselegante e agressiva, em detrimento da imagem da Justiça Eleitoral e da confiabilidade do sistema eletrônico de votação, sugerindo a existência de um ‘esquema’ com o objetivo de impedir a eleição do então candidato Jair Messias Bolsonaro”, afirmou Brill de Góes.

O que dizem os adversários de Francischini

No STF, a decisão de Kassio Marques foi contestada por um suplente de Francischini que assumiu sua cadeira na Assembleia do Paraná. Ele afirmou que o ministro nem sequer poderia ter analisado o pedido, argumentando que a defesa do deputado o apresentou dentro de uma ação que discutia outro assunto. A ação em questão questiona se a cassação de um deputado após sua eleição anula totalmente os votos que ele recebeu, situação em que outros deputados da legenda também são destituídos do mandato, por compartilharem da votação.

Isso ocorreu no caso de Francischini, uma vez que sua cassação levou o PSL, seu antigo partido, a perder outros três deputados na Assembleia Legislativa do Paraná. Foi por causa dessa situação que a defesa entrou no STF com um pedido para reverter a cassação, dentro de uma ação que já estava sob relatoria de Kassio Marques.

Atualização

Originalmente, a reportagem informou que apenas os ministros do STF Edson Fachin e Cármen Lúcia haviam votado antes de André Mendonça pedir vista e suspender o julgamento. Mas o gabinete do ministro Alexandre de Moraes informou que ele também havia votado antes da suspensão, mas que por uma falha do sistema seu voto não aparecia.

Atualizado em 07/06/2022 às 14:15
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