Alexandre de Moraes, presidente do TSE, durante evento com observadores internacionais das eleições nesta quinta-feira| Foto: Alejandro Zambrana/Secom/TSE
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A divulgação pelo Partido Liberal (PL), do presidente Jair Bolsonaro, de detalhes de uma auditoria crítica à segurança do sistema eleitoral levou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, a tomar medidas duras, cogitando a responsabilização criminal dos autores.

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Nesta quinta-feira (29), como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e relator do inquérito das fake news, ele determinou que o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, informe, em até 48 horas, detalhes sobre os gastos realizados pela legenda com o trabalho, bem como os nomes dos responsáveis pela elaboração de um documento que resume as conclusões da auditoria.

Na última quarta-feira (28), em duas páginas timbradas, mas não assinadas, o PL apontou risco de invasão interna ou externa nos sistemas eleitorais, “com grave impacto nos resultados das eleições de outubro”, e um “poder absoluto” de alguns técnicos da Corte para “manipular resultados da eleição, sem deixar qualquer rastro”. A auditoria completa tem cerca de 130 páginas e foi enviada para o TSE na semana passada. A divulgação do resumo ocorreu nesta quarta por deputados do partido próximos ao presidente Bolsonaro.

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Horas após a divulgação do documento, em nota oficial, o TSE classificou as conclusões como “falsas e mentirosas, sem nenhum amparo na realidade”, com informações “fraudulentas e atentatórias ao Estado Democrático de Direito e ao Poder Judiciário, em especial à Justiça Eleitoral, em clara tentativa de embaraçar e tumultuar o curso natural do processo eleitoral”.

O TSE informou que os idealizadores do documento seriam investigados no inquérito das fake news, conduzido pelo próprio Moraes no STF, e que a Corregedoria-Geral do TSE iria apurar o eventual uso de dinheiro do fundo partidário do PL para pagar a auditoria. A hipótese é de “desvio de finalidade” com os recursos públicos do partido.

No mandado enviado nesta quinta a Costa Neto, requisitando as informações sobre a auditoria, Moraes registrou que o objetivo é “apuração de eventual responsabilidade criminal” – ele não citou os tipos penais que poderiam ser imputados aos responsáveis.

TSE dá 24 horas para PL explicar como pagou por auditoria

Mais cedo, ainda pela manhã, seguindo o que havia sido informado na nota do TSE, o corregedor-geral do TSE, ministro Benedito Gonçalves, deu ao presidente do PL 24 horas para informar se recursos do fundo partidário foram usados para contratar a auditoria. Dentro da Corte, Moraes conseguiu amplo apoio interno entre os outros seis ministros, com o discurso de defesa do tribunal e da democracia.

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A lei dos partidos políticos apresenta uma lista de gastos possíveis com verba do fundo, entre elas manutenção de instalações, pagamento de serviços jurídicos e contábeis, financiamento de instituto de formação e estudos. Especialistas, dizem, porém, que essa lista não é taxativa, mas exemplificativa. Cabe ao TSE avaliar, caso a caso, se o que foi gasto fora do rol é ou não lícito. Caso negativo, o partido é obrigado a devolver o dinheiro.

Internamente, o partido já começou a juntar documentos para demonstrar que o Instituto Voto Legal (IVL), responsável pela auditoria, foi pago com recursos próprios do partido, oriundo de doações privadas, e não com o fundo partidário. Seria uma forma de tentar evitar uma das punições possíveis, em caso de desvio de finalidade, de devolução do dinheiro aos cofres públicos e multa, com retenção de repasses de parcelas do fundo partidário.

Num balanço parcial de suas contas enviado ao TSE neste ano, o PL informou pagamento de R$ 225 mil ao IVL, apresentando como fonte “outros recursos”, e não os fundos partidário e eleitoral.

Em casos mais graves, como de financiamento por entes estrangeiros, o partido pode ser submetido à punição mais severa possível: o cancelamento de seu registro. Tal hipótese já foi levantada entre ministros do TSE e auxiliares, mas sua aplicação ao caso do PL hoje é considerada remota. O fundamento, nesse caso, seria uma atuação do partido contra as instituições, o que também configura crime contra o Estado Democrático de Direito.

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Consultado pela reportagem, o advogado Guilherme Gonçalves, especializado no tema, considera mais provável que o TSE apure a fundo os responsáveis, dentro do partido, pela confecção e divulgação do documento, de modo a puni-los individualmente. “Os parlamentares que divulgaram e se responsabilizarem por isso, podem ser punidos”, disse.

A divulgação não foi assumida oficialmente por Valdemar da Costa Neto, que nos últimos dias fez visitas amistosas ao TSE, incluindo um encontro a sós com Alexandre de Moraes na última terça (27). Procurada pela reportagem, a equipe jurídica da campanha de Bolsonaro informou que não tem qualquer participação na elaboração do documento nem em sua divulgação.

TSE cita precedente que permite cassação de mandato

A reação rápida e dura do TSE serve de alerta para políticos que queiram usar as conclusões da auditoria para acusar fraude antes, durante ou depois da eleição – o primeiro turno acontece no próximo domingo, dia 2.

Na própria nota, é mencionado um precedente, do ano passado, que permite a cassação de mandatos de políticos que divulguem informações falsas sobre as urnas. É o caso do ex-deputado estadual do Paraná Fernando Francischini (União Brasil), que, em 2018, fez uma live no dia da votação dizendo que algumas urnas em Curitiba não aceitavam votos em Bolsonaro e registravam os votos em Fernando Haddad, candidato do PT à época. Além de perder o mandato na Assembleia Legislativa, ele ficou 8 anos inelegível.

Nesta quinta-feira, Moraes evitou comentar diretamente a auditoria do PL. Questionado pela imprensa, após a sessão de julgamentos do TSE, pela manhã, se o documento poderia eventualmente ser usado por Bolsonaro para não aceitar o resultado da eleição, em caso de derrota, respondeu: “Pergunta para ele, não para mim”. Outros ministros evitaram tocar no assunto.

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Moraes defende urnas, liberdade e segurança do eleitor

Em seus pronunciamentos públicos, ao longo desta quinta, Moraes buscou reforçar a defesa das urnas eletrônicas. Pela manhã, em discurso a observadores internacionais da eleição – chamados ao Brasil justamente para atestar a integridade do processo –, Moraes associou a Justiça Eleitoral à estabilidade da democracia no país, por garantir, segundo ele, eleições “limpas, seguras e transparentes”.

“Somos uma das quatro maiores democracias do mundo, porém a única que apura e divulga os resultados eleitorais no mesmo dia, com agilidade, segurança, competência e transparência. Graças à tecnologia avançada, confiável, segura e auditável de nossas urnas eletrônicas. Isso sempre foi e continuará sendo motivo de orgulho nacional”, disse aos estrangeiros. Em seguida, a presidente do STF, Rosa Weber, disse estar certa que o TSE terá atuação “firme para assegurar que nada tumultue a escolha livre e consciente dos cidadãos”.

Depois, Moraes focou seus discursos, no TSE e no STF, em assegurar que os eleitores poderão votar com segurança e liberdade, sem qualquer tipo de coação. Ele defendeu as decisões recentes do TSE de proibir celulares na cabine de votação, para impedir gravação do voto, o veto às armas num raio de 100 metros de cada seção eleitoral, além da suspensão do direito de colecionadores, atiradores e caçadores circularem com armas entre os dias 1º e 3 de outubro.

Ele também desmentiu o boato de que eleitores poderiam ser proibidos de votar com camisas verde e amarela, ou da seleção brasileira de futebol, comumente usadas por eleitores de Bolsonaro. A lei permite que cidadãos até mesmo usem trajes de apoio a políticos e partidos, desde que aja de forma individual e silenciosa, que não faça manifestações coletivas pedindo votos para eles.

O boato de que eleitores de verde e amarelo não votariam motivou Bolsonaro a falar, nesta quarta, numa transmissão ao vivo, de que militares fechariam seções se isso ocorresse. Moraes, nesta quinta, desmentiu. “Cada um vai com a camisa do time que quiser, porque o que importa é que os brasileiros depositem livremente seu voto na urna eletrônica, com a certeza de que poucas horas depois o TSE estará divulgando os resultados”, afirmou no STF.

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