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Na economia, Lula aposta em mais Estado, aumento de gastos e revisão de reformas
| Foto: Ricardo Stuckert/PT

Dois desafios na economia aguardam o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Um deles é externo: a demanda mundial mais fragilizada por causa do processo de alta nos juros e pela chance de recessão em algumas das principais economias mundiais. O outro é interno: uma forte pressão na área fiscal, motivada por gastos já assumidos pelo atual governo e indicados pelo futuro presidente, que deverão ser administrados com cuidado para não desembocar em forte alta do déficit e da dívida pública.

Poucos detalhes sobre as propostas do presidente eleito vieram à tona durante a campanha eleitoral. Elas aparecem nas diretrizes do programa do governo, entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em agosto, e na "Carta para o Brasil do Amanhã", um documento divulgado apenas na última quinta-feira (27), a três dias da votação do segundo turno.

De modo geral, o petista planeja ampliar a atuação do Estado na economia e suspender privatizações, na contramão das políticas do governo atual; retomar incentivos do governo ao setor empresarial; alterar as legislações trabalhista e previdenciária, reformadas por Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL); revogar o teto de gastos e adotar uma política fiscal mais flexível; manter o atual valor do Auxílio Brasil, rebatizando-o de Bolsa Família e criando um adicional de R$ 150 por criança de até seis anos; e revisar a tabela do Imposto de Renda, entre outras ações.

Um dos fatores que pode ajudar a desfazer as incertezas em relação às propostas é a indicação de nomes para a equipe econômica. Investidores e mercado estão preocupados principalmente com a possibilidade de mais gastos públicos.

A questão é que, antes mesmo de assumir, Lula precisa articular mudanças no Orçamento de 2023, que tem de ser aprovado ainda neste ano pelos atuais deputados e senadores.

Da forma como foi enviada ao Congresso, a peça orçamentária não contempla nem sequer a manutenção do Auxílio Brasil de R$ 600, prometida também pelo presidente Jair Bolsonaro; os recursos previstos são suficientes apenas para um benefício de R$ 400. O Orçamento também não prevê a renúncia fiscal de dezenas de bilhões que ocorrerá caso a faixa isenta de Imposto de Renda seja ampliada, conforme prometeu o petista.

Veja a seguir o que já se conhece sobre os planos de Lula para a economia.

Benefícios sociais

O programa de Lula defende a manutenção dos R$ 600 do Auxílio Brasil e um adicional de R$ 150 por criança de até seis anos. Também deve ser retomado o nome de Bolsa Família (substituído na gestão Bolsonaro), com a promessa de ampliá-lo e renová-lo para garantir renda compatível com as necessidades da população. Para isso será necessária a mudança do teto constitucional de gastos, já que a Proposta de Lei Orçamentária Anual (PLOA) prevê o pagamento de R$ 405 por pessoa.

Renegociação das dívidas

Uma das propostas previstas na "Carta para o Brasil do Amanhã" é a criação de um programa para renegociar as dívidas de milhões de famílias que estão inadimplentes, oferecendo grandes descontos e juros baixos. Uma das alternativas em análise, que também abrangeria dívidas de micro, pequenas e médias empresas seria a criação de um fundo garantidor, de modo a aquecer a economia.

Investimentos e crescimento

Uma das primeiras iniciativas que i presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pretende tomar é o de definir com os governadores das unidades da federação um planejamento para retomar obras paradas e definir obras prioritárias.

“Vamos buscar financiamento e a cooperação – nacional e internacional – para o investimento público e privado, para dinamizar e expandir o mercado interno de consumo, desenvolver o comércio, serviços, agricultura de alimentos e indústria. Vamos investir em serviços públicos e sociais, em infraestrutura econômica e em recursos naturais estratégicos”, informa o documento.

Outra proposta prevista na Carta para o Brasil do Amanhã, documento divulgado pelo então candidato petista na quinta-feira, é a estruturação de um novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com o objetivo de reativar a construção civil e a engenharia pesada, orientando o investimento para setores que atendam a demandas sociais como habitação, transporte e mobilidade urbana, energia, água e saneamento.

Lançado em 2007, no começo do segundo mandato de Lula, o PAC ampliou o investimento público em infraestrutura, mas ficou marcado por atrasos, projetos abandonados – como o do trem-bala entre Rio e São Paulo e refinarias bilionárias da Petrobras – e obras paradas, além de denúncias de corrupção e superfaturamento que viraram alvo, por exemplo, da Operação Lava Jato.

A Carta para o Brasil do Amanhã também prevê que os bancos públicos, especialmente o BNDES, e empresas indutoras do crescimento e inovação tecnológica, como a Petrobras, terão papel fundamental neste processo.

A Guide Investimentos considera que esta parte será a mais difícil para implementar, uma vez que gerou maiores problemas no passado e pelo pouco tempo que ser tem para implementar as medidas.

Tamanho do Estado

O presidente eleito defendeu, durante a campanha, a proteção do patrimônio do país e a recomposição do “papel indutor e coordenador do Estado e das estatais” para que cumpram seu papel no processo de desenvolvimento econômico e progresso social, produtivo e ambiental.

As diretrizes do programa de governo apontam oposição às privatizações da Petrobras, Pré-Sal Petróleo (PPSA), Correios e Eletrobras, esta última já fora do controle do governo.

Os governos petistas apostaram alto nos gastos das estatais e na atuação direta do Estado sobre a economia. Se por um lado isso eventualmente deu impulso ao crescimento econômico, por outro acelerou o aumento da dívida pública e das estatais como a Petrobras, levando também a críticas sobre a baixa eficiência dessas despesas e a desvios como os apontados pela Lava Jato.

Nova legislação trabalhista

Depois de afirmar que pretendia revogar a reforma trabalhista, implementada no governo de Michel Temer, Lula moderou suas opiniões e, agora, defende a construção de uma nova legislação trabalhista, que assegure direitos mínimos – tanto trabalhistas como previdenciários – e salários dignos, assegurando a competitividade e o investimento das empresas.

Para isso, propõe um amplo debate tripartite, envolvendo governo, empresários e trabalhadores. Os objetivos são o de enfrentar o desemprego e a precarização do mundo do trabalho, cita a carta.

As diretrizes do programa do presidente eleito apontam ainda a intenção de “restabelecer acesso gratuito à Justiça do Trabalho”, incentivar iniciativas de reestruturação sindical “que democratizem o sistema de relações de trabalho”, além do respeito à autonomia sindical, “visando incentivar as negociações coletivas, promover solução ágil dos conflitos, garantir os direitos trabalhistas, assegurar o direito à greve e coibir as práticas antissindicais”.

Apesar da oposição dos petistas à reforma trabalhista, há estudos que apontam avanço no nível de emprego graças a ela. Um desses trabalhos, de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) aponta que a nova legislação gerou ao menos 1,7 milhão de empregos, em especial pelo desestímulo à judicialização das relações de trabalho, com transferência de custos à parte perdedora dos processos.

Reforma da Previdência

Durante a campanha, o presidente eleito defendeu uma revisão da reforma da Previdência. O plano indica “reconstrução da seguridade e da previdência social para ampla inclusão de trabalhadores e do desmonte promovido pelo atual governo”, diz o texto.

A promessa é de criação de um modelo previdenciário que concilie o aumento da cobertura com o financiamento sustentável do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).

O governo Lula fez a primeira reforma da Previdência dos servidores públicos, em 2003, que limitou os benefícios ao funcionalismo, e o governo Dilma indicou a intenção de mudar a legislação. Mas o PT se opôs desde o início à reforma apresentada pelo governo Bolsonaro e aprovada no fim de 2019, que limitou o acesso e o tamanho dos benefícios previdenciário para reduzir o desequilíbrio financeiro do sistema.

Política fiscal

Um dos maiores pontos de incerteza em relação ao presidente eleito está na questão fiscal. O programa de governo de Lula prevê a revogação do teto de gastos e uma revisão do regime fiscal brasileiro.

As diretrizes apresentadas pelo PT preveem um novo modelo fiscal a ser construído, de acordo com premissas de credibilidade, previsibilidade e sustentabilidade.

As desconfianças estão relacionadas ao forte avanço dos gastos públicos nos governos petistas e às artimanhas contábeis que ganharam o apelido de "pedaladas fiscais" e foram a justificativa formal para o impeachment de Dilma Rousseff.

Sem citar uma estratégia fiscal, o documento defende uma política "responsável" para a área, com "regras claras e realistas", com compromissos plurianuais que, segundo o PT, "sejam compatíveis com o enfrentamento da emergência social" e com a necessidade de reativar o investimento público e privado "para arrancar o país da estagnação".

A carta de Lula diz que é possível combinar responsabilidade fiscal, responsabilidade social e desenvolvimento sustentável. Há uma promessa explícita no texto, citando que isto será feito, seguindo as tendências das principais economias do mundo.

“Ele assumirá com a promessa de manutenção dos gastos sociais em níveis atuais, o que não é comportado pelo arcabouço fiscal existente, e de incremento de investimentos, principalmente em infraestrutura. Seu desafio é o de conciliar essa pressão com a apresentação de um plano crível para a saúde fiscal”, cita relatório da XP Investimentos.

Uma das prioridades, segundo a corretora, será a definição sobre o futuro do teto constitucional para permitir maiores gastos. “O teto hoje não permite, por exemplo, que o programa Bolsa Família permaneça em R$ 600 mensais por pessoa, promessa que Lula fez várias vezes durante a campanha", informam os analistas.

Para mudar o teto, o presidente eleito precisa de uma emenda constitucional. Os analistas da XP apontam que, assim, as negociações do Congresso precisam começar o quanto antes. E também destacam que Lula tem duas alternativas para lidar com a alteração do regime fiscal. Uma é aprovar uma “permissão de gastos” de curto prazo para 2023. A outra é estabelecer um novo arcabouço mais duradouro.

"Esta última possibilidade parece menos provável, considerando que Lula provavelmente nem estabeleceu uma equipe econômica, muito menos um novo arcabouço fiscal estruturado de longo prazo", diz a análise da XP.

Revisão da tabela do Imposto de Renda e reforma tributária

O documento também prevê revisão da tabela do Imposto de Renda. Atualmente, o tributo é cobrado de quem ganha a partir de R$ 1.903,98 mensais. A ideia é elevar o limite para R$ 5 mil, acompanhado de uma reforma tributária.

Lula diz considerar que o sistema tributário não deve colocar o investimento, a produção e a exportação industrial em situação desfavorável, nem deve penalizar trabalhadores, consumidores e camadas da mais baixa renda.

No que se refere ao IR, o plano de Lula prevê taxação dos “muito ricos”, utilizando os recursos arrecadados para investir em programas com alta capacidade de induzir o crescimento, promover a igualdade e gerar de produtividade.

A proposta de Lula é uma reforma tributária por meio da estrutura de impostos mais simples e progressiva, focada em IR mais caro para os mais ricos e redução da tributação do consumo.

Emprego e renda

O ex-presidente afirma que as oportunidades de emprego e trabalho serão criadas por meio de avanços mais amplos, como:

  • retomada dos investimentos em infraestrutura e habitação;
  • "reindustrialização nacional" em novas bases tecnológicas e ambientais, reforma agrária e estímulo à economia solidária;
  • apoio à economia criativa e à economia verde, baseada na conservação, na restauração e no uso sustentável da biodiversidade; e
  • apoio ao cooperativismo, ao empreendedorismo e às micro e pequenas empresas.

Lula também propõe um salário mínimo "forte", com reajustes anuais acima da inflação, de modo a elevar o poder de compra do trabalhador. A última vez que isso ocorreu foi em 2019.

Reindustrialização

Uma das intenções de Lula é a de construir uma "estratégia nacional para avançar em direção à economia do conhecimento". A carta cita que “o Brasil não precisa depender da importação de respiradores, fertilizantes, nem diesel e gasolina. Não precisa depender da importação de microprocessadores, satélites e aeronaves”.

Uma das formas de dar mais vigor à estrutura produtiva nacional, segundo o PT, seria por meio da reindustrialização, do fortalecimento da produção agropecuária e do estímulo a setores e projetos inovadores. Entre os instrumentos para isso, o PT cita compras governamentais – o que sugere o favorecimento a determinado tipo de empresa nas despesas públicas – e investimento público.

“Devemos fortalecer a empresa nacional, pública e privada, com instrumentos como financiamento, compras governamentais, investimento público, ampliando e agregando valor à produção, com ênfase em inovações orientadas para a transição ecológica, energética e digital”, apontam as propostas de Lula.

Agricultura sustentável

A carta fez acenos ao agronegócio, uma das bases de apoio do atual presidente. Considerando que o Brasil é um dos mais importantes produtores e exportadores de alimentos do mundo, o documento ressalta que é preciso garantir e ampliar essa vantagem competitiva do país e compatibilizar a produção com a preservação de recursos naturais. “Isso é necessário num mundo que enfrenta a crise climática e exige cada vez mais o consumo de alimentos saudáveis”, diz a carta.

Ambiente de negócios

Um dos grandes gargalos brasileiros, o país ocupa a 133.ª posição entre 177 países no Índice da Liberdade Econômica, da Heritage Foundation.

A agenda de Lula prevê a implantação de medidas de desburocratização, redução do custo do capital, ampliação de acordos comerciais internacionais, avanço na digitalização e estímulo ao investimento privado e ao fortalecimento da estrutura produtiva nacional.

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