Hospitais filantrópicos sofrem com aumentos dos custos e receita estagnada.| Foto: Divulgação/Hospital Angelina Caron
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A Gazeta do Povo dá prosseguimento à série de reportagens sobre temas que impactam a sociedade e que são vitais para a qualidade de vida das pessoas, para o avanço dos negócios e para o desenvolvimento de todo o Paraná. O propósito é, com a proximidade das eleições, estimular o debate sobre questões prioritárias ao Paraná e à próxima gestão do governo estadual.

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Abordaremos os temas de Infraestrutura, Saúde, Educação, Segurança Pública, Eficiência Administrativa na Gestão Pública e Ambiente de Negócios Competitivo e Inovador, sob o ponto de vista de especialistas, estudiosos, pesquisadores e entidades representativas dos mais diversos setores. O recorte aqui será a Saúde.

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Antes controladas, doenças estão de volta

A volta de doenças que estavam controladas e o surgimento de novas doenças é, talvez, o maior reflexo da pouca atenção que vem sendo dada à saúde pelo poder público. A situação atinge todo o país e o Paraná não está de fora. Os índices de vacinação vêm caindo, o que acende o alerta, segundo especialistas, estudiosos e profissionais da área ouvidos pela Gazeta do Povo.

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O orçamento cada vez menor para a saúde, o sucateamento e o endividamento dos hospitais, em especial os filantrópicos, a falta de profissionais, as filas de espera para atendimentos e procedimentos são outros problemas urgentes que o setor enfrenta e que são desafios para o próximo governo.

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Dados oficiais da Secretaria de Saúde do Paraná revelam que os casos de dengue quadruplicaram, com o dobro de mortes causadas pela doença. A ampliação da cobertura vacinal, que era meta do governo, não foi alcançada. A imunização contra o sarampo, cuja meta do Ministério da Saúde era chegar a 95% das crianças, está em apenas 46%.

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Cobertura vacinal de várias doenças vem caindo. (Albari Rosa/AEN-PR).| Foto: Albari Rosa / AEN

“A cobertura vacinal é responsabilidade da vigilância epidemiológica. O estado tem que fazer a busca ativa, ir à casa das pessoas para evitar as epidemias. Estamos vendo casos de epidemias de dengue, zika, febre amarela. Novas doenças surgirão. Os governos têm que ter equipes preparadas para atuar, a vigilância é fundamental, deve ser uma preocupação grande dos governantes”, alerta o médico Edevar Daniel, professor do departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Segundo ele, é preciso estruturar e qualificar equipes. “A volta de doenças que estavam controladas é um alerta, é reflexo da baixa cobertura vacinal”, enfatiza o médico. “As pessoas não estão se vacinando, não se pode perder vacinas, é inadmissível”, opina.

O professor lembra ainda que o Sistema Único de Saúde (SUS) atende a cerca de 80% da população e tem que estar preparado para isso. “É um direito universal. As pessoas vão às unidades de saúde e não tem médico. A consulta com um especialista demora seis meses. Há um desmonte do Sistema de Saúde. O dinheiro público tem que ser bem aplicado”, defende.

Hospitais endividados ameaçam fechar

Um outro problema grave é a situação de sucateamento e endividamento enfrentada por muitos hospitais, em especial os filantrópicos. A principal causa é a defasagem da tabela do SUS que remunera os hospitais por todos os procedimentos.

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“Há mais de 15 anos essa tabela não é atualizada. A situação que já era grave, ficou pior na pandemia. Os custos subiram muito e as receitas estão estagnadas”, diz o presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Paraná (Femipa), Charles London. Segundo ele, em média, o SUS remunera 60% do custo total e os outros 40% vêm de outras fontes que cada hospital busca, como campanhas e empréstimos bancários. “Por isso, os hospitais estão endividados”, pontua.

Para o presidente da Femipa, embora a atualização da tabela do SUS seja de competência do governo federal, o governo do Estado pode fazer uma composição, adequando a remuneração dos hospitais. Segundo ele, os hospitais poderiam receber por indicadores de resultados. “Existem programas em andamento nesse sentido, tem que avançar”, opina.

London sugere que o segmento filantrópico pode aumentar a prestação de serviço, facilitando o acesso da população à saúde. Mas, para isso, é preciso que haja uma remuneração condizente. “É preciso organizar as redes de saúde, aparelhando esses hospitais e aumentando seus serviços, lembrando que em várias cidades os filantrópicos são os únicos hospitais com os quais a comunidade pode contar”, observa.

As entidades filantrópicas respondem por 50% dos serviços de saúde do SUS nos estados e por quase 70% dos procedimentos de alta complexidade.

Dívidas tendem a se agravar

O quadro de endividamento dos hospitais tende a se agravar com o piso salarial da enfermagem, recém-aprovado. O valor de R$ 4.750,00 que deve ser pago a todos os enfermeiros vai representar um aumento expressivo sobre o custo dessas entidades.

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A situação está sendo analisada pela Comissão de Saúde da Organização dos Advogados do Brasil (OAB), que estuda o impacto e as possíveis formas de compensação.

“Não dá para trabalhar sem enfermagem, é o coração do hospital. Os profissionais têm que ser remunerados adequadamente, ninguém é contra”, observa Ana Cláudia Pirajá Bandeira, presidente da Comissão Especial de Direito à Saúde da OAB. Ela alerta, no entanto, que o pagamento vai trazer um impacto muito grande, especialmente para os hospitais privados e filantrópicos, que têm que aplicar o piso imediatamente. Para os hospitais públicos, o novo piso passa a valer a partir de janeiro de 2023.

A advogada defende formas de compensação. Uma delas, no âmbito nacional, seria a atualização da tabela do SUS. No recorte do governo do Estado, a OAB propõe uma revisão da carga tributária. “Ou o governo ajuda, ou essas entidades vão fechar”, alerta. Segundo Ana Cláudia,  a OAB estuda os impactos e pensa inclusive em ações judiciais para trazer equilíbrio.

“A preocupação é que, em nível nacional, 20 mil leitos podem ser fechados, com 83 mil colaboradores desligados”, informa a advogada. Ela não tem os dados específicos do Paraná.

A representante da OAB cita o exemplo da Santa Casa de Campo Mourão, no Noroeste do Paraná. “Tem 200 leitos e um prejuízo de R$ 4 milhões por mês. Não consegue fechar a conta e já tem uma dívida acumulada de R$ 50 milhões”, informa, acrescentando que a Santa Casa atende toda a macrorregião. “Tem que ser feito alguma coisa. Até pouco tempo se acusavam os gestores desses hospitais, mas a situação atinge a praticamente todos. Todos estão errados, então?”, ironiza.

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É preciso regionalizar o atendimento

Especialistas e representantes do setor defendem também a regionalização dos serviços de saúde. “É possível regionalizar por meio de consórcios municipais, com a criação de centros de especialidades e hospitais de referência. As pessoas não precisam [ter que] vir a Curitiba para se tratar”, defende o professor da UFPR Edevar Daniel.

O presidente da Associação Médica do Paraná (AMP), Nerlan Carvalho, concorda. “As ambulâncias não precisariam trazer as pessoas para a capital e sobrecarregar o serviço. É preciso equipar as estruturas regionais, dar condições de trabalho”, defende.

Carvalho alerta para outro ponto: a necessidade de mais agilidade nos retornos. “Muitas vezes, após o primeiro atendimento, o retorno do paciente é agendado para dali a três, quarto, cinco meses. Pode ser tarde demais se há um problema grave. Tem que buscar celeridade”, pontua.

O presidente da AMP fala também sobre os atendimentos de média complexidade, que ficaram represados por ocasião da pandemia de Covid-19. “Agora isso se reflete e a fila de espera aumenta. É outra preocupação que o governo tem que ter”.

Carvalho lembra que, de acordo com a Constituição,  o financiamento do Sistema Único de Saúde é  responsabilidade das três esferas de governo -  federal, estadual e municipal.

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Faltam profissionais e qualificação

O Conselho Regional de Enfermagem do Paraná (Coren) aponta para o déficit de profissionais do setor. “Acredito que o futuro governador possa fazer um projeto de incentivo a cursos para técnicos de enfermagem, bem como motivar as universidades estaduais a investirem em cursos de pós-graduação, mestrado e doutorado, para assim aumentar o quadro de pessoal e suprir uma parte a mais da demanda”, defende Rita Sandra Ferraz, presidente do Coren-Paraná. Segundo ela, na rede pública poderia ser feito um estudo de readequação do dimensionamento atual.

O professor da UFPR Edever Daniel diz que é preciso ter uma política de provimento de profissionais na área da saúde, especialmente para atenção básica. “Médicos, enfermeiros, farmacêuticos, agentes comunitários de saúde. O estado tem que ter preocupação na contratação desses profissionais”, enfatiza.

Para Daniel, o governo do Estado tem que olhar para essa situação e instituir políticas de provimento, tanto na contratação quanto na qualificação desses profissionais. Ele lembra também que a tecnologia na área da saúde evolui muito rápido e é preciso acompanhar.

Para a presidente da Comissão Especial de Direito à Saúde da OAB, Ana Cláudia Pirajá Bandeira, vai ter que haver, por parte do gestor público, uma disposição para investir nas universidades públicas porque são elas que fazem pesquisa e desenvolvem a ciência. “Se há  falta de investimento na pesquisa científica, os pesquisadores vão para fora do país. A curto prazo não se percebe, mas a longo prazo vai ter um impacto muito grande. Quem faz pesquisa são as universidades públicas”, reforça.

A advogada observa ainda que no Paraná tem aumentado o número de clínicas populares, que praticam preços abaixo da tabela, cobrando menos de R$ 100 a consulta. “Isso acontece porque o SUS não dá conta de atender. É triste ver que as pessoas que não têm condições de pagar por um plano de saúde, e deveriam contar com o serviço público, precisam desembolsar um dinheiro que não têm para ter acesso à saúde”, lamenta.

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