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Servidor da Justiça Eleitoral e militares do Exército no transporte de urnas eletrônicas| Foto: Divulgação/Ministério da Defesa

Passados quase 10 dias do primeiro turno das eleições, o Ministério da Defesa ainda não se manifestou publicamente sobre o resultado da fiscalização que fez nas urnas eletrônicas. A pasta também não enviou qualquer avaliação ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Por isso, o Tribunal de Contas da União (TCU), que desde o ano passado faz uma auditoria mais ampla (e bastante favorável) do sistema eletrônico de votação, passou a cobrar das Forças Armadas o que, afinal, elas verificaram durante e após o primeiro dia do pleito.

A Gazeta do Povo e outros veículos de imprensa também vêm questionando a Defesa sobre o resultado da fiscalização, mas sem resposta oficial, até o momento. A reportagem apurou, com fontes dentro da pasta, que o trabalho de análise dos dados continua, e que, por ora, não há previsão de entrega de um relatório ou documento com o resultado da fiscalização.

Oficiais envolvidos na questão dizem que não há qualquer obrigação nesse sentido por parte das entidades fiscalizadoras do processo eleitoral e que eventuais observações e sugestões decorrentes da fiscalização serão direcionadas ao TSE, caso se avalie que isso seja necessário.

Na última segunda-feira (10), o presidente Jair Bolsonaro (PL) esteve na sede da pasta com o ministro Paulo Sérgio Nogueira. Segundo relatos de um general presente, que pediu para não ser identificado, Bolsonaro teria visto, “rapidamente”, como os técnicos vêm trabalhando na fiscalização. Não teria sido apresentado nenhum relatório, nem ele teria feito qualquer orientação. O presidente só teria parabenizado a equipe como importante contribuição para a democracia. Além disso, teria tratado do apoio de segurança prestado pelos militares na votação – eles estiveram presentes em 4.578 locais de votação, em 456 municípios de 11 estados.

Nesta terça-feira (11), o jornal O Globo noticiou que o presidente teria sido informado que nada problemático foi detectado na fiscalização, mas que teria vetado a divulgação desse resultado e dito “que os militares deveriam se esforçar mais, porque as informações não batiam com o que ele próprio soube a respeito do assunto”. O relato não foi confirmado pela Defesa.

Desde o fim do ano passado, a participação dos militares na fiscalização das eleições é envolta em polêmica, pelo receio de que uma avaliação negativa ou alguma suspeita levantada pelos militares acerca da integridade das urnas venha a ser usada por Bolsonaro para contestar uma eventual derrota na disputa eleitoral. Há muitos anos, ele lança dúvidas sobre o sistema eletrônico de votação e intensificou as críticas no ano passado, quando o Congresso rejeitou a proposta de voto impresso.

As Forças Armadas, que historicamente contribuíram para transportar e proteger as urnas eletrônicas em locais longínquos ou perigosos, foram chamadas pelo TSE para participar da fiscalização – como já faziam TCU, Polícia Federal, Ministério Público, entre outras instituições –, no intuito de atestar a integridade das urnas e aplacar a desconfiança do presidente e de seus eleitores. Bolsonaro, no entanto, cobrou um trabalho aprofundado e os militares passaram então a questionar procedimentos do TSE e a sugerir melhorias.

Como é a fiscalização das Forças Armadas nas urnas

Algumas sugestões foram aceitas e outras descartadas. Uma das mais importantes – de realizar o teste de integridade nas urnas dentro das seções e com uso da biometria de eleitores voluntários – foi aceita em parte pelo TSE. O teste é feito no dia das eleições e consiste em retirar das seções uma certa quantidade de urnas, digitar nelas votos previamente preparados e inscrevê-los também em cédulas, para ao final comparar os resultados. O teste geralmente é feito nos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), mas neste ano 58 das 641 urnas submetidas a ele foram verificadas nos próprios locais de votação com biometria de eleitores.

O objetivo desse formato foi aproximar na maior medida do possível a votação simulada da eleição real. No início do ano, quando estava sob o comando do ministro Edson Fachin, o TSE recusou essa sugestão. Mas, em setembro, após assumir a Corte, Alexandre de Moraes articulou sua implementação junto aos TREs, sem a participação direta dos militares. A testagem nos moldes sugeridos pelas Forças Armadas foi concebida como um “projeto piloto” do próprio TSE, que ficaria de avaliar se realmente valeria a pena mantê-lo futuramente.

Na semana passada, Moraes anunciou que nenhum problema foi verificado nessas 58 urnas testadas com biometria nas seções. “Como só poderia acontecer, obviamente, conferiram os votos dados nas urnas com os votos dados em papel [...] Novamente, no primeiro turno das eleições de 2022, se repetiu o que houve nas eleições de 2020, 2018, 2016, 2014, 2012, 2010, 2008, 2006, 2004 e 2002. Vinte anos de absoluta lisura das urnas eletrônicas, com comprovação imediata pelo teste de integridade”, afirmou no plenário da Corte, em tom de exaltação.

Desde que o TSE resolveu implementar o teste com biometria, a Defesa evitou se manifestar. E o mesmo ocorreu após as eleições. Não se sabe, ao certo, se e como os militares acompanharam esses testes nas 58 seções eleitorais, e de que modo avaliaram o que foi feito.

Duas semanas antes da eleição, veio à tona, por meio da imprensa, que os militares fariam outro tipo de fiscalização, de verificar se dados da votação impressos em boletins de urna de 385 seções eleitorais espalhadas pelo país corresponderiam àqueles divulgados pelo TSE ao fim da eleição e que integram o resultado oficial da totalização. Boletins são documentos emitidos por cada urna com soma dos votos recebidos por cada candidato naquela seção.

O resultado oficial divulgado pelo TSE é feito com base em arquivos digitais desses mesmos boletins, que são publicados pela Corte após a eleição, justamente para que qualquer eleitor confira se o documento físico gerado na seção corresponde àquele usado na totalização. A conferência feita pelas Forças Armadas também não foi divulgada até o momento.

TCU fiscaliza a fiscalização das Forças Armadas

Ainda antes das eleições, o TCU questionou a Defesa sobre os critérios para a definição da amostra. E, no último dia 7, o órgão voltou a pedir à pasta o resultado dessa fiscalização. No ofício, o subprocurador Lucas Rocha Furtado disse que, como o tribunal também faz uma auditoria do sistema, “é imprescindível o acompanhamento da atuação de agentes chaves que de alguma forma participem do processo eleitoral”. Ainda defendeu a publicidade e a transparência de atos do poder público e argumentou que o sigilo não cabe nesse caso.

“A Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXIII, admite o sigilo em raras hipóteses, uma delas quando a informação seja imprescindível à segurança do Estado, e, neste caso, é a segurança do Estado que sairá fortalecida com a divulgação de tais informações”, diz o documento, encaminhado à Defesa pelo ministro Bruno Dantas, presidente em exercício do TCU.

Dantas mantém relação próxima com os ministros do TSE e do Supremo Tribunal Federal (STF) e tem apresentado relatórios bastante favoráveis ao sistema de votação numa auditoria aberta pelo TCU no ano passado. Semanas antes da eleição, o órgão anunciou que também faria uma conferência dos boletins de urna, semelhante ao que seria feito pelos militares, mas com uma abrangência maior, com a coleta de 4.577 extratos de votação.

Na última sexta-feira (7), o secretário-geral da presidência do TCU, Frederico Carvalho Dias, auxiliar direto de Dantas, esteve no TSE para entregar a José Levi, secretário-geral do TSE e braço direito de Moraes, a relação dessas urnas que terão os boletins verificados. “É uma satisfação enorme contar com o acompanhamento do TCU, que é sério, construtivo, sempre presente e que fortifica o trabalho da Justiça Eleitoral”, disse Levi.

Enquanto mantém uma posição distante da Defesa, a Corte Eleitoral tem colaborado para a fiscalização do Tribunal de Contas. Prova é que, segundo o próprio TCU, o TSE ficou de enviar ao órgão os boletins de urnas das 4.577 urnas, que compõem a amostra escolhida pelos auditores. Até o momento, porém, o TCU não divulgou o resultado dessa conferência.

PL submergiu após auditoria própria virar objeto de investigação

Outra auditoria cujo resultado até o momento não apareceu foi a realizada pelo PL, o partido de Bolsonaro. Um resumo com as conclusões foi divulgado por deputados da legenda na semana antes do primeiro turno. O documento, de duas páginas, apontava risco de invasões internas e externas aos sistemas do TSE, e alertava para o poder de servidores manipularem o resultado das eleições sem deixar rastros. A auditoria foi feita em cerca de três meses, e foi baseada em avaliações que o próprio TSE fez sobre sua gestão da segurança da informação.

A divulgação do resumo provocou uma dura reação de Moraes, que chamou o documento de "mentiroso e fraudulento" e resolveu investigar sua confecção e pagamento no âmbito do inquérito das fake news, que conduz no STF. O PL não divulgou a íntegra da auditoria e informou ao TSE que não usou recursos do fundo partidário para contratar o serviço.

Nesta terça, insatisfeito com a resposta, o corregedor-geral do TSE, Benedito Gonçalves, que também passou a investigar a auditoria, intimou o PL a informar a origem dos recursos usados para pagar o Instituto Voto Legal (IVL), que realizou o trabalho. Segundo informações já apuradas pelo TSE, ao menos R$ 450 mil foram pagos pelo partido ao instituto.

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