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As três cicatrizes profundas no lado direito do abdôme são as marcas indiscutíveis de que pelo Coritiba Dirceu Krüger é capaz de dar a vida. Aliás, o Coritiba é a vida do ex-ponta de lança, ex-treinador e atual coordenador das categorias de base do clube – são 150 meninos entre 10 e 20 anos sob sua tutela. "Cheguei a receber propostas de outros clubes na época de jogador, mas fiquei aqui porque tinha de retribuir a torcida que sempre me apoiou", afirma.

A história do Flecha Loira, apelido dos tempos de jogador, confunde-se com a do próprio Coxa. Da revelação contratada do Britânia (um dos tantos clubes que formaram o Paraná) em 24 de fevereiro de 1966, passando pelas mais de cem oportunidades em que assumiu o comando técnico da equipe, até a dedicação atual em lapidar o futuro alviverde nos gramados se vão 40 anos. Porém a relação de Krüger, de 60 anos, com o Coritiba vem de muito antes.

A começar pela família. Krüger nunca teve o talento do pai, o alfaiate Acácio, para costurar uma camisa. Mas teve o coração vestido eternamente pela camisa alviverde que seu Acácio escolheu muito antes de vê-lo ídolo da mesma torcida.

Das partidas dos tempos de torcedor, Krüger se lembra de uma em especial, em que testemunhou a ousadia do zagueiro Bequinha (outro panteão do Alto da Glória), em 1959, quando tinha 14 anos. "Contra o Santos, o Bequinha levou uma bola embaixo das pernas do Pelé. Apesar de o Pelé ter acabado de ser campeão mundial pela seleção, o Bequinha não se intimidou e devolveu com um chapéu no Homem", recorda.

Da turma do bairro, a Barreirinha, de onde Krüger se mudou faz quatro anos, a grande maioria também era coxa-branca. Da patota do Arranca Toco, time amador do bairro onde surgiu para o futebol ainda adolescente, 80%, estima, torcia pelo alviverde.

"Em dia de jogo, o pessoal se juntava e ia no estádio me ver jogar. Era gratificante olhar para a arquibancada e ver meus amigos torcendo por mim".

Títulos

Krüger não é apenas o recordista de tempo de serviço no Coritiba. No currículo, também leva a honra de ter participado dos principais títulos do clube – dos cinco paranaenses do hexacampeonato na década de 70 e o Torneio do Povo de 1973 como jogador, ao Brasileiro de 1985, como auxiliar-técnico de Ênio Andrade. Vale lembrar que a base da equipe campeã nacional foi formada em 1984, quando Krüger era técnico.

No rastro dos títulos, uma parceria intrínseca. No ano seguinte à chegada de Krüger, Evangelino da Costa Neves assumia não só a presidência do Coritiba, como também a fase áurea do clube.

"O Evangelino é um segundo pai para mim. Ele se importava muito com todos os jogadores", considera.

Mas se engana quem pensa que a principal lembrança de Krüger em relação ao Chinês estão nos abraços de comemoração dos títulos que venceram juntos. A amizade de ambos se fortaleceu realmente nos 70 dias em que Evangelino passou dia e noite acompanhando Krüger no Hospital Cajuru, em 1970.

"Meus pais contaram que o Evangelino só ia para casa trocar de roupa no período em que estive internado", revela.

A internação foi gerada numa partida contra o Água Verde, quando Krüger se chocou violentamente com o goleiro Leopoldo. Após chapelar o camisa 1, o Flecha Loira ficou prestando atenção para ver se a bola entraria no gol e não teve tempo de se desviar do joelho do goleiro, que não conseguiu parar. O choque ocasionou o rompimento das alças intestinais e por pouco comprometeu não apenas a carreira, mas também a vida de Krüger.

Até extrema unção, rezada pelo frei Pio, Krüger chegou a receber, numa noite em que a família foi avisada pelos médicos de que seria muito difícil ele sair vivo da UTI. Sorte que as palavras proferidas pelo frei naquele momento não tiveram validade: Deus se negou a tirar Krüger da nação alviverde.

De recordação, o momento difícil, que tirou Krüger dos campos por sete meses e adiantou sua despedida dos campos, em 1976, aos 30 anos, mas também a lembrança do carinho da torcida, que fez uma verdadeira romaria pelo hospital, numa vigília de fé por sua recuperação.

Até torcedores de outros times se solidarizaram. O então presidente do Atlético, Lauro Rêgo Barros, chegou a mandar rezar uma missa na Igreja do Perpétuo Socorro pedindo que Krüger melhorasse. Muito mais do que a lembrança da dor sentida, as cicatrizes simbolizam 40 anos de uma luta ininterrupta pelo Coritiba.

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