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 | Caio Guatelli/Divulgação
| Foto: Caio Guatelli/Divulgação
  • De baixo para cima, a equipe de imprensa, com o repórter Ângelo Binder (agachado, à dir.), e momentos dos quatro dias de disputa

1º dia Estreia debaixo d´água

São Paulo – São Sebastião

Chuva torrencial em São Paulo. Largamos às 4 da ma­nhã do Parque do Ibirapuera. A corrida, propriamente dita, começou antes da largada oficial. O primeiro obstáculo era deixar a bagagem no caminhão de transporte, que já ia direto para São Sebastião, no litoral paulista, local da primeira parada.

Com as malas na estrada, fomos para nosso carro de transporte. Éramos 13 jornalistas e um treinador no veículo (o regulamento permitia apenas 12 componentes, mas nós estávamos acima das regras do jogo). Já dava para ter noção do odor que ficaria no veículo pelos próximos três dias.

Além de todas essas novidades, quando a coisa começou para valer, ficamos lá para trás, na última posição, a horas de distância dos ponteiros. Equipes de Curitiba, Belo Horizonte e Rio sempre na disputa. Mesmo com todo esforço, ainda tínhamos de engolir seco algumas provocações, como lembra o diretor da revista Runners Brasil e nosso capitão da equipe, Sérgio Xavier Filho.

"Estava na pista central da Via Anchieta, era o quarto trecho e ainda segurávamos o honroso antepenúltimo lugar. Um motoqueiro que fazia a segurança da corrida encostou em mim e fez a pergunta arrasadora: ‘Você está aquecendo?’. Já estava em velocidade de cruzeiro, dando o meu melhor. Até entendo, não foi por mal. O sujeito certamente tinha acompanhado corredores da frente que rodavam a 3min20 o quilômetro. Ao perceber meu esforçado ritmo de 4min30 por quilômetro, achou que eu estava apenas trotando. Faz parte", recorda.

Foi assim, trotando, que entrei na prova. No início da tarde, por volta das 13 horas, já no litoral paulista e com sol, fiz minha estreia nos 600k. O trecho de quase 10 quilômetros era todo na areia da praia. Logo no começo, o negócio complicou e senti muita dor no joelho esquerdo, que já vinha de lesão.

Como alguns trechos eram duplos (com dois componentes da mesma equipe correndo juntos), larguei com o Bruno Cortes, da TV Globo. Bruno despontou logo de cara e não consegui acompanhá-lo por causa das dores. Mesmo assim, completei com galhardia e fe­licidade.

Mais no fim do dia, fiz meu segundo trecho. Era pequeno, 3,6 quilômetros, mesmo assim travei de vez. Logo em seguida, recebi a notícia de que estaria vetado para o segundo dia. Luciane Macias, da revista O2, a melhor corredora do time, cumpriria as "pernadas" previstas para mim.

Para a equipe, o balanço do primeiro dia foi interessante. Rodamos 192 quilômetros. Largamos com chuva torrencial às 5 da manhã do Ibirapuera, comemos pão com queijo, sem água, pois esquecemos de comprar o líquido para o primeiro dia. Chegamos ao hotel, em São Sebastião, por volta de 19 horas. Com média de 5min10 por quilômetro. Logo no desembarque do carro de apoio, fui me enfiar no balde de gelo, na esperança de participar do segundo dia de prova. Lá na frente, revezamento de liderança.

2º dia A vingança dos cones

São Sebastião – Angra dos Reis

Às 4 horas da manhã já estávamos na linha de largada para o segundo dia de prova. O dia prometia ser o mais pesado. No nosso ritmo, teríamos pela frente mais 17 horas de prova. Teríamos de cumprir um "trechinho" de 210 quilômetros.

Logo na saída, más noticias para mim. Fui vetado da competição pelo nosso técnico Mário Sérgio. Admito que não gostei nada de ficar fora, mas ele tinha razão. Eu estava travado e poderia me machucar mais, prejudicar a equipe. Não era único com problemas. Tanto que o gelo que compramos para conservar os alimentos foi usado para aliviar músculos e tendões dos nossos guerreiros.

Prejudicados na questão física, e com dois atletas a menos, já que eu e o Sérgio Xavier demos PT (perda total) naquele dia, ficamos quebrando a cabeça e fa­­zendo contas para ver se conseguiríamos fechar o trajeto no tempo limite de 17 horas previsto no regulamento. Dava até para sonhar. Sempre tinha alguém que fazia um com pé lá embaixo. Porém, o excesso de subidas, estradas íngremes e acostamentos em péssimo estado acabou com o sonho. Na última posição, passamos a ter um briga particular com os cones da prova.

Com mais de uma hora de atraso em relação ao penúltimo colocado, a organização da prova retirava os cones indicativos e tapetes de leitura de chips antes da nossa chegada aos pontos de troca (PT). A rotina de perder para os cones não nos derrubou. Resolvemos buscar um melhor resultado. Em alguns PTs, os cones se deram mal e conseguimos passar antes da "limpa" da organização. Já era noite e chovia quando chegamos perto de Angra dos Reis, a 35 quilômetros do nosso segundo QG. A estrada estava perigosa, a organização da prova deixou claro que apenas o acostamento oferecia alguma segurança.

Mas o acostamento não prestava. Era buraco para todo lado. Havia perigo de lesão, ou um atropelamento mais sério, pois todas as demais equipes já estavam no fim de prova. Por isso, fizemos uma rápida reunião dentro da van e decidimos parar por ali. Pelo regulamento, os quilômetros restantes deveriam ser multiplicados por seis minutos.

3º dia Surpresa em terra fluminense

Angra dos reis – Rio de Janeiro

Para a surpresa geral, ressuscitamos no terceiro dia. O meu joelho não incomodava mais, então poderia reforçar o time. O difícil foi convencer o treinador de que estava em boas condições para correr. A saída foi "trotar" enquanto alguém corria para mostrar que não sentia nada. Apesar do esforço, Mário Sérgio seguiu cauteloso, não me chamando para cumprir meus trechos.

De Angra, já no litoral fluminense, partimos cedo para a última "perna", que nos levaria ao Rio de Janeiro. Os jornalistas correram bem. Saímos do isolamento e da lanterna em três trechos. Participamos da prova, a cada posto de troca encontrávamos conhecidos. Colamos e passamos a equipe feminina Mulheres Nike. Não são simples meninas, são ex-atletas de pista, corrida de aventura e vencedoras de provas de 10 km pelo Brasil afora. Duas delas curitibanas, as irmãs Yana e Luca Glaser.

O bom desempenho alimentou o sonho de fugir da lanterninha. Acho que as palavras de incentivo dos maratonistas Vanderlei Cordeiro de Lima e Franck Caldeira nos contagiou. A empolgação era tamanha que contaminou um grupo de torcedores do Vasco, que se dirigiam para o jogo contra o Bahia, pela Série B.

Aos gritos de ‘Vassxxxcooo’, eles fizeram a festa na hora da troca de corredor da nossa equipe. E­­­mo­­cionante. Com a injeção de ânimo de maratonistas e cruzmaltinos, ainda consegui correr um trecho du­­plo, sem dores. Porém, o grupo das Mulheres nos deixou com a laterna na mão no fim do dia.

Na chegada à Barra da Tijuca, já com a estrutura da prova quase toda desmontada, comemoramos o fim de trecho como se fosse um título de Copa do Mundo. 590 quilômetros finalizados.

4º dia Na "cola" da elite

Rio de Janeiro

Um percurso de 10 quilômetros para completar os 600k. Levei até celular para registrar as belas paisagens da orla de Ipanema. Mesmo fotografando, desci o pé para fazer um tempo baixo. Fechei minha participação nos 47min22s. Como largamos antes do pelotão da Human Race (prova que aconteceu simultaneamente à reta final dos 600k), dividi a pista por meio segundo com Vanderlei Cordeiro de Lima e Franck Cal­­deira, que largaram no segundo pelotão. Não deu nem tempo de registrar a imagem. Os dois passaram como jatos na minha frente. Cruzei a linha de chegada feliz da vida.

O resultado final, em parte, a gente já sabia. Belo Horizonte venceu, Curitiba em segundo e nós na 21.ª colocação, último lugar. A surpresa ficou por conta do prêmio: uma tartaruga do Projeto Tamar (essas de pano mesmo). Teve gente na equipe que não gostou do suvenir, eu até achei legal a brincadeira. Jornalista e corrida não rimam mesmo.

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