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| Foto: Arquivo/ Gazeta do Povo

Foi no centro de treinamento do Esteghlal FC, nos arredores de Teerã, que o lateral-direito André Luiz de Oliveira Regatieri, ex-Atlético e Paraná, se deu conta de que vivia, há pouco mais de seis meses, em outro mundo, literalmente.

Durante um treinamento, o curitibano de 27 anos – titular do segundo maior clube do Ir㠖 viu um homem, com um carneiro vivo amarrado nas costas, chegar de moto à beira do gramado. Não demorou e praticamente todos os jogadores do elenco se aglomeraram ao redor do motoqueiro. De longe, boquiaberto, André Luiz apenas observou.

"Eles fizeram uma oferenda para o deus deles, Alá, e mataram o carneiro. Depois, passaram o sangue no corpo como sinal de proteção", contou, enquanto passava férias em Curitiba, no início deste mês. "Depois do treino, o bicho já estava assado e ainda rolou um churrasquinho", emendou o camisa 16 do "Chelsea de Teerã", ainda abismado com o fato que presenciou.

Apesar de estranhar o ritual, o jogador concorda que naquela ocasião era ele o "diferente". Na verdade, desde que um amigo que mora em Portugal propôs a aventura no Oriente Médio, ele sabia que teria de encarar um imenso choque cultural. Após pensar muito, acertou contrato de dois anos. E não se arrepende, diz.

"As coisas estavam difíceis no Brasil, já era considerado velho, e a oportunidade surgiu. Era uma aposta, e hoje sou muito grato ao Irã. Quem quiser, pode vir de olho fechado", garantiu, enfatizando que, além do salário – pago em três parcelas anuais –, seu trabalho é muito mais reconhecido do que no Brasil.

Quando sai em público, André Luiz conta que é imediatamente reconhecido pela fanática torcida da equipe azul e branca da capital. Apesar de apenas arranhar o fársi (língua local) e de engatinhar no inglês, atende a muitos torcedores. Sempre com abraços, três beijinhos no rosto, e fotos, muitas fotos. Algo que no calor do deserto persa, não deve ser muito agradável.

"Eles chegam já abraçando, sem perguntar. E lá, para mostrar que são homens, eles precisam manter o odor", lembrou, com expressão de puro lamento.

Nas muitas matérias de jornais e revistas das quais foi personagem, as fotografias são menos "traumáticas", mas não menos inusitadas. Ao lado do volante Felipe Alves, que também defendeu o Paraná e que atua no Esteghlal desde 2007, apareceu segurando rifle de guerra e com cara de mau. Em reportagens mais leves, foi clicado ao lado do filho Guilherme, porém, sempre com algum toque da cultura persa.

"Acho que para representar riqueza, boa sorte, eles costumam tirar fotos ao lado de frutas. Já apareci com melancias, melões...", disse, enquanto apontava para as imagens. "E não posso aparecer encostando na minha mulher, Carla, senão, vou preso", emendou.

Em campo, o ex-paranista comemora a boa sequência de jogos sem se lesionar, algo raro na carreira de quem precisou ficar parado por mais de 14 meses por causa de fraturas no tornozelo e várias lesões musculares. Com partidas apenas nos fins de semana, não "toda quarta e domingo", reforça, ainda não precisou visitar o DM de seu clube.

Quando disputou o clássico contra o Persépolis, considerado um dos maiores do mundo, em um quase lotado estádio Azadi, no entanto, sentiu algo que não havia vivenciado nem quando estreou no Maracanã. "Meu amigo, eram dois anéis ‘socados’ [de gente], 93 mil pessoas. Tudo aglomerado, só homens, sem esse negócio de ter de ficar sentado", falou. "Aquilo sacudia. Estremecedor mesmo", continuou, relembrando o momento imediatamente antes de sair do vestiário para o campo, quando os atletas muçulmanos passavam pelo ritual de beijar o Alcorão.

Católico, André Luiz conta que não teve nenhum problema por causa de sua preferência religiosa. Durante o Ramadã (período de 40 dias de jejum dos muçulmanos), porém, não podia nem comer nem beber água diante da imprensa nos treinamentos. De outra tradição local, entretanto, espera passar longe.

"Me falaram que toda a sexta-feira acontecem os enforcamentos de condenados por crimes como assassinato, pedofilia. Sai no jornal a fotinho e o motivo. É uma honra poder assistir, mas não vou nem que me paguem", finalizou o jogador que, ao invés do nosso 2011, parte para a temporada do ano 1389 no Irã.

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