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É como se os relógios do Alto da Glória estivessem todos parados. Sete de abril de 1985. O Coritiba perde por 2 a 0 para a Portuguesa, no Couto Pereira. Revoltada, parte da torcida se dirige à Rua Mauá, na saída dos jogadores. O protesto começa com xingamentos e só não termina em algo pior por causa de um gesto inusitado do ex-ponta direita Reinaldo Felisbino, o Lela.

Chamado também de "Mentira" por causa das pernas curtas, Lela saia do estádio no Puma recém-comprado do amigo Toby, após ficar quase duas horas trancado no vestiário. Ao ver a confusão, o jogador não pensou duas vezes. Pediu para Toby parar o carro. Queria resolver a pendenga na bala. Ou quase isso.

"O Lela era louco. Ele comprou um 38 meia boca, mas não sabia atirar. Para falar a verdade, nem bala tinha. Quando eu vi ele erguendo a arma, gritei: ‘abaixa esse negócio, você não tem 500 balas para matar todo mundo’", relembra Toby, de 44 anos, coordenador de futebol da secretaria de esportes de Araucária.

"Na verdade aquilo não foi feito pela torcida do Coritiba. Era meia dúzia de bobos. O pessoal implicava com o Lela e com o Toby porque eles gostavam da noite", conta o ex-goleiro Rafael Cammarota, 53 anos, atualmente técnico da União Barbarense (SP). "Eu estava nesse jogo e fiquei sabendo da confusão. O pessoal era contra quem vivia na noite", completa Luís Fernando Stellfeld, o Luizão, vereador de Curitiba e fundador da torcida Império Alviverde.

A revolta, coincidentemente, perdeu força depois da inesperada atitude de Lela. "Mas foi por causa do respeito que a torcida sempre teve pelos jogadores. Eles xingavam, só que nunca iriam tocar na gente", diz o ex-meio-campista.

Há quem acredite ter sido ali o pontapé para o título brasileiro, conquistado quase quatro meses depois, contra o Bangu, no Maracanã. "Às vezes você precisa levar um susto para acordar. Começamos a jogar porque vimos que a nossa batata estava assando", comenta Toby, ensinando a receita para versão 2006 do Alviverde. Depois da quase briga, o Coxa jogou mais 11 vezes, conquistando cinco vitórias, quatro empates e sofrendo duas derrotas.

"Lembro vagamente dessa história. Aquele time era muito bom. Não havia nenhum craque, mas todo mundo tinha imensa vontade de vencer", recorda o ex-ponta-esquerda Edson Gonzaga, 46 anos, que voltou ao clube neste ano como auxiliar-técnico de Paulo Bonamigo.

Sobre a confusão no Aeroporto Afonso Pena, quando torcida e jogadores trocaram socos e pontapés no começo de outubro deste ano, os campeões brasileiros defendem os fãs, apesar de deixarem claro a campanha pela não-violência. "Se a torcida está cobrando, é porque existe algo de errado com o time", alerta Toby. "Não dá para comparar aquela equipe com essa de agora. Não deixem fazer isso, por favor. A cobrança existe, é claro, mas sempre pelo bem do Coritiba. Conquistamos o Brasileiro assim", complementa Rafael.

A reportagem tentou por três dias entrar em contato com Lela. O ex-ponta direita, porém, não foi localizado. Ele mora em Bauru, interior paulista, onde ajuda a administrar as carreiras dos filhos Richarlyson, volante do São Paulo, e Alecsandro, atacante do Sporting (Portugal).

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